domingo, 25 de julho de 2010

UM SONETO SIMPLES



Pensei num soneto simples como eu,
um soneto quase nada, até sem rima.
Poema esquecido que ninguém escreveu,
obra inacabada e perdida – obra-prima.
Um soneto até mal educado...
Que nem ligasse muito pro fato de ser soneto.
Velho poema cansado e desesperançado,
sem vida, alma ou cor – em branco e preto.
Que musa mereceria um soneto assim?
Decerto uma musa torta, uma musa louca e morta.
– Musa sublime que do Céu me abre a porta,
todos diriam um meio-soneto desse poema chinfrim;
mas tu me sorris graciosa, musa única e derradeira,
musa sublime, minha adorada – singular caveira!

Antônio Adriano de Medeiros.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

FANTASMA



Hoje é a Noite, é a sexta das bruxas.
Pairam perfumes das flores mais raras,
de várias cores, flores negras, claras;
fugaz beleza, nunca flores murchas.

Quero o perfume de antigos castelos;
quero a saudade de velhos fantasmas;
penteadeiras com fios de cabelos,
fossos que emanam estranhos miasmas.

Quero as histórias de belas princesas
correndo ao largo, no lago, inquietas.
Quero a senzala com todas as pretas!

- Velho soneto das delicadezas
nem sempre acaba em cuspe ou tumor:
há os fantasmas do antigo amor.

Antônio Adriano de Medeiros

quarta-feira, 21 de julho de 2010

MARIA DIABA - A CANGACEIRA DO SEXO



LEITURA DESACONSELHÁVEL PARA MENORES EM GERAL

Em verdade em verdade eu vos digo: trata-se de um cordelzinho curto e simples, uma peça meio cômica, uma brincadeirinha, mas que, em sendo um pouco carregado em termos sexuais, julguei por bem pôr aquele aviso lá em cima. Precisei forçar um pouco a barra em tempos verbais, num plural, e em palavras de uso comum no sertão, certas conjugações como "arrancou-la" no lugar de simplesmente "arrancou-a", pra salvar a rima. O satanismo de Maria Diaba se expressa basicamente na sexualidade (o que é um fenômeno bem sertanejo), mas também no ímpeto criminal para o roubo, o assalto, o arrastão. Cuidado com ela!

Acreditam que eu caí na risada quando escrevi que um pobre padre não pôde batizar a menina por ter sido acometido por um súbito ataque de berros caprinos, um estranho bodejado vindo de hostes espúrias? Cruz Credo, irmãos: não é que parecem existir mesmo espíritos zombeteiros em torno de Maria Diaba?

Bom, sem qualquer pretensão, apenas pra ficar mais bonito, coloquei como epígrafe um trechinho de Anjos Caídos, Harold Bloom.



A BREVE HISTÓRIA DE MARIA DIABA - A CANGACEIRA DO SEXO



"Demônios são universais e pertencem a todos os povos de todas as eras. A antiga Mesopotâmia foi particularmente infestada pelos demônios: espíritos do vento, eles podiam entrar em qualquer lugar e demonstravam feroz obsessão pelo estrago da harmonia sexual humana. A estrela desses demônios era Lilith, que mais tarde reapareceu como primeira esposa de Adão na tradição talmúdica e cabalística. Afastada pela criação de Eva, Lilith partiu para o litoral levantino e continuou sua carreira como tentadora sexual acima de todas as outras."



Quem lê as coisas que conto
e me julga um mau cristão
saiba que fui batizado
e fiz Primeira Comunhão;
aos doze fui crismado,
e já contei meus pecados
em igrejas do sertão.

Pra quê minha santa mão
registrasse pra história
quem é a Maria Diaba
e sua saga tão inglória,
eu fiz um longo jejum:
só com água e jerimum
alimentei minha escória.

Sei que fiquei na memória
de toda Santa Luzia:
quem me via ajoelhado
na igreja por três dia
se alma boa, rezava;
se alma ruim, gargalhava
julgando que endoidecia.

Ciente do que fazia
dali não arredei pé.
Tomado de Esperança
de Humildade e de Fé,
a Deus pedia perdão,
e a Sua permissão
pra falar de Lucifé.

Mulher ou homem que é
da turba de Satanás
logo que chega no mundo
já deve dar seus sinais:
Menina Maria Diaba
nasceu com dentes e, braba,
dava dentadas nos pais.

Além disso, havia mais:
a menina não chorava;
se ouvia bater o sino
a Danada gargalhava;
com seis meses de idade
surpreendeu a cidade
ao notarem que falava.

E sempre que se tentava
tal menina batizar
ocorria um imprevisto:
numa, caiu o altar;
em outra, o padre morreu;
na terceira endoideceu;
na quarta deu pra berrar...

E se resolveu deixar
pra que depois que crescesse
a menina desditada
ela mesma escolhesse
se numa Igreja decente,
na macumba ou na dos crente,
o seu batismo ocorresse.

E se deu que acontecesse
de sozinha aprender ler
aos dois anos de idade
na Cartilha de ABC.
E também acontecia
de dormir durante o dia,
despertar no anoitecer.

E viu-se preciso ser
mandá-la pro Maternal.
Logo no primeiro dia
"Maria" saiu no pau.
E, se vendo ser tão braba,
chamaram "Maria Diaba";
ela acalmou-se, afinal.

Algo de excepcional
se notou nessa menina:
se a chamam de "Maria"
ela se mostra traquina;
chamando "Maria Diaba"
a brabeza se acaba
- Vejam que estranha sina!

Na cidade pequenina
logo se ouve falar dela.
Ao valentão da escola
a Diaba deixou banguela.
Grandalhão mostrou-lhe a rola,
ela no dente "arrancou-la"
e sempre a guardou com ela.

Cansada de ser donzela
ofereceu o cabaço
a um grandalhão retardado
chamado "Canhão de Aço";
na hora em que a cobra entrou
grunhiu, babou, mas gritou:
- "Eu quero mais um pedaço!"

Aos 12 foi pro cangaço
"ressuscitar Lampião",
de chapéu e cartucheira
e uma faca na mão.
Quando a polícia a prendia
trepava a noite e o dia
e obtinha o perdão.

E logo todo o sertão
temia Maria Diaba,
a cangaceira menina
cuja fama nunca acaba:
como pode ficar presa
jovem prenhe de beleza
que com prazer se enraba?

Quando a coisa ficou braba
chamaram o Capitão Gay.
Ele até prendeu a Diaba,
mas o pau grandalhão vei...
Quando a Diaba se safou
Capitão filosofou:
- "Eu só sei que nada sei..."

E logo cresceu a grei
com a Diaba no comando.
Ladrões, tarados e putas
obedeciam a seu mando.
Nem todos eram aprovados:
só belos e bem dotados
a Diaba ia aceitando.

As jovens iam chegando,
era feita a votação.
Não bastava ser bonita
para ter aprovação:
a que de quatro ficasse
e um dos homens brochasse,
não se aceitava, não.

E faziam arrastão
em procissão e quermesse;
casas lotéricas e bancos
sempre davam boa messe.
Quando instinto ruim atiça
eles roubam até em missa...
faziam o que bem quisessem.

E como mui bem fodessem
nunca ficam presos, não.
As moças engolem tudo;
entra fundo o garanhão.
Se a tarde começa mal,
à noite tem bacanal,
e de manhã, o perdão.

Enfim rendeu-se o sertão
a este invencível Mal.
Ninguém consegue vencer
o cangaço sexual
que fundou Maria Diaba:
moça nova que se enraba,
garanhão que mete o pau.

Antônio Adriano de Medeiros

terça-feira, 20 de julho de 2010

CRISTO REDENTOR - DE OLHOS BEM ABERTOS




Em qualquer ponto da cidade o Cristo
nos abraça do Corcovado. É só buscá-lo.
Compreende-se, pois, quê quem o tenha visto
- da cidade ou não - queira ir visitá-lo:
A propaganda em torno dele é muito grande;
isso sem falar da tradição religiosa.
É natural que todo aquele que por lá ande
comprove ser mesmo a cidade maravilhosa.
Eu, porém, que ali morei por alguns anos,
não me encanto mais com ledos enganos...
- E porque eu te conheço bem, ó Rio,
sei que melhor que tuas rezas é o teu cio,
e que tuas maravilhas e as delícias mais certas
estão numa mulher de pernas bem abertas.

Antônio Adriano de Medeiros

sexta-feira, 16 de julho de 2010

LUANAS




Há luanas deusas
reinando em altares.

Há luanas musas,
rainhas dos lares,

luanas princesas
em muitos lugares,

as luanas putas
em seus lupanares,

e a luana estrela
que alumia os ares.


Antônio Adriano de Medeiros

terça-feira, 13 de julho de 2010

ELE



Discreto e comedido, em cada gesto
se percebe que foi bem educado.
De antiga linhagem, ele é modesto:
vai a qualquer lugar onde é chamado.
É visto sempre muito bem trajado,
suas vestes são feitas na medida.
Não prende a atenção demasiado
tal como uma certa gente exibida.
Da juventude a fonte ele conhece;
há sete séculos que não envelhece
e nem sequer altera a sua forma:
a Perfeição não gosta de reforma.
Petrarca o lapidou, mostrando a lavra
- Soneto, o diamante da palavra!

Antônio Adriano de Medeiros

quinta-feira, 8 de julho de 2010


O PEIXE E A CRUZ

No traço desfaço o disfarce do oculto,
e na festa se manifesta em verbo ser
o opaco e errante fantasma de um vulto
das trevas e da luz eterna, a se parecer
com um peixe, mas não de aquário:
dos livres do mar. Ou dos livros do mal
Imagem de Cristo esquecida num relicário
entre teias de aranha e traças, mortal.
Pois o peixe que vinha antes da cruz
era o verdadeiro signo do homem Jesus
e dos apóstolos com Ele reunidos.
Depois das chicotadas e dos mal-entendidos
que por crucificá-Lo acabaram,
a cruz santifica até mesmo os que o mataram.

Antônio Adriano de Medeiros

segunda-feira, 5 de julho de 2010

PROJETO POÉTICO PARAIBANO



Certa vez privei da amizade de um político que era vice-governador do Estado do Rio Grande do Norte e que, educadamente, me convidava aos sábados para almoçar. Aprendi muito sobre os homens e o poder naqueles almoços lá em Caicó. O meu amigo ocuparia o Governo por nove meses, que o titular precisaria se afastar para candidatar-se ao Senado. E muitas das vezs em que lhe iam fazer pedidos, ele sempre respondia iniciando a resposta com a frase "Quando eu for governador". Me impressionei com aquele poder, com alguém poder dizer isso assim tranquilamente, "Quando eu for governador", e conversando com outro amigo, hoje afastado, ele me deu a idéia de escrever o discurso a seguir, dedicado a um terceiro amigo.

As palavras em negrito são nomes de cidades paraibanas, com exceção de Natal, que é a Capital do Rio Grande do Norte.

Eu prometo!



PROJETO POÉTICO PARAIBANO

Para o Dr. Jeezias Bastos da Costa


Quando eu for governador da Paraíba
tranformarei Patos
em galinhas!
Pombal também será um galinheiro,
mas terá o seu pombódromo!
E onde apenas uma santa luzia,
o próprio Deus irá brilhar!

Quando eu for governador da Paraíba
João Pessoa renascerá,
e Campina de tão Grande explodirá
num São João de Esperança Imaculada!

Quando eu for governador da Paraíba
lutarei pela modernização do Estado onde nasci
mudando o nome de Conceição
para Kátia Suely,
e contratando o Olodum pra incendiar o Brejo das Freiras!

Quando eu for governador da Paraíba
vou mandar baixar o pau em São José dos Cacetes,
e tranformarei Riacho dos Cavalos
em um grande rio de éguas e potrinhas!

Quando eu for governador da Paraíba
do Junco farei um carvalho;
Areia será ouro em pó;
e Princesa dançará, liberta, por entre as Cajazeiras!

Quando eu for governador da Paraíba,
durante alguns meses de minha administração
transferirei para Natal
não apenas a Capital,
mas trambém todo o capital
que encontrar no Palácio da Redenção;
e assim, através do gesto de seu Governador,
a Paraíba estará demosntrando a sua gratidão e a sua admiração
por aquela terra brava e forte do Rio Grande do Norte!

Quando eu for Governador!


Antônio Adriano de Medeiros