quarta-feira, 17 de março de 2010

Um Crônico de Hospício


Há quanto tempo ele repete tal rotina,

espectro a vagar por longos corredores?

Alguém já lamentou a sua triste sina?

Que poeta cantou as suas grandes dores?



Foi criança e sonhou, os anos de estudo...

Na juventude teve uma secreta paixão;

porém não lembra mais tempos de cabeludo,

nem noites de luar ao som de um violão.



O rosto é uma máscara, espelha a apatia.

Se alguém vem lhe falar de arte e poesia,

a boca vai cuspir um comentário irônico.



Sua mente morreu trancada no hospício.

Vontade de viver pra ele é mero vício.

- Retrato, bom leitor, um psiquiatra crônico.

Antônio Adriano de Medeiros
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*A tela que ilustra o poema, é obra de Enio Sergio, ex-interno do Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro,faz parte do acervo do Museu de Imagens do Inconsciente, fundado por Dra. Nise da Silveira .

quarta-feira, 3 de março de 2010

ACAUÃ



“ Teu canto é penoso e faz medo,
Te cala acauã!”


Abre as asas no céu a ave de rapina
sobre o continente que sua sombra cobre.
Do México à Argentina ele reina e domina
os seres pequeninos dessa América pobre.
Lembranças dos Infernos, velho reino da Morte,
desgraças dizem ser o que seu canto traz.
Mas desconheço algo que tanto me conforte:
- 'Cauã, teu canto triste a mim muito me apraz!
Porque somos irmãos em canto e gosto, amigo:
como a ti dão meu prato uns perigosos seres,
e nasci no sertão de seus poucos haveres.
E quando canto Mestre, a teu saber eu sigo:
é com desesperança que declamo meu fado
cantando a triste sina de um povo desgraçado.

Antônio Adriano de Medeiros
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"O acauã (Herpetotheres cachinnans) é uma ave pertencente à ordem dos Falconiformes, família Falconidae, conhecida pelo seu canto característico e por se alimentar de serpentes." (Wikipedia)

Mas a fama do Acauã é pelo seu canto, que dizem triste, ou de mau agouro, canto esse celebrado por Luiz Gonzaga.

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