sexta-feira, 15 de abril de 2011

alucinações psiquiátricas em seis sonetos


Devo o título dessa coletânea de sonetos sobre a Loucura e a Psiquiatria a um colega de profissão, desses "cientistas" neuropsiquiatras que não goistamn de poesia, e que, ao reecontrar-me um dia, sabedro que escrveia versos, perguntou: - "Como vãos suas alucionações?" O título, pois, é umna ironia, pois uma alucinação que dosse psiquiátrica seria, naturalmente, terapêutica.




ALUCINAÇÕES PSIQUIÁTRICAS - 6 sonetos


1. PSIQUIATRIA

Alguns psiquiatras sabem muito de doença,
mas não sabem nada sobre a humanidade.
É preciso saber que a loucura também pensa,
e que muitas vezes ela diz mais a verdade.

Quantas vezes, entre aqueles cujas macaquices
chegam mesmo a chocar normais passantes,
não se esconde um saber que destrói tolices
e nos faz ver além do que víamos antes?

É preciso discernir onde a imaginação luminosa
brilha como nunca de onde ocorre um incêndio:
uma escreve o Romance, a outra sai no Compêndio.

Mas ser psiquiatra é tarefa muito honrosa,
e eu até que os admiro, só por serem solidários
com a triste loucura e seus sonhos solitários.



2. EMBLEMÁTICO LOUCO

Lá vai ele, esquálido, torto,
aos trancos pela rua o pobre louco...
E o vil rebanho, como se achasse pouco,
insulta-o, apedreja-o, ri dele que, quase morto

talvez de vergonha, apressa o passo, vai
mais rápido, como a fugir desse mundo impiedoso
correndo sem saber para onde... mas então cai,
provocando na turba um gargalhar estrondoso.

Aos poucos, porém, vai-se erguendo o lunático
e segue, agora imune às críticas, pois emblemático
como ele só do destino de toda criatura

que sobre a terra faça bom uso da humana ossatura:
pois que homem de verdade já não caiu
e, qual Fênix, das próprias cinzas não ressurgiu?



3. PSIQUIATRIA II, CAMINHANDO

Com paráfrase de Geraldo Vandré

Bem armados, os soldados da química,
com seu sutil e efetivo arsenal,
tentam impor a simiesca mímica
de nosso belo quadro social.

Quem a adota como um ideal
é cortejado pela ciência cínica
do conservadorismo e da falsa moral,
os filhotes da Direita ciclotímica.

Como Augusto quebrando catedrais de sonhos,
hoje quero consertar o erro
e também quebrar meu dourado bezerro,

cria de antigos faraós medonhos.
- E se me vês trabalhar num hospício sem cores,
não venhas me dizer que não falei das dores.



4. PSIQUIATROGLODITA

"O sonho da razão produz monstros" - Goya

Mesmo que todo o seu ser já manifeste
inequívocos sinais de demência,
quando fala não há um só que proteste:
contra homens assim, é melhor ter prudência.

Saudoso dos bons tempos ancestrais
do sonho louco de transformar em robôs
o que julga serem apenas animais,
para ele não existe o depois.

Lá está agora enfurnado em sua clínica
a mimar seus brinquedos, a química
e o eletrochoque, alquimista a misturar seus metais.

Ele não sabe, nem liga pro que eu digo,
e a cada dia mais alimenta o inimigo.
- Mas não há Homem sem as coisas culturais.



5. RETRATO DA PSIQUIATRIA VETERINÁRIA

Numerar bem os bichos, cada prontuário
primando em descrever suas perturbações.
Discordar é delírio, e são alucinações
toda imagem da mente de um visionário.

O Doutor mais parece um veterinário;
o rebanho de gente, suas criações.
A caneta me lembra o ferro incendiário:
traz seqüelas ao corpo e às emoções.

Só pergunta o Doutor a respeito do gado,
e logo lhe responde prestativo vaqueiro
que ora traja branco e se chama enfermeiro.

Ao consultório o Doutor se retira apressado,
o seu carro veloz deixando o hospital.
Outro dia ele volta a seu grande curral.



6. A LOUCURA

- É que sou, antes de tudo, o triunfo do Caos:
venho mostrar, aos ilustres esqueletos,
que toda matéria acaba em meus sujos guetos,
com belos e feios, e ricos e pobres, os bons e os maus.

Pois tudo que existe é fugaz,
um barco a vagar no tempo infinito.
E por que seriam tuas lendas culturais
diferentes da cor e do cheiro e da lama e do granito?

Tudo se acaba um dia, e tua razão também
- essa luz tão radiante é mero fruto da Química. -
Sou o Verme que dissolve a substância do além.

E se te assustas comigo, pequeno mortal,
é porque mostro, com teu rosto e tua mímica,
como é ridículo o orgulho desse bípede animal.

Antônio Adriano de Medeiros

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A uma escola de Realengo


Sobre o triste, tristíssimo, tristérrimo fato, não há o que dizer, não tem explicação. Quem sabe o que é um delírio sabe que ele não é compreensível, ou não seria um delírio. A lógica (?) do delírio é pessoal e cheia de buracos.

Cabe-nos tentar evitar que outros tomem uma decisão semelhante.

A mim surpreendeu muito, e me estristeceu sobremaneira, o fato de ter ocorrido numa escola pública. O delírio é universal, a loucura é antes de tudo democrática, mas a ação tresloucada provocada por aquele tipo de delírio é mais comum em classes mais favorecidas, nos que acham que podem tudo e têm mais facilidade em adquirir armas. Seria também um fato político, pois as classes menos favorecidas do Brasil já têm delírios de americanos...

O soneto veio em minha ajuda. Eu compreendi enfim o que há de tão especial em um soneto. Não é que ele seja uma jóia, um diamante, a flor da poesia: em seus catorze versos, o soneto, belo e ingênuo a um só tempo, é na verdade a criança das formas poéticas. Devo essa imagem àquela escola de Realengo.

Tudo bem que alguns alunos queiram mudar de escola, ou assim o digam nesse momento de grande dor, mas acho que se deveria era tentar valorizar mais aquela ali. Pelo amor de Deus, tomara que não apareça um político queira fechá-la!

TODOS OS SONETOS LEVAM A REALENGO


"alô, alô, Realengo: aquele abraço!"
Gilberto Gil


Armas em punho, um delírio terrível
saiu matando crianças naquela manhã
para que a Poesia não mais fosse possível
e só restasse a Loucura - a sua irmã malsã!
Foram catorze as que no chão tombaram mortas
compondo a obra vil, antítese do Soneto?
- Ai, com linhas assim tão tristemente tortas
nem Deus vai conseguir escrever direito...
Mas se a Poesia cala o faz por um minuto,
porque não vai viver sempre em função do luto.
Catorze são os versos e os anos da infância
tão raros, tão felizes... Beleza em abundância!
- Ai, se aquela menina pudesse saber
que a cada soneto ela vai renascer...

Antônio Adriano de Medeiros
14 de abril de 2011