terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Dileto Diletante


DILETO DILETANTE

Existe um soneto em algum canto.
Há algum canto oculto em um soneto
e a nós nos cabe quebrar-lhe o encanto
e ouvir nas palavras o solfejo?
Que os versos não sejam versus música,
mas que ritmo e métrica melodiem.
Imprimir nas palavras uma acústica
que os olhos decifrem, se o puderem.
Nem pé-quebrado ou rima rica: uma carícia
que atenue do verso a ponta íngreme
pra não ferir ninguém; só com a malícia
que a mão de um poeta ao verso imprime.
E pouco importa que julgue a vil turba
que um soneto às vezes se masturba.

Antônio Adriano de Medeiros
dez - 2010

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

REFLEXÔES NA TERRA DE ADÃO


Bom, é sintomático que parece que andam tentando proibir Darwin e sua Teoria da Seleção Natural em alguns estados americanos. Tudo seria explicado pelo Gênesis bíblico, Adão, Eva, aquele negócio lá. Mas. obserando bem o vídeo que se encontra em http://www.youtube.com/watch?v=5dgKAxPbJ0w&feature=related , dá pra ouvir boas (?) risadas quando um tanque de guerra chega atropelando corpos metralhados que estavam caídos no meio das ruas e que se impediu que fossem resgatados... Asim sendo, como o Iraque é a terra onde supostamente ficava o Jardim do Éden e onde dizem estar o túmulo de Adão, e como se diz que somos filhos de Deus e que Lúcifer foi degredado para sempre aos Infernos, podemos fazer esas reflexões, até porque a terra de Adão é a Terra toda...


REFLEXÕES NA TERRA DE ADÃO

Malgrado o famigerado Lúcifer, Anjo da Revolta,
tenha sofrido o degredo perpétuo aos Infernos,
ando cismado de que ás vezes o maldito volta:
É que os bons filhos de Deus são sempre ternos,
mas fazem umas coisas tão feias numa guerra...
E do que vi no Iraque em certa tarde
pude pensar: será que Deus é um covarde
que abandona os seus filhos sobre a terra
nos momentos mais difíceis? Será que corre
na precisa hora em que o inocente morre?
Qual será a boca que ri de tanta felicidade
vendo um tanque atropelar com crueldade
o corpo morto que era de um dos filhos seus?
Será boca do Lúcifer, ou é a boca de Deus?

Antônio Adriano de Medeiros
dez - 2010

sábado, 4 de dezembro de 2010

sonetos do Outro



I

Será que vem de mim mesmo esse marasmo,
esse mutismo, esse tédio, essa apatia?
Quando medito sobre isso fico pasmo:
há um Outro em mim que se entedia.
Um que cala e que se queda catatônico.
Eu fico atônito enquanto ele só dorme;
eu quero a vida, mas ele não morre;
eu sou só agudo, mas ele já é crônico.
Fico de pé, mas logo penso. Existo
assim desmoronando. Diante Cristo
e atrás de Lúcifer, anjo que se perdeu:
um, homem imortal; o outro, deus que morreu.
- Jamais pensei que isso fosse terminar assim:
Eu nada sei desse Estranho que há em mim!

Antônio Adriano de Medeiros
dez 2010

II

Sinto muito, mas já o sinto: é Ele de novo,
o Outro, esse estranho que mora em mim
e que eu não conheço bem, um estorvo,
uma tendência que tenho pra ser ruim.
Chega! Não chega, Ele nunca se vai.
Mergulha em mim como num precipício.
Eu abro as portas mas Ele não sai.
Pensa que gosto - pensa que é um vício!
Meu Deus: o que é que esse Outro quer?
Será que pensa eu ser sua mulher
para aturar tanta vagabundagem?
Quero expulsá-lo, mas cadê coragem?
- E uma questão agora me excita:
qual de nós dois que é o parasita?

Antônio Adriano de Medeiros
dez - 2010

III

Por que falar do lá fora se em mim
palpita todo esse imenso oceano?
Por que falar de Deus ou de Caim
se crio e mato em mim mesmo um Tirano?
Que o Outro dê as cartas, faça seu jogo.
Porque seu pôquer é porcaria, e ali ás
sou eu - um mar que trago em mim o fogo.
Tudo é uma questão de maré, aliás.
Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão de amar.
Agora vaga, rindo, achando pouco:
Venham, procelas, me acariciar!
- Que o Outro não se vá: tenha piedade!
Tanto me torturou... Deixou saudade!

Antônio Adriano de Medeiros
dez 2010

IV

Meu coração é um almirante morto
que os urubus teimam em não devorar.
É ele o Outro, um reles anjo torto...
Mas não sou Deus para o condenar.
Eu sou um ser misericordioso
e até gosto já desse mau hálito
que de um ser pútrido, vil e asqueroso
se exala - É só uma questão de hábito!
O Outro agora dorme, e nem finge dor.
Está feliz, se sentiu importante
com os sonetos onde foi o ator
principal - a sua presunção é revoltante!
- Acalentar um verme é meu destino:
Padeço e gozo - Ai coração ferino!

Antônio Adriano de Medeiros
dez - 2010

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

MOLOCH



MOLOQUE

"Ele está em meio de nós"

Seria pelas mãos das próprias genitoras
que se atiravam inocentes recém-nascidos
no ventre incandescente de Moloque, deus
terrível, para que assim o déspota mantivesse
controlado o seu poder destruidor; gentis
sacerdotes do deus faziam soar bem alto
as suas cornetas para que os gritos de dor
dos infantes não chegassem aos ouvidos
daquelas boas mães, e elas assim pudessem
melhor se entregar às orgias que sempre
se seguiam aos terríveis rituais purificadores.
Teria sido Moisés, o príncipe egípcio, o homem
que aboliu tal prática tão estranha ao tão cantado
amor materno. Mas Moloque voltou, decerto
porque os deuses, apesar de terríveis, são imortais,
e alguns milênios depois eram sacerdotes os que
sacrificavam inocentes ao fogo em nome da Santa
Madre Igreja, e dessa vez não era mais necessário
que as cornetas fossem tocadas a abafar os gritos
das vítimas, porque o terror era norma e exemplo,
e Moloque decerto gozava às escâncaras, duplamente,
naqules tempos terríveis da Santa Inquisição. Assim,
não nos esqueçamos que o deus terrível está vivo,
adormecido no coração dos homens e mulheres de fé,
e que decerto nunca será tarde para que desperte.

Antônio Adriano de Medeiros
dec 2010