sábado, 27 de fevereiro de 2010

CÉSAR – CORDEIRO DE DEUS!

[rafael-martin]

Deus duas vezes: uma quando a aura

o erguia a alturas desconhecidas ao comum

dos mortais antes do acesso; a outra

quando decidia a sina de uma cidade, de um

povo inteiro. Decerto que desde menino

reinava por instantes qual pontífice máximo

como a confirmar que doença é destino:

também caiu convulso no dia trágico

em que o punhal de Brutus, como víbora,

injetou-lhe o pérfido veneno da traição.

Ali a baba que escorreu da boca era rubra.

– Que alguns deuses morrem, sim, mas não

ele: ressuscitou após o banquete primordial

e ainda hoje reina em seu mundo ocidental.


Antônio Adriano de Medeiros

*****

Houve quem a chamasse "doença sagrada", e também "morbus demoniacus". A Epilepsia durante muito tempo (e talvez ainda hoje o seja para alguns) foi creditada na conta dos deuses. Nesse soneto de alguns anos tive a felicidade de encontrar semelhanças entre fatos da vida de Júlio César e fenômenos da Epilepsia idiopática: a aura com seus sentimentso de grandiosidade, a sialorréia, as convulsões, o fato de ser inscrita na própria constituição genética, e o seu lado sagrado.

As rimas também são nobres e raras, como a doença e certos destinos.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

4 SONETOS SOBRE O SUICÍDIO



I


Há quem veja covardia em tal gesto,

ou reflexo de uma doença mental.

Para além do julgamento moral

se fala em suicídio de protesto.



O nosso belo quadro social

talvez não seja um prato de bom gosto.

Assim sendo, o gesto radical

se torna admíssível, por desgosto.



O tiro na cabeça ou coração

tem efeito bem rápido, infalível.

Mas muito sangue jorra pelo chão,



e o quadro não me fica apetecível.

Tranqüilo é o envenenamento.

Mais belo, porém, o enforcamento.


II


Ao meu nobre futuro suicida

que decida matar-se com veneno

se recomenda um forte raticida,

salvo se o volume for pequeno.



Para entrar no Inferno bem sereno

que o sono seja pois reconfortante:

por isso, antes do gesto supremo,

é bom dez comprimidos de um calmante.



Quando na veia se injeta estimulante

também tem-se um veneno eficaz,

mas com as convulsões deselegantes.



Já às pessoas simples, populares,

restritas à prisão dos tristes lares,

é só trancar-se em casa e abrir o gás.


III


É uma vagina a forca no ar.

Há um beija-flor a quem a rosa é cara:

há tempos que vinha com ela a sonhar,

e agora enfim se entregam à cópula rara.



O falo se ergue, corpo escultural.

A cabeça entra, os corpos balançam.

Uivos e estremeços, ritmo sensual

nos poucos instantes que os amantes dançam.



O amante geme de dor e prazer:

perde a consciência com a língua de fora.

Um ou outro implora, antes de morrer,



que afastem a danada, mas é tarde a hora.

E enquanto no êxtase do fim estremece,

o morto ejacula na baba que desce.

IV


Alguém a quem foi negado

a correnteza da flor,

teve o sangue envenenado

das águas do amargor

merece ser perdoado

- porque foi imensa a dor -

se ficou dependurado

qual relógio que parou.



A quem passa pela estrada,

uma prece, por favor.

A coisa ali pendurada

não deve causar pavor.

Era uma ave encantada

que repente alçou vôo.


Antônio Adriano de Medeiros
2 Antologia Escritas-2004

*****

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

COM QUE ROSTO?


COM QUE ROSTO?



“Com que roupa eu vou

Pro samba que você me convidou?”



A velha apreensão sempre me ocorre.

por isso duvido de deus, Benevolência:

- Por que será que Ele nunca me socorre?

Onde a bondade da divina providência?



Olho pra rua lá em baixo e tenho medo.

Que novidades me reserva esse dia?

Já será pois tarde demais, ainda é cedo?

- Ai, Existência: o teu nome é agonia!



As vitaminas engulo num gole d'água.

Escovo os dentes, logo cuspo minha mágoa.

Daqui a pouco será preciso sair...



Torna-se pálido o meu rosto ora vermelho,

por não saber, já diante do espelho,

'inda que personalidade irei vestir.


Antônio Adriano de Medeiros

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sábado, 20 de fevereiro de 2010

Cabal


Euterpe ( musa da poesia lírica)



Ler é desvelar o que está oculto

lenta e saborosamente desnudando

os signos que revelam

a face do Nome no corpo do Poema.


Nossos sentidos são portas

e são vários os sentidos que o poema porta,

mas o que importa é um desenho

que se desvela: Dez em Um.


Aquele que sabe do Segredo

vê além das palavras

para que as letras desnudem o Poema.


É para ti que escrevo agora

– tu a quem também procuro,

sóbrio sábio solitário

que se embriaga

de palavras nos arcanos da Poesia –

para que – quem sabe um dia? –

quando finalmente nos encontrarmos

onde verdadeiramente nos encontramos,

aquela obra que tanto sonhamos

conseguiremos finalmente

acabá-la.


Antônio Adriano de Medeiros

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ODE À MALDIÇÃO




- em seis sonetos -

Para Eliane Stoducto e Maria Seixas


1. INTROITUS

Dentro do meu peito existe
errado, pois do seu lado direito,
cercado de ossos, triste,
um coração mais que imperfeito,

semelhante a um cemitério
onde reina a solidão.
O seu batuque é funéreo,
tic-tac podridão.

Ele vai marcando as horas
de uma vida amargurada,
pois a minha humana ossada

só teve tristes outroras:
rosas podres, amores falsos, persistente traição...
- Eis da vida de um verme a perfeita tradução!


2. NASCIMENTO

Fevereiro: é natural ser este mês mais propício?
- Tem festa de Carnaval, muitos palhaços no mundo...
Pois aí deu-se o natal do maldito vagabundo
que já chegou bem cercado pela orgia e o vício.

Foi na terça-feira, gorda, em terríveis contorções,
que uma mãe sertaneja quis parir sua desgraça:
entre dores terríveis e decerto alucinações,
pôs no mundo uma mácula, vergonha de sua raça!

Eu sempre fui caprichoso e escolhi para nascer
a inquieta meia-noite de foliões a gemer:
entregues à devassidão, eram também condenados,

cometiam na orgia os mais devassos pecados:
pois naquela meia-noite de meu maldito natal,
já chegara a Quarta-feira, não era mais Carnaval.


3. DA INFLUÊNCIA DO MEIO NA GÊNESE DE UM MALDITO

Sei que trago na genética, na alma, no coração
a natureza imunda dos seres mais desprezíveis.
Porém, conhecendo o homem, sei que a constituição
não é único determinante: há influência terríveis

de onde nasce e onde cresce, de onde vive cada ser.
Pois eu digo, sem medo e com sinceridade,
que sempre fui condenado nesta vida a conviver
com a pior das estirpes da tal mediocridade.

A turba mais obscura que o velho Deus brincalhão
podia jogar no mundo – Deve me pedir perdão! -
cerca-me de noite de de dia, a cobrar cumplicidade.

Eu tento ser educado, mas já tenho uma certa idade...
- Eu já não agüento mais!
Não creditem a maldição apenas a Satanás!


4. MALDIÇÃO, ÚNICA OPÇÃO

Pois bem, todo poeta tem um certo orgulho
e infeliz do poeta que adotar por opção
conviver cordialmente com o entulho
do que chamam de coisas do coração.

Eu desprezo os seres vis - analfabetos, doutores -
(pois a mediocridade antes de tudo é democrática)
e o faço assim mesmo, da forma mais antipática,
pois sou fiel a meus genes, a meu sangue, meus humores.

Eu detesto essa gentalha a se alimentar de moral!
Eu gosto mesmo é dos loucos e do que é anormal!
- Escuta, Zé Ninguém, agora meu desabafo:

Nada me causa mais asco que esse teu podre bafo;
e se me fosse dado escolher a morte ou ser teu amigo,
iria pro cadafalso, mas não ficava contigo!





BÔNUS MALDITO


5. DA MALDIÇÃO POÉTICA

Cansado da poesia que louva o amor,
eis que um dia tornei-me maldito:
não é preciso ser médico para saber que o tumor
também faz parte do homem, e nele nasce inscrito.

Eu quero ser odiado por minha poética,
pois que tal é mais poético que o seu oposto.
O meu Ulisses jamais retornará a Ítaca,
encantado com fetiçarias de péssimo gosto.

O que quero é muito, mas nem que tivesse tudo
poderia deixar de invejar os eternos soberanos
da verdadeira maldição... Ah, não me iludo,

eles são os toxicômanos e os suicidas:
Só eles desenganaram-se pra sempre com os humanos,
e encontraram outro sentido para dar às suas vidas.


6. SONETO DO POETA SUCIDA

Aos meus egrégios carcereiros e juízes,
não vou deixar simples bilhete ou mera carta:
decerto ficarão bem mais felizes
com um soneto que lhes deixe quando parta.

Pois vou esgrimir com arte a métrica rara,
extraindo matemática da gramática soberana,
pra falar de todo tédio que até hoje me causara
conviver com o hálito podre da sociedade humana.

Não parto feliz nem triste, resignado talvez.
Confesso já estar cansado dessa vida que levava:
a cada final de dia só a insônia me abraçava.

Como consolo, mortais, prometo a todos vocês
que ao lhes chegar a vez de abandonar o existir amargo,
meu esqueleto irá recebêlos - com seu sorriso mais largo!

Antônio Adriano de Medeiros
(idealizado em Caicó - RN, 16 a 19 de julho de 1997)

(*) as poetisas da dedicatória me ajudaram com seus palpites a aprimorar os sonetos do Bõnus, em 1999 e 2000.

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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Homenagem ao Poeta Aníbal Beça





QUASE PSICOGRAFADO

Um anjo aqui passou dos parecidos
com o grande arquiteto do universo:
deixou diversos templos construídos
na preciosa pedra do seu verso.

Artífices maiores da poesia
ergueram-se à passagem do tal anjo.
Tão satisfeitos eram àquele dia
que mais de um eu vi tocando banjo.

Beberam e fumaram na canoa,
e deu leseira - a coisa era da boa! -
em Pessoa e Drummond, até no Eça.

Não pude disfarçar a emoção
ao ver ali dileta assombração:
a caveira de Augusto ria a Beça.


Querido Adriano:
Movido pelo seu "Quase psicografado", imediatamente compus a resposta, aqui
mesmo no outlook. Doido pra pegar vc. on line.Mas vejo que a pressa foi,
quase, em vão.
Vc. que é pareceiro do Bel, me fez, com sua bruxaria, escrever Baal.
Realmento o Demo está certo: há muitos deuses falsos andando por aí...

Grande abraço

Era um cão muito esquisito
em vez de latir berrava
as pernas como gambitos
não mordia mas soprava.

Era um cão desentranhado
do fundo fogo vulcânico
vinha sempre acompanhado
por um vampiro satânico.

Fugindo da Parahyba
foi em Natal se alojar
fez amizade co'Aniba
àquele do Zé do Angá.

Eram vistos pelas praias
fumando estranho cigarro
diz-que pra afastar arraias
e muriçocos bizarros.

Um dia certos meganhas
atraídos pelo cheiro
pela fumaça castanha
se achegaram bem fronteiros.

Deram co'a cara no chão:
os dois apenas falavam
de um tar Rimbaud temporão
e seus versos declamavam

Anibal Beça.

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CANNABIS

Para Charles Baudelaire

Não é o perfume de tal flor
que mais aos sentidos inebria:
o seu fumo - confesso - tem mais valor,
e o demorado trago é que nos extasia.

Ébria comunhão de gestos proibidos.
Ritual incendiário de bárbaros pós-modernos.
Incenso que parece tornar corrompidos
espíritos juvenis pelo Senhor de Infernos!

Uma inequívoca verdade cristaliza-se no ar,
óbvia, límpida, fugidia.... logo se desintegrar.
- E depois, e depois, o que nos resta?

O que é legado a quem prova do que não presta?
- O grande Mestre dos falsos paraísos e das flores doentias
já falava da névoa que embaça os nossos tristes dias.


Antônio Adriano de Medeiros

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O PROFETA DO CÃO

Anibaal Beça



para Antonio Adriano Medeiros



Aqui na selva as águas reconhecem

Os querubins e arcanos pelo fumo.

Àquele, dá leseira aos que não tecem

Na fina palha do milho o seu rumo.



São anjos de primeira que aparecem

neófitos cavalos sem um prumo.

São às vezes pacientes e repetem

receitas neurológicas pro consumo



passadas por um médico, doutor,

conterrâneo de Augusto, meu poeta,

maldito pelos versos de estupor.



Psiquiatra conhecido como esteta,

no cânhamo se sabe sonhador:

Do Cão endiabrado é seu profeta

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Meu cordel puxa o cordão





Meu cordel puxa o cordão

Eu vou fazer um repente
Na forma mais consagrada
Que no Nordeste é cantada,
Cultura sempre presente,
Um cordel bem consciente
Como o feito no sertão.
A bênção, Frei Damião,
Que eu sou um homem de Fé.
Arreda o pé, Lucifé,
Que tu num cabe aqui, não!

Vou buscar inspiração
Nas coisas da natureza,
Dali extrair beleza
Pra despertar emoção,
Tocando o coração
Do meu leitor dedicado.
Esse verso improvisado
Que tô começando agora,
Quando romper a aurora
Queira deus tenha acabado.

Por isso, logo, ligeiro,
Digo que sou sertanejo,
Mas que saiu lá do Tejo
O meu sangue aventureiro.
Antes de ser brasileiro
O destino já sabia
Que pro Reino da Poesia
Eu era predestinado,
E meu choro já foi rimado,
No parto em Santa Luzia.

Casimiro de Abreu
Quando eu só tinha oito anos,
Adentrou pelos meus planos,
Com todo o meu ser mexeu;
Algo em mim ele acendeu
Já naquela tenra idade,
Sua sensibilidade
Tocou-me quando menino,
A ele devo o destino
De poetar de verdade.

Depois disso, Mestre Augusto
Falou dos anjos caídos,
Baudelaire cantou bandidos
E me pregou grande susto.
Também devo erguer um busto
Pra todos meus professores
Pois eles são os senhores
Do meu saber literário,
O meu gênio carbonário
Hoje lhes oferta flores.

Mas quando era um menino,
Disseram: "Vai ser doutor!..."
Não que eu não dê valor
A esse nobre destino,
Porém digo de inopino
Que ser poeta primeiro
Foi meu sonho verdadeiro.
Mas ser poeta é arriscado,
E fui desestimulado
Porque não dava dinheiro.

Reconheço, com agonia,
O dilema em que me acho:
Ai meu Deus e ora diacho,
Eu quero é fazer poesia!
Porém devo, todo dia,
Sair vestido de branco,
Atender o doido e o manco
E com responsabilidade.
Poesia quer liberdade,
Mas vou suportando o tranco.

Peço desculpas, doutores,
É bem nobre o nosso ofício,
Mas meu cérebro em estrupício
Quer que eu diga aos senhores
Que me sobram dissabores
Com tão nobre convivência.
Eu admiro a Ciência,
Mas meu destino é a Arte!
Compreendam meu aparte,
Tenham santa paciência!

Deixando as vísceras de lado
E pegando a minha pena,
Vou logo esboçando a cena
Pra desenhar com o teclado.
O verso é que é meu arado,
Nasci pra plantar cultura,
Poetar foi minha jura
E vou seguindo esse mote,
Sou cobra que dá o bote,
Veneno meu não tem cura!

Pra meu verso venenoso
Antídoto é desconhecido,
Mas quem por ele é atingido
O que sente mesmo é gozo,
Desfruta do valioso
Mundo do belo e da arte.
Não procure em outra parte
Pro meu verso salvação,
Pode haver imitação,
Mas igual, nem lá em Marte!

Já ouvi o Malazarte
E coco dancei na praia,
Gosto de um rabo-de-saia
E também li Jean-Paul Sartre.
Muito desfrutei da arte
Dos meus bons cabras da peste,
De tudo que há no Nordeste
Confesso que sei um pouco,
Inclusive o mestre louco,
O Zé Limeira inconteste.

A fogueira de São João
Pra mim é a festa mais bela,
Não existe igual a ela
No litoral ou sertão.
O leitor, meu caro irmão,
Conhecerá tal folia?
Vão lá em Santa Luzia,
Em junho, no vinte e três,
Que eu mostro a todos vocês
Por que sei fazer poesia!

Enquanto queima a fogueira,
A molecada endoidece,
Só se vê o sobe e desce
De fogos e bebedeira.
Se a mais bela beradeira
Me chama para dançar,
Eu conjugo o verbo amar
Num modo desconhecido,
E um repente esquecido
Pode se manifestar.

Também brinquei Carnaval
Na cidade de Olinda.
Dali eu me lembro ainda
De uma fulana de tal
Que tinha um olhar fatal
E um corpo cheio de encantos...
Não esqueço os Quatro Cantos,
Elefante e Pitombeira,
O Boi e a saideira...
Meus prazeres foram tantos!

A mulher é feiticeira
Por obra da natureza,
Porque possui a beleza
Na carne que é traiçoeira;
Do amor é guerrilheira
E sofre mesmo um bocado.
Um amigo meu, coitado,
Hoje vive constrangido,
Mas é melhor ser traído
Do que nunca ter amado.

A desgraça em qualquer diário,
Amigo, é a solidão;
Ser entregue à podridão
De envelhecer solitário
É ser pregado no calvário
Da amargura e do remorso.
Contra isso eu me esforço
Fazendo minha poesia,
Batalhando todo dia
Por um bom futuro eu torço.

E vou findar meu labor
Citando a Filosofia:
De que vale a poesia
Que rima amor com dor?
O verso pra ter valor,
Tem que falar de esperança,
De música, flor e criança,
Orquestrando a rima rara.
Leitora dileta e cara,
Me honras com a contradança?

Antônio Adriano de Medeiros.

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