quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Nanin escreve uma "carta preciosa"


Aquelas tragédias pelas quais passou e ainda passa o bom povo japonês me chamaram a atenção, e ensaiei um poema censurando Posêidon e um terrível "deus comedor de átomos", expressão que vi num jornal. Mas não gostei do poema, achei-o prtensioso demais. Felizmente um menino que mora em mim, o espertíssimo Nanin, me socorreu, escrevendo uma Carta ao Senhor Deus. Gostei sobremaneira da recomenção final, que pelo som, pode ser lida como "Não Tókyo, Senhor!" absaam


UMA CARTA PRECIOSA

Nordestina, 17 de agosto de 2011


Senhor Deus - Meu Querido Papai do Céu!


Louvado para sempre o Teu Santo Nome!


Antes de mais nada cumpre implorar Teu perdão por ousar
dirigir-me ao Senhor através de uma carta,
e não de uma oração, como reza a tradição, meu Bom Pai.
Mas tenho meus motivos.

É que li recentemente um provérbio um tanto quanto jocoso
a Teu respeito, a saber: "Deus prefere os ateus!" A mulher
- sim, foi uma cabelereira de São Paulo (a cidade, claro) quem a disse -
justificou-a assim: "É que os ateus não pedem nada..."

Pois bem, eu que sou um menino de muita fé em Ti,
me dirijo desta feita ao Senhor não para pedir (quase) nada, antes
para adverti-lo do que julgo serem perigosas consequências
de atos Teus, ó Onisciente Pai.

E quando chamo de "preciosa" a esta missiva, Pai, já estou
reconhecendo que ela é ao mesmo tempo carta e prece.
Ao final verás a razão.

Acredito que a quase totalidade das pessoas que dirigem suas preces,
de pedido ou agradecimento, ou mesmo louvação ao Senhor,
são simples bajuladoras. Elas não Te fazem pensar sobre Teus atos,
Meu Bom Pai, e mesmo alguém infalível pode equivocar-se,
mormente se cercado de bajuladores.

Ora, aqueles que se julgam profundos conhecedores de Tua natureza,
Senhor Deus, constumam dizer que o Senhor é onisciente, onipresente,
onipotente, e infionitamente bom e justo. Desnecessário dizer que creio
do mais profundo de minha pequena alma nessas belas características
inalienáveis Tuas, ou não ousaria escrever esta preciosa cartinha.

Papai, o que me preocupa é como o Senhor, infinitamente bom e justo que é,
tem deixado acontecer umas coisas muito tristes com o bom povo do Japão.
Digo "tem deixado acontecer" porque não acredito que aqueles terremotos,
aqueles maremotos, e aqueles desastres nucleares, que tem sido recorrentes
contra o bom povo japonês, tenham sido obras tuas...

Papai do Céu, imagino a tristeza que Te tem acometido, onisciente que És,
vendo aquele povo, Teus iguais em natureza - sim, porque ninguém em sã
consciência pode negar que o povo japonês é bom e justo - sofrendo
aquelas provações... Não vou discutir se esse outro ou aquele povo
sobre a terra mereceria sofrer semelhantes provações, mas de uma coisa
tenho certeza: o povo japonês seria o último a merecê-las, Papai!

Assim sendo, para que em breve pessoas sem fé não venham pilheriar
sobre Tuas decantadas justiça e bondade, e zombarem de nós que temos fé
em Ti, venho rogar, agora sim, que o Senhor não faça sofrer ainda mais aquela
boa gente do Japão, e que o Senhor, onisciente que é, sabendo onde fica
o coração do Japão, não toque-o, Papai.

Oh, Senhor, por favor: não toque-o!

Não toque-o, jamais!

A bênçao, e muito obrigado!


Nanin
(através das modestas e pecadoras alma e mãos
de Antônio Adriano de Medeiros)






terça-feira, 16 de agosto de 2011

a Bela


Bom, vai aí um soneto dos que mais gosto, de 1996, escrito lá em Santa Luzia. Eu estava apaixonado, e a jovem não é que parecia retribuir à minha paixão? Sempre fui meio pessimista pressas coisas de amor, e a bela jovem foi, de meus amores idealizados, o segundo que pude ter nos braços, e aquele que mais durou. Mas com quase dois anos começou a dar sinais de esgotamento, e ela, que era tão bela (tanto adormecida como desperta, e também na transição, rá, rá!), ás vezes eu a fazia apodrecer, para ter motivo de não amá-la tanto.

Foi essa a inspiração para o soneto abaixo.

Por ouitro lado em 1996 eu já tinha 34 anos, e me conheço muito bem, e ao inconsciente humano e ao processo criativo, para saber que também já falava de mim próprio. Vale dizer, aquele jovem supostamente cosmopolita que um dia eu talvez tenha logrado ser alguns anos, já voltara a ser um simples rapaz do interior... Ou seja: a bela apodrecida também sou eu!

absaam

A BELA APODRECIDA

Toda a casa transpirava a podridão
cadavérica da moça morta há três dias...
Era mais bela assim, entregue à mais cega solidão
- as duas órbitas vazias!
Um batalhão de moscas entoava hinos
fúnebres, e ao fundo via-se uma cabeça de cabra.
Um casal de ratos se encontrara nos intestinos
e agora se entregava a uma orgia macabra.
- Ó doce e bela podridão, fonte perpétua de vidas,
sublime sopa com pão de tantas almas perdidas,
por que causas tanto espanto aos homens da polícia,
surpreendendo até mesmo os doutores da perícia?
- É que sobre uma poça encarnada de sangue menstrual
sete anões morcegos realizavam sua Ceia de Natal.

Antônio Adriano de Medeiros

terça-feira, 9 de agosto de 2011

A menina do brinquedo quebrado


Esse poema eu o senti há oito dias, quando fui na segunda-feira da semana passada tomar o café da manhã numa padaria no bairro de Petrópolis, em Natal. De repente me veio à mente a imagem de uma menina com um brinquedo quebrado nas mãos, e que a todos o mostrava, entre esperançosa e desconsolada, mas estranhamente orgulhosa de seu brinquedo quebrado. Era um sentimento tão nobre que pensei que não iria conseguir transcrevê-lo, e fiquei muito feli z ao vê-lo assim em versos tão simples.

Agora lembro de algo que me ocorreu uns dez dias antes, quando de plantão num hospital psiquiátrico público de Natal. Atendi a um casal, um mestre de obras e sua mullher, ambos na faixa dos vinte e poucos anos; o pedreiro estava tendo sucesso na profissão, era inclusive o responsável pelo pagamento dos demais funcionários. Como a empresa demorou a repassar-lhe o dinheiro, ele ficou sem dormir, e com idéias de que o estavam tentando prejudicar deliberadamente, irritadiço, ansioso. É que muita gente ia cobrar-lhe o dinheiro, e ele n]ao tinha como atender aps queixosos. Não sei como descrever o desespero daquela jovem mulher diante da poissibilidade de o marido estar enlouquecendo logo naquele momento em progredia na profissão... Temi pelo píor diante do quadro, isso era por volta da uma hora da tarde. Felizmente, após uma boa soneca provocada por sedativos potentes, o homem, lá pelas dezoito e trinta horas, estava bem disposto e equilibrado, próprio a enfrentar a vida, e pude atender ao pedido da mulher para liberá-lo de volta á sua cidade,. na periferia da Grande Natal.

Ah, como ninguém é obrigado a saber francês, traduzo os versos de Baudelaire no poema "Ao leitor", em epígrafe no meu: "Hipócrita leitor, meu igual (semelhante), meu irmão".

absaam



A MENINA DO BRINQUEDO QUEBRADO

"Hypocrite lecteur, mon semblable, mon frère!"

Eu vi a menina
que ia e que vinha
e em suas mãos tinha
um brinquedo quebrado.

E a todos mostrava
o seu sonho desfeito
- Ainda terá jeito
o brinquedo quebrado?

Há quem passe apressado,
há quem dê atenção;
há quem pegue na mão
o brinquedo quebrado.

Um se irrita, outro ri,
um tenta consolar;
outro quer consertar
o brinquedo quebrado.

Um estica, outro puxa,
há quem dê um aperto...
Mas não tem mais conserto
o brinquedo quebrado...

* * *

Tu conheces aquela menina
que senta na calçada
triste e desconsolada,
seu corpinho abraçado
a um briquedo quebrado?

Pois ela é nossa mãe,
vida, amante e amada;
nossa irmã que por nada
perde a estranha esperança
de voltarmos a ser
novamente a criança
que ela pôde ver
- manhã ensolarada!

O brinquedo sou eu
e és tu - Somos nós!
Desgraçado o que é
de si próprio o algoz;
e que se aos demais
diz sempre estar melhor,
a si mesmo não nega
que se torna pior.

Ainda que cansada
persiste no caminho.
Acha em seu coração
- poço estranho! - um carinho.
E o brinquedo quebrado
por seus dedos tocado
soluça qual um pinho.

Só por ela lembrado,
só por ela guardado,.
só por ela escutado...
O brinquedo quebrado.

Porque assim é aquela menina...

- Tu a conheces, leitor!


Antônio Adriano de Medeiros


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

as meninas


Rosa e Azul - Auguste Renoir

Confesso que essa minha preocupação de não deixar aqueles pobres meninos sozinhos mais uma vez foi provocada por um poema que não consegui escrever ainda, só tive o sentimento dele, não consegui ainda passar aquele sentimento para uma construção poética á altura do mesmo. Mas, como fazia tempo que os dois meninos dos dois últimos sonetos postados, o (inspirador) morto e o aborto estavam sozinhos aqui no blog. decidi buscar outras meninas para lhes fazer companhia. São poemas que escrevera tempos atrás. O primeiro é da safra nanin, o menino que escreve poemas de gente grande. Já o segundo... Bom, o soneto das confissões da filha única é um poema politicamente incorreto. Além de tratar do incesto de pai e filha, o soneto termina com uma frase que põe em xeque uma das mais fundamentais instituições da civilização humana, o aleitamento materno. Mais não devo dizer, até porque assim agindo deixaria aqueles infelizes meninos mais tempo sozinhos, e eles merecem as companhias. Afinal, como certamente diria Nanin, antes uma menina má do que nenhuma menina...

absaam

AS MENINAS

Elas são muito delicadas e choram
demais, mas a delicadeza delas é coisa
de pele, também. E são mais leves
e, quando a gente tem vontade
de brigar com uma menina,
se abraçar ela sente uma coisa muita estranha
e passa a vontade de brigar;
isso aconteceu comigo
no dia em que briguei com Zeca,
e Silvinha, irmã dele. veio defendê-lo
e eu a agarrei: senti a coisa estranha.

Não é bom que elas saibam disso
porque aí se aproveitam da gente, mas parece
que já sabem. Não sei quem contou:
eu nunca disse a ninguém!

Elas também gostam muito de dançar,
e quando é epoca de Quadrilha no colégio
eu também gosto e danço com todas,
embora tenha minhas preferidas,
e é melhor dançar com elas que com as outras.

Gente grande não pode dançar Quadrilha
porque é presa e sai na televisão.

Sim, as meninas têm um cheiro diferente
dos meninos, e os cabelos são maiores
e mais delicados e cheirosos também.
Acho as roupas delas mais bonitas,
mas nem precisavam se vestir tão bem
pra serem bonitas: nuas, também são.

Nanin.
(por Antônio Adriano de Medeiros)

CONFISSÕES DE UMA CURIOSA FILHA ÚNICA

Confesso que, desde a mais tenra idade
- essa é a lembrança mais remota minha -
sempre tive muita curiosidade
em saber o que era aquilo que papai tinha...
Um coisa macia que parecia tornar-se maior
sempre que ele, de pé, me abraçava,
e todas as vezes que em seu colo me sentava
e ficávamos trocando mil beijinhos de amor.
Certa noite em que mamãe tinha saído
e que estávamos só nós dois numa rede a balançar,
eis que ele então mostrou-me o brinquedo proibido
ensinando-me, com carinho, como o poderia usar.
- Ai, que aquele néctar que em minha boca escorreu
foi melhor que todo o leite que a minha mãe me deu!

Antônio Adriano de Medeiros
1991