quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

os conselhos de Satã

A tentação de Cristo - Botticelli


Acredito piamente que quem conseguir ler o cordel abaixo desprovido de preconceitos religiosos verá nele um grande poema. Porque a situação criada é plausível, os argumentos são muito bem elaborados, e, do ponto de vista materialista mesmo para uma pessoa do senso comum, o protagonista poderia estar com a razão. Além disso trata-se de um cordel em septilhas com a pegada da deixa, essa coisa de se começar uma estrofe sempre rimando primeiro verso com o último da estrofe precedente. E há ainda o fato de ser abordado aí uma das passagens mais conhecidas da literatura ocidental, a saber, a Tentação de Cristo, quando Jesus cumpre o rito de passagem de ser testado quanto à magia, ao orgulho e à fidelidade.

O homem que viu a criatura havia por três meses ingerido bebida de alto teor alcooólico, cachaça, diariamente até o coma alcoólico, e de repente para a ingesta; é natural pois que sofra a síndrome de abstinência com delírio, o chamado Delirium tremens, que é, apesar da duração de cerca de uma semana, uma das "formas de loucura" mais assustadoras que existem, para quem a vê: a pessoa sua intensamente, tem tremores notáveis e inclusive pode ter convulsões (casos mais crónicos), e acusa visões aterrorizantes, julgando que está sendo perseguida, ameaçada, e querem destruí-la fisicamente; as visões, que se movem e se expressam através da voz humana, variam de acordo com o nível cultural da pessoa, mas geralmente incluem bichos e seres monstruosos, sendo basntante comum a presença do Sr. Diabo. Tais bichos ou monstros ou seres mitológicos (um europeu que pude acompanhar era acossado por sátiros e centauros) podem ser diminutos ou gigantescos, e inclusive alternarem o tamanho; o Diabo mais comum é preto e tem os olhos vermelhos, e é meio pigmeu, pelo menos onde pude conhecê-lo, isto é, saber de sua aparência, na Grande Natal e cidades da redondeza num raio de mais ou menos 100Km.

Mr. Devil quando se apresenta no cordel é um monstro pequenino mas logo se agiganta e, por estar em um poema, em seguida adota a forma de um homem normal, para poder ser mais convincente. Lamentando ter falhado em sua intenção de livrar Jesus da cruz, relembra alguns fatos narrados no Evangelho de Mateus, mas dando a eles uma interpretação idiossincrática, que poderia ser a do sneso comum: alguém que conhecendo sua sina prefere morrer, e fica mesmo vários dias sem comer nem beber nem fazer sexo, certamente estaria com sintomas inequívocos de uma síndrome depressiva; igualmente se alguém chega pra você emagrecido, sujo, e se dizendo rei ou Filho Dileto de Deus, seria de se esperar que você julgasse que ele estava delirando... Embora não fosse, evidentemente, o caso ali, mas o Sr. Diabo teria que argumentar de quê forma? Imaginemos então um filho normal que julga que ser morto da forma mais cruel é desejo de seu pai: não seria delírio grave aos olhos de hoje?

Vale salientar ainda que todos os argumentos de Satã, se dizendo bem intencionado, apresentando argumentos racionais mas que do ponto de vista cristão são blasfêmias sérias, e principalmente no final se dizendo triste por ter "falhado" e que até chorara diante da Morte de Jesus contribuem para reforçar ainda mais a imagem de Mentiroso e Fingidor do Velho Diabo, dando assim mais veracidade ao poema.

Há ainda um bônus curtinho, que ninguém se dedica impunemente a conselhos de tal naipe. É sobre o que somos.

absaam


OS CONSELHOS DE SATÃ


"Então foi conduzido Jesus pelo Espírito
ao deserto, para ser tentado pelo diabo" (Mt, IV, 1)



Não são para ti leitor
- eu digo originalmente -
os conselhos que Satã
oferta neste repente:
foi um certo Galileu
quem do Diabo recebeu
tais conselhos de presente.

Porém são de toda a gente
e também para ti são,
já que são versos do vento
que vagam pelo sertão
qual aboio de vaqueiro,
versos de cão Conselheiro,
estes conselhos do Cão.

Sou um homem da Razão,
não creio em feitiçaria,
mas vou contar ao leitor
uma história de magia
que se passou com Tonhão
certa noite, no sertão.
Foi lá em Santa Luzia.

Pois Tonhão, naquele dia,
decidira interromper
os dois meses de cachaça
que vinha sempre a beber
até que adormecia;
era assim que conseguia
sua tristeza esquecer.

De noite deu pra tremer
de frio, pavor, loucura...
Viu coisas de lodo e vício
e flores da sepultura.
Mas então ouve um pipôco,
pensa ter ficado louco...
- Então surge a Criatura!

Era pequena a figura,
mas logo deu pra crescer.
Virou um homem normal,
o convidou a beber.
E falou assim pra Tonho:
- "Eu sou o Cão, o Medonho.
Prazer em te conhecer!"

E fez Tonho adormecer
com uma estranha canção,
de ladainha e lamento,
de saudade e perdição...
Viu-se o Cão, amargurado,
lamentando ter falhado
na "chance da Tentação."

- "Tenho Jesus como irmão,
pois qual Anjo fui gerado
pela vontade do Pai;
só depois fui Enjeitado...
E foi qual Anjo de Luz
que fui procurar Jesus,
e lamento ter falhado...

Eu disse ao Condenado
para não se iludir
com a humana criatura
que o iria trair...
Mas ele, cabeça dura,
respondeu com amargura:
-‘Eu sei onde quero ir!' -

Bem que tentei impedir:
dei conselhos, fiz sermão...
Quis livrar do mau caminho,
lhe abri meu coração
e disse: - 'Não vale a pena
por gentalha tão pequena
se sacrificar, irmão!'

Falei da vera paixão,
de sexo, prazer e glória;
dinheiro e corrupção,
da guerra - Mãe da História!
Contei de Roma e Egito,
e do poder infinito
que nos concede a vitória.

Que sua luta era inglória,
seu sacrifício era em vão;
que a tal da raça humana
não merece a Salvação;
que do que valia a pena
uma certa Madalena
sabia qualquer lição...

Foi quando a Depressão
deu seus primeiros sinais...
Eu vi o Irmão chorar
e não querer comer mais...
Era tão profunda a mágoa
que nem mais quis tomar água
em seus delírios banais...

Mas insisti: Satanás
é sempre bom conselheiro
quando identifica alguém
com jeito pra feiticeiro;
e Jesus tinha talento:
com o meu conhecimento
dominava o mundo inteiro...

Não só pra catimbozeiro:
levava jeito também
pra ser um grande estadista
ou outro homem de bem;
advogado famoso,
um médico... mas, orgulhoso,
só pensava no além...

Eu muito tentei: ninguém
pode dizer - 'Satã trai
quando vê que um dileto
perto do abismo vai...'
Pois eu gritei pro Irmão:
- 'O que queres, fanfarrão?
Tomar o lugar do Pai?

Pois Ele dali não sai!
Mesmo que chegasses lá
te unirias a Ele
para poder governar;
porque Deus é A Direita:
Ele sempre se ajeita,
fica no mesmo lugar...'

Sei que tive com Jeová
desavenças no passado...
Isso foi há muito tempo:
quero ser Seu aliado!
Gosto muito do Inferno...
Além disso sou eterno,
E nem fui crucificado!

Vi Jesus alucinado
dizendo coisas sem nexo;
quase morrendo de fome,
de sede e sem fazer sexo.
Querendo igualar-se ao Pai,
empurrou-me e gritou - 'Sai!',
quando quis dar-lhe um amplexo...

Num discurso desconexo
falava em 'Boca de Deus',
depois chamou os humanos
de 'queridos filhos' seus...
Magro, sujo, desnutrido,
se dizia o escolhido
pra ser o rei dos judeus...

Eu disse: 'Jesus, os teus
outros sonhos eu respeito,
mas esta história de rei
me deixa insatisfeito...
Cuidado com os romanos:
os veros reis são tiranos,
podem te pegar de jeito...'

Mas se dizendo o eleito
para salvar os humanos
ele não me dava ouvidos
em seus desejos insanos:
tudo já estava escrito;
ia só cumprir o rito
de desígnios soberanos.

Eu conheço pais tiranos
- tenho muitos nos Infernos -
porém nunca entenderei,
pelos tempos sempiternos,
como alguém bote botar
o filho crucificar
entre os desejos paternos...

E por motivos fraternos,
de Jesus apiedado,
levei-o a lugares altos
e lhe mostrei meu reinado:
que tudo seria seu,
caso se tornasse meu
- bastava vir pro meu lado!

Mas ele, alucinado,
deu de me tratar tão mal...
Me chamou de mentiroso,
de falso, vil, imoral...
Nada mais pude fazer
a não ser me recolher
triste ao reino infernal.

Quando penso no final,
em seu sofrimento, tanto...
Sempre sinto alguma culpa,
às vezes caio em pranto...
Pra meu sofrer minorar
eu resolvi confessar
o que contei neste canto..."

E então, qual por encanto,
foi-se embora Satanás,
porém sua razão Tonho
não recuperou jamais.
Não julga que teve um sonho;
Sentiu pena do Medonho
e quer vê-lo uma vez mais!

Mas sendo Tonho um rapaz
cristão e semiletrado
como pôde colocar
na boca do Degredado
tão terríveis argumentos?
Tão blasfemos pensamentos
de onde os terá tirado?

Eu ando preocupado
com o caso de Tonhão,
pois era muito complexa
a sua alucinação:
delírio tão trabalhado
pode ter sido inspirado
na verdade pelo Cão?

Sou um homem da Razão,
porém não sou radical.
Toda humana criação
me parece natural.
Creio no poder do Bem,
mas deve existir também
terríveis Forças do Mal.

Estou chegando ao final
desta história de pavor,
porém devo confessar
- em respeito ao leitor -
que além de cachaceiro
Tonhão é bom violeiro
e exímio cantador.

E assim o meu labor
termina tal qual queria:
sem truques, sem pilantragem,
sem mentira nem magia.
Pois com poeta acontece
de, mesmo quando enlouquece,
estar fazendo poesia.

Antônio Adriano de Medeiros


(bônus)


SOBRAS DA ORGIA

Ali no Éden,
quando o Criador
soprou o pó
e criou Adão,
já tinha aspirado muito?

Antônio Adriano de Medeiros

de doidice, matutice e Zé Limeira


Essa semana, com muita responsabilidade, dedicação e seriedade, até amanhã atualizarei este modesto blog diariamente. Aí vou dar uma pequena viajada ali pro meu sertão, e quando voltar já vão se acabar as férias, e volta o pinga-pinga nas postagens. Vai-me dizer que não sabe o que é pinga-pinga? É o seguinte: quando você pega um ônibus em Patos pra vir pra João Pessoa, pode ser expresso ou pinga-pinga; se for um expresso, ele vem direto, só para nas estações rodoviárias das cidades do caminho; se for pinga-pinga, ih, aí demora muito, o ônibus vai parando na estrada pra pegar passageiros o tempo todo.

Hoje vai um improviso novinho, alimeirado. Zé Limeira, poeta do absurdo, foi revelado ao mundo por Orlando Tejo, poeta, nascido em Campina Grande, mora no Recife; o único compromisso de Zé Limeira era com a rima, mas parece que quase propositalmente ele procurava umas rimas meio provocativas, ainda que parecessem sem sentido. Entre meu improviso alimeirado e a septilha de Zé Limeira incluí um dos Doidos de Mim, espécie de poema aproseado onde alguém se apresenta e fala de suas qualidades, ou defeitos, ou taras, coisas de doidos, características de lunáticos. Nesse caso, é um doido amatutado conversando com outro falando de algo meio pessoal, um estranho amor que acontece nas brenhas interioranas do vasto mundo brasileiro.

absaam



VERSOS IN PRÉ-VISIVES


Zé gato pagou o pato,
comprou um prato
e um preá;
três quilo de carangueijo,
tascou um beijo
na beira-mar;
adispois saiu correno,
Jaci benzeno,
medo de amar.

Marina indéra menina
foi na esquina
doida pra dar;
vil tromba de elefante
muito elegante
já quis pegar;
levou coice de cavalo
inté o talo
quis vomitar.

Um cão tocano viola
muito gabola
espia pra tu;
correu com medo da rima?
passo por cima,
chupa caju;
eu carestia da rosa
pra venenosa
surucucu.

Antônio Adriano de Medeiros


UM MATUTO BESTIAL

- Mas Zé, vou lhe contar,
tem uma jumentinha nova
no sítio de Doutor Carneiro
que é uma maravilha:
já nos entendemos: namoramos, posso dizer.

Nem bem chego lá
ela já vai me dando as costas;
moreninha, meio preta, sabe?,
sempre me dei melhor
com as pessoas humildes que nem eu;
se for lá, não me diga, posso ter ciúmes.

Diante das moças, mesmo as lá do sítio,
sinto vergonha,
e quanto às da cidade, benza Deus!,
eu tremo todo quando eles vêm falar comigo...

A voz de Patricinha, a neta da viúva Bezerra,
é suficiente pra me deixar o bicho de pé, rasga braguilha.
No dia que a filha de Doutor Cavallo foi tomar banho
com seu namorado lá no açude, vige Maria,
eu passei uns dias homenageando ela em pensamento,
sabe? Uma semana inteirinha sem sair de casa!

Mas me dou bem mesmo é com bicho bruto,
éguas, jumentas, cabritas, bezerrinhas...

Já com gatas e galinhas, não: acho maldade!

Antônio Adriano de Medeiros
Doidos de Mim



UMA SEPTILHA DE ZÉ LIMEIRA

Casemo no ano de 15,
na seca de 23.
A moça era donzela,
viúva de 7 mês.
Mas num me alembro que tenha
um dia ficado prenha,
estado de gravidez.

Zé Limeira
Poeta do Absurdo

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

da redenção do cão



Coisa que sempre me chamou a atenção foi o fato de, em nossa Língua, designarmos com o mesmo termo, cão, tanto o maior amigo como o maior inimigo do homem. Resolvi pois investigar, e com algumas consultas à Bíblia (www.bibliaonline.com.br), a um saite de etimologia (www.origemdapalavra.com.br) e à wikipedia (www.pt.wikipedia.org), pude esclarecer o assunto. São dois termos de origens diferentes que em português ganharam a mesma grafia e som. Cão, como sinônimo de Diabo, vem do hebraico, Cam, e segundo leitura sobre etimologia, "os hebreus consideravam os cananeus seres desprezíveis". Li porém, acho que na wikipedia, que foi Cam que deu origem aos cananeus, primeiros habitantes de Canaã. Mas o que mais me chamou a atenção foi o fato de, tendo Cam avistado seu pai Noé bêbado e nu, ao invés de cobri-lo com um lençol e protegê-lo, correu a, com zombarias, contar a seus irmãos, tendo por isso Cam e sua descendência recebido a maldição do pai - coisa bem parecida com o que aconteceu com Lúcifer. Já cão para referir-se a cachorro tem sua origem, segundo a fonte etimológica citada, no termo indo-europeu Kwon, que se referia ao cachorro mesmo.

O generoso João Batista de Alencastro, médico, poeta, escritor, crítico de cinema, homem culto e viajado, um dos membros da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores (Sobrames nacional), tem ainda o mérito de amar e conhecer bem o nosso fiel amigo, inclusive escrevendo amiúde sobre sua cadela Úrsula, a qual chega mesmo a expressar ideias verbalmente, às vezes, e generoso que tem sido com este modesto vate, decerto não se incomodará de ter seu nome na dedicatória do cordel, o qual tem pelo menos o mérito de não ser dos longos e cansativos. Já não era sem tempo, amigo! Com certeza quando Úrsula souber da Redenção vai transmitir tal fato a outros cães, e, através do boca a boca, isto é, do late late, os cães daqui aos poucos vão deixando de ser desconfiados e tristes.

absaam




A REDENÇÃO DO CÃO

"E viu Cão, o pai de Canaã, a nudez do seu pai, e fê-lo saber a ambos seus irmãos no lado de fora." (Gênesis, 9:22)


Para João Batista de Alencastro


Toda vez que chego em casa
sou muito bem recebido
pela mulher e os filhos
e pelo cão tão querido;
mas de uns dias pra cá
percebi, dei de notar,
o bom cão entristecido.

Que teria acontecido?
O que houve de anormal?
Come bem, se exercita,
tem passeio matinal...
Tem sua casa, espaço...
Recebe carinho, abraço,
tem convívio social...

Algo de especial
notei nas próximas manhãs
quando o cão se reunia
com almas suas irmãs:
pareceu-me, sem enganos,
desconfiar dos humanos
quando estava com outros cães.

De influências malsãs
não há perigo... Até ri:
Todos os seus companheiros
são cães de bom pedigri.
Então dei de me esconder...
- Leitor, vocé não vai crer
naquilo que descobri!

Pelo que vi e ouvi
com experiência e atenção,
sem qualquer sombra de dúvida,
eu cheguei á conclusão
que eles ficam zangados
toda vez que são chamados
também pelo nome "Cão".

E não lhes tiro a razão:
quem sempre nos foi fiel
não deve ser comparado
a um mentiroso cruel...
Pois sabe qualquer marmanjo:
em sendo um cão nosso anjo
não era expulso do Céu!

E frente ao nobre papel
do bom cão, não é direito
que se julgue comparado
a um vilíssimo sujeito
- Arquétipo da Traição,
o Mestre da Ilusão,
espelho mais que imperfeito!

E eu, que sou um sujeito
que sempre busca a verdade,
procurei me informar
de tal erro, da maldade
de tratar com um só nome
fiel amigo do homem
e o Rei da Falsidade

Digo com sinceridade
que há uma confusão:
Cam - um filho de Noé -
deu origem ao nome Cão:
pai bêb'do e nu avistando,
saiu zombando e contando
- recebeu a Maldição!

Já o mesmo nome "cão"
que veio do termo "Kwon"
de origem indo-européia,
designa o cão que é bom.
Um termo vem do hebreu,
o outro é indo-europeu
com a mesma grafia e som.

Mas o bom cão, tendo o dom
de espelhar os mestres seus,
queira receber agora
raros cumprimentos meus:
se de Deus o homem é filho,
tu podes, sem empecilho,
te dizer Neto de Deus!

A Jesus, Jeová e Zeus,
peço a nobre proteção,
extensivas a um amigo,
o generoso João,
a Úrsula tão dedicado
- que receba com agrado
este cordel do bom cão!

Antônio Adriano de Medieros
João Pessoa, 25 de janeiro de 2012.

o berro do cordeirinho




OVELHA NEGRA

Muito sinto,
caro pastor,
mas ao casto cinto
domesticador
prefiro o absinto
que liberta da dor.

Fujo à regra
e ao curral:
na ovelha negra
há sempre o Mal?

Antônio Adriano de Medeiros

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

aula


UMA AULA PARA MIM MESMO

Não sinto no momento dentro em mim
sequer o esboço de um poema torto.
Preciso desaprender a ser assim...
- Decerto que ainda não estarei morto!
Para quem sabe ler é sempre um novo dia
um poema a mais escrito pelo Sol.
Preciso ir procurar a fonte da poesia,
que só aguardar chuva não é de bom escol.
Pra se livrar do ócio, mudo e passivo vício,
há que se persistir no velho exercício.
Cinto muito apertado me lembra castidade:
eu quero uma oração com sexo e qualidade
que possa libertar o homem dessa jaula
e mostrar no aluno um mestre dando aula.

Antônio Adriano de Medeiros

domingo, 22 de janeiro de 2012

a morte de Cleópatra VII


A MORTE DE CLEÓPATRA VII

Herdeira de aristocrática estirpe grega,
a Rainha foi nobre mesmo ao ceifar a vida.
Quando matou-se, não se atirou, cega,
com a irresponsabilidade de qualquer suicida,
na fria e negra estrada de retorno ao pó.
O seu gesto foi nobre, não algo tresloucado.
Ciosa de ser deusa, jamais seria gado.
E um César é tão pequeno perto de um faraó
que ela embalou dois deles entre braços e pernas:
- Perante Ti, Esfinge, que cidade é eterna?
E é em sono profundo que no abismo cai
o orgulho de seu povo, a Glória de seu Pai.
Tendo ao lado um César, e uma aia por perto,
a Esfinge volta a ser areia do deserto.

Antônio Adriano de Medeiros

sábado, 21 de janeiro de 2012

um pouco de beleza trágica


O soneto abaixo talvez preferisse não ter sido escrito, ou eu, melhor dizendo, com certeza preferiria não tê-lo escrito, visto ter sido inspirado numa tragédia não só pessoal, mas familiar. Não citarei aqui nomes, poupando inclusive a bela e infeliz jovem que esteve no centro da trágica trama, ocorrida na cidade de São Paulo, anos atrás.

Modifiquei pois um pouco o nome da protagonista, para permitir também um trocadilho com A Bela Aparecida, A Bela Apodrecida (outro soneto de minha modesta verve) e A Bela Adormecida (parricida é a pessoa que mata o pai, ou os pais, ou que contribui fatal e definitivamente para a morte do pai ou dos pais), pois foi através do trágico ocorrido que a Bela apareceu na mídia. Notar a ironia no segundo verso, pois uma jovem bela e rica e loura tem muitos ingredientes para se julgar imortal, e portanto indestrutível (daí para inimputável é só um passo), mormente se descendente de uma estirpe alemã tradicional.

Vai não só como poema maldito, mas também como lamentação pelo infeliz destino de uma flor bela e trágica, ou uma aranhazinha ultravenenenosa, uma espécie de viúva negra terrível, ainda que - nunca é demais dizê-lo - muito bela.

E que poeta há de resistir à Beleza?

absaam


A BELA PARRICIDA

Meu nome é Suzane Aparecida.
Sou bela e rica e loura - imortal!
Aos olhos da plebe, uma perdida
que merece a pena capital.
O homem que mais amei na vida
plantou em meu jardim a flor do mal.
Duas barras de ferro, uma batida,
o sangue espirrando no jornal.
Ai, nunca mais ir de preto para a aula!
Jamais os cabelos esvoaçantes:
até este poema é uma jaula,
soneto de versos aprisionantes.
Sonho e pesadelo andavam juntos:
no presente de amor, os pais defuntos.

Antônio Adriano de Medeiros
Doidos de Mim

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

cordel - "Nem tudo que é sólido se desmancha no ar"


Coloquei entre aspas o título da postagem por ser esse o lema da Orquestra Flatormônica de Caritó pois, segundo o "pós-moderníssimo com cérebro" (sic) prefeito Pedro Bó, "Partindo do pressuposto de Lavoisier, na Natureza nada engancha, nada se desmancha, tudo se transforma". Por isso que eu gosto do sertão: só um cabra macho que nem Bó pra acabar de uma vez com essas frescuragens sem substância de europeus metidos a besta!

Ôxente!

E pra que ninguém fique pensando que eu invento estórias sem qualquer fundo de verdade, ponho ainda um endereço da Net onde se pode ouvir um trechinho saboroso da Orquestra Flatormônica de Caritó executando uma peça flatormônica: http://www.osvigaristas.com.br/animacoes/interativas/tipos-de-peidos-41.html.

absaam


A ORQUESTRA FLATORMÔNICA DE CARITÓ

Ai no sertão uma terra
por nome de Caritó,
terra de mulher direita,
cabra macho de dar dó,
onde fiquei satisfeito
quando vi ter sido eleito
o prefeito Pedro Bó.

Mode não governar só
mas com a populaçâo
fazia toda semana
a grande reunião
com gente de cada rua,
tanto fosse gente sua
como da oposição.

É claro que Pedro não
deixou a zona rural
sem ter seus representantes
no forum municipal:
Chica do Cuscuz Molhado,
Arengueira do Talhado,
Fatão do Arranca Pau.

Vereador do Curral,
Nico da Cobra Ligeira,
Gonzaga do Principal,
Maria da Trepadeira;
o Negão do Pau Graúdo,
Rita do Engole Tudo,
Menina da Cuspideira.

Ninguém falava besteira,
somente coisa importante:
se pedia operação
e carro pra estudante;
ambulância pra doente
e muita chapa de dente
- o pedido mais constante.

Pedro Bó, muito elegante,
nunca negava pedido,
mas também em seus projetos
queria ser atendido:
de cima do tamborete
alevantava o cacete
e era muito aplaudido.

O povo foi convencido
a cultivar no quintal
produtos hortigranjeiros;
apoio municipal
Pedro garantiu que tinha:
pra criação de galinha,
pra fazer horta e curral.

Pedro Bó não se deu mal
em seu empreendimento,
pois taxou a produção
em vinte e cinco por cento:
o povo tinha fartura,
e a sua prefeitura
dobrou o faturamento.

Há grande contentamento
entre a população:
Caritó enriqueceu,
ganhou fama no sertão.
Não há fome na cidade,
e mesmo a obesidade
já é preocupação.

Quem só comia feijão
com rapadura e farinha
passou a comer saladas,
arroz, carne de galinha...
Foi um milagre bonito:
onde só tinha cambito
hoje tem coxa e bundinha.

E quando é à tardinha
só se vê gente a malhar:
uma modelando o corpo,
outro a barriga a baixar.
Ninguém mais fala de corno
porque chifre é um adorno
que rico aprende a usar.

Pedro Bó manda alistar
quem passa necessidade:
os pobres, os desvalidos
que vivem da caridade;
mas não se acha ninguém
porque todos vivem bem
naquela feliz cidade.

E por unanimidade
Pedro Bó foi reeleito
para por mais quatro anos
de Caritó ser prefeito;
mas no segundo mandato
o sertão, que é ingrato,
quis complicar o sujeito.

Uns dizem que foi despeito
duma cidade vizinha;
outros dizem que foi praga
de uma tal de Candinha
com raiva de Pedro Bó;
mas infestou Caritó
o piolho de galinha.

Ainda bem que se tinha
os ovos pra se comer
porque carne de galinha
viu-se desaparecer;
quem fosse atrás de penosa
pegava a peste horrorosa,
se coçava pra valer.

Chegou-se até a morrer
com a Peste da Coceira.
E, como se não bastasse,
deu na terra uma canseira
no tempo do tal piolho
que só nascia repolho
pela cidade inteira.

- Leitor, não faça a besteira
de tal dieta imitar:
comer ovos com repolho
café, almoço e jantar...
Pode ser você quem for,
porém perto do senhor
ninguém vai querer ficar!

Eu vi gente desmaiar,
cair no meio da rua;
vi senhora de respeito
correndo de casa nua;
vi muita gente raivosa
contra a tal onda gasosa
que durou mais de uma lua.

Quando até cachorro acua
latindo desesperado...
Quando caminhões de flores
não trazem mais resuiltado....
Quando explodem bombas químicas
de tão sonorosas cínicas...
Pedro Bó tá desgraçado?

O povo desesperado
na quinta reunião.
Uma nuvem azulada
subindo da multidão...
Pedro Bó pega o cacete,
assobe no tamborete
e diz: - "Tenho a solução!"

- "A Capital da Nação
tem sua orquestra sinfônica;
muitas de nossas vizinhas
têm orquestra filarmônica;
Caritó, especial,
vai ser mais original
com orquestra flatormônica!"

Eis que sua filha Mônica
dá um peido em Dó maior;
depois três peidos em Si,
em seguida em Ré menor.
Alguém grita: - "Eita, Diabo!
O sertão tem muito rabo,
mas este é o melhor!"

Eis que o cidadão-mor,
o nosso ilustre prefeito,
não gostou de ver a filha
ser tratada de tal jeito.
Num raivoso cacoete
alevanta seu cacete
e diz: - "Exijo respeito!"

- "Não vou atrás do sujeito
que soltou essa piada
para não deixar a rua
da cidade ensangüentada...
Porém saiba, Caritó:
deu muito trabalho em Dó
deixar tal bunda afinada!

Pois ela foi programada
na afinação em Si.
O namorado tentou,
mas sem nada conseguir:
só quando eu entrei sem dó
foi que este fiofó
veio de Ré, Dó e Mi."

Viu-se o povo aplaudir:
- "Bunda afinada é um luxo!
O nosso ilustre prefeito
é mago, sábio, é um bruxo!"
Então Pedro Bó mandou,
e a multidão separou
primeiramente o gorducho:

- "Quem tiver grande seu bucho
que fique lá sob a trave,
pois sei que todo gorducho
tende a peidar em grave:
o excesso de ácido graxo
torna necessário, acho,
que o gordo à bunda lave!

A baixotes dou a chave:
fiquem debaixo do prédio!
Bem sei que todo baixinho
costuma peidar em médio.
E, às exceções devidas,
depois que forem ouvidas
a gente acha remédio.

E pra acabar o tédio
de quem for magro e alto,
'cês podem ficar tranqüilos,
não precisa sobressalto:
segundo profundo estudo
vocês peidam em agudo;
podem ficar no asfalto!"

Com rouca voz de contralto
assim se expressou Mônica:
- "Durante a afinação
gritei de ficar afônica,
mas papai foi competente
e depois fiquei contente
pela Banda Flatormônica!

A bunda, pra ser harmônica,
carece de afinação.
O marido incompetente,
ciumento, ou o machão
cioso de seu brioco,
ligue pra mim que em pouco
levarei um maranhão.

Papai à disposição
mandou dizer que está,
como também Chico Tromba
e Negão do Paraná.
Pode ser homem ou mulher,
pois o importante é
à nossa banda afinar!"

Deram para ensaiar
nessa mesma ocasião,
e o que era problema
se tornou a solução.
Um afinador devido,
ao ar bem comprimido
dá ritmo e entonação.

Hoje a maior atração
de Caritó é a banda
sob a batuta certeira
do grande maestro Danda.
Primeiro a banda de flatos
foi pra Campina e pra Patos;
hoje pelo mundo anda!

Pois o dinheiro é quem manda:
ele é quem faz e desfaz!
Das velhas dificuldades
ninguém quase lembra mais.
Foi-se a Peste do Piolho,
porém com ovo e repolho
dieta a tal banda faz.

Na Festa de São Tomás
foi com orgulho que vi
Luizão peidar de tuba,
e de tarol Genessy.
Maurilta peidar raivosa,
Fatão peidar poderosa,
peidar pulando o Saci.

Vou parando por aqui
que o tempo nunca sobra:
se a gente se distrai
a Velha da Foice cobra.
- Leitor, de mim tenha dó:
será que, tal Pedro Bó,
eu fiz uma grande obra?


Antônio Adriano de Medeiros

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

o julgamento de uma alma em seis sonetos




Irmãos caríssimos,

creio ser uma das preocupações fundamentais da criatura humana o singular julgamento que - dizem, e eu creio nisso cegamente - todos nós passaremos após a separação de corpo e alma, quando "o melhor momento", ou seja, a Morte chegar. Aqueles que, como esta pobre alma pecadora, trataram com o Diabo, ainda que em escritos apenas - o que talvez possa ser considerado um atenuante - temem sobremaneira o Juízo Preliminar (sim, porque haverá ainda o Juízo Final, quando as decisões poderão ser revistas).

De tanto temer o Julgamento de minh'alma, cheguei mesmo a imaginá-lo como segue. Pus, como epígrafe incriminadora (espero que o Grande Juiz veja também essa confissão musical como atenuante) o título de uma música que gosto muito, e que poderia ser traduzida livremente no sentido mais ou menos assim: "Cara, você não é nenhum anjinho...", eternizada na voz de Edit Piaf (!).

Que o Bom Pai também aceite o fato de serem os sonetos em numero de seis, um reconhecimento de minha imperfeição émaior ainda (coisa a ser entendida no final do Soneto V).

absaam




O JULGAMENTO DE UMA ALMA EM SEIS SONETOS


"Johnny, tu n'est pas un ange..."



I

Em funerária amiga - estava no sertão -
depois de uma grande bebedeira,
deitei por brincadeira dentro de um caixão...
Mas como adormeci, fiquei a noite inteira.

Logo o Diabo chegou para a acusação;
e a Compadecida veio pra defesa.
O sério Pai, que a tudo prestava atenção,
um martelo dourado tinha sobre a mesa.

A boa Madalena, Francisco e Antônio
- que são os santos por quem tenho devoção -
davam bom testemunho sobre meu coração.

Mas eis que adentraram servos do Demônio
com um pacto que diziam que fizera em vida,
o qual trazia até firma reconhecida...



II

Nessa hora, assustado, eis que despertei
julgando que decerto havia sonhado.
Mas logo percebi: ali bem do meu lado,
permanecia toda a imponente grei.

Deus olhou para mim com cara de zangado,
e o Tinhoso deu gargalhada sonora.
Tentando contornar, disse Nossa Senhora:
- "O bom menino estava só embriagado..."

- "No prontuário desta alma enfermiça
registre-se que zombou da eterna Justiça!"
- Um bom advogado é sempre o falso Cão!

Maria e os meus bons santos, os de devoção,
não escondiam ali seu descontentamento.
E eu caí pra trás, pois dera um passamento.


III

Deus perguntou então: - "Estará morto enfim?"
O Diabo respondeu: - "E a vossa onisciência?"
E foi o próprio Cão quem veio junto a mim
verificar-me o pulso: tinha experiência...

E disse o Falso: - "Ele acaba de morrer.
Vou conduzi-lo já às hostes do Inferno!"
Mas Madalena veio em meu corpo mexer,
e eis que respondi com um impulso terno.

- "Ele está vivo, Pai, e vamo-nos embora."
Em seguida ouvi dizer Nossa Senhora:
- "Por que é, Diabo, que tu o queres tanto?"

Mas antes que o Cão pudesse responder,
toda a turba divina ouviu-me ali dizer:
- "Ai, por favor, me levem a qualquer canto"


IV

Deus bateu o martelo e gritou irritado:
- "A mim, mortal, só coube te dar esta vida!
E a viver de novo agora és condenado!
Te resta uma opção: é a do suicida."

Ninguém mais disse nada. O Diabo, sorridente,
ajeitava um colar que tinha no pescoço...
Também me apontava um vermelho tridente,
tão quente que derreteria o mais duro osso.

Mas antes de saírem, Deus ainda falou:
- "Aqui, mortal, conheço pessoas felizes:
os padres, deputados, e os nobres juízes.

E até ouvi dizer que tu és um doutor...
Por que tu queres ser diverso de tal malta?
Me diz, pobre mortal: o que é que te falta?"


V

- "Ó Deus, sou o primeiro a não julgar-me dino
de que o Pai do Rei dos Reis sequer imaginar
comigo uma conversa possa entabular,
e só faço porque assim quis o Destino.

Precisam vos dizer que entre os nordestinos
que vivem tão somente para alimentar
essa grei de rapina, ao Nobre Carcará,
decerto há algum homem que também tem tino.

Entre a grei de cordeiros que pasta noite e dia
nos currais que alimentam os vossos pastores,
pra ser-se homem se padece imensas dores,

pois a nobreza aqui cheira a carniçaria.
E custa-me a crer - não tomeis como troça -
que tal patifaria é toda obra vossa..."


VI

Por um instante Deus ali baixou a crista,
e todo o grupo então se fez silencioso.
Discreta piscadela enviou-me o Tinhoso,
mas não retribuí, e desviei a vista.

Logo o Grande Juiz recobra a autoridade
e diz que de tais queixas nunca ouviu falar.
- "Vou, junto com Jesus, mandar averiguar.
E bom pra ti será que tal seja a verdade."

Uns iam silenciosos, o Diabo ria à toa.
Inda ouvi Deus dizer que só notícia boa
os seus nobres ouvidos dali receberiam.

Ali fiquei sozinho, entre vários caixões.
Pensava nas beatas: e suas orações?
Alguém sabe dizer para onde é que iriam?


Antônio Adriano de Medeiros

sábado, 14 de janeiro de 2012

os Escritos de Nanin originais


A finalidade de postar este texto é para informar ao gentílissimo leitor que, estando de férias e podendo dedicar mais tempo á produtiva vagabundagem poética, organizei neste blog na página Os Escritos de Nanin a série original, inclusive com dados históricos (!) sobre a gênese do Menino.

É só clicar ali em cima, em Os Escritos de Nanin, que se terá acesso aos trinta e oito textos originais do Menino.

absaam


XII


AS TRÊS CASAS DO CÉU


A minha casa fica no chão, e lá em cima,

bem longe, tem uma cidade chamada céu

onde só tem três casas, mas são três casonas

bem grandes, a casa do dia, a casa da noite

e a casa colorida. A casa do dia é azul,

e quem mora nela é o sol, que apesar de não querer

ninguém na casa dele deve ser uma pessoa boa,

pois acho que é por causa dele que existe

a palavra "Sozinho".


A casa da noite é preta, e é lá que moram

a lua e as estrelas. Eu pensava que a lua era o sol

quando voltava do trabalho para casa,

mas descobri que não no dia em que vi os dois

na casa do dia: ele deixa ela entrar lá.

Também descobri que a lua era uma mulher

porque ela gosta de se vestir sempre diferente,

mas também é bonita nua.


A casa colorida tem tantas cores que umas eu não

conheço, e é a casa mais bonita, e fica entre as outras

duas: é lá que a família do céu se encontra,

o sol, a lua, e seus filhos que são as estrelas.

O sol e a lua já são velhinhos e andam sempre devagar,

mas as estrelas brincam de esconde-esconde

e de repente uma sai correndo e

desaparece.


Eu tinha pena das estrelas

porque pensava que elas nunca mais

se encontravam com seus pais, até aquele dia

em que descobri a casa colorida.


Eu nunca vou me esquecer daquele dia!


Nanin

Sempre pelo dedicado servo Antônio Adriano de Medeiros


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

do fingir, dos ovos




DO FINGIR, DOS OVOS

Às vezes me dá mesmo uma vontade doida,
uma teimosia,
uma teima em cio, uma coisa assim
do animal perverso.

É quando eu sinto uma grande necessidade de ser ruim
que faço o melhor verso.

- Mas não fiquem olhando assim pra mim!
A pobre criatura é sempre a mesma,
esse animal perverso é uma lesma,
e o Inferno é viver só.

Antônio Adriano de Medeiros

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

com a diaba no corpo


Emprega-se, mui devidamente, o termo "tempestade emocional" ao extremo exagero de emoções demonstrado num episódio maníaco do Transtorno Afetivo Bipolar (TAB): ali se chora, se gargalha, se grita e se desespera... Mas o que inspirou o cordel abaixo foi o que também se poderia chamar "tempestade sexual" de mesma síndrome, vista mais em mulheres jovens, embora universal àquelas pessoas (os portadores da referida síndrome psicótica aguda). As mulheres mais idosas também ficam excitadíssimas, é que não demonstram muito, há que se interrogar sobre; também os homens, galanteadores, se dizendo atletas sexuais, quase robôs erotômanos, conseguem se portar de forma menos bandeirosa que as jovens incautas.

Interessante é a busca por explicações que tanto familiares como pessoas próximas procuram dar para o fenômeno, que aqui também procuramos ilustrar como tendo sido um "trabalho" feito por uma espécie de catimbozeira... Na verdade, trata-se talvez de algo ligado ao relógio bioquímico cerebral de certas pessoas. Na verdade, a expressão "praga sexual" tem um duplo-sentido aí: tanto serve pra um eventual sortilégio, como pra explicar a contaminação sexual que a jovem "endiabrada" provoca nos homens de sua comunidade.

Outra coisa, também insinuada no cordel, é que algumas pessoas, acredito que nem todas por má-fé, mas a maioria sem dúvida, se aproveitam da situação para, numa interpretação psicanalhítica selvagem, "tratar" a pessoa com o referido episódio psicótico atendendendo à demanda sexual da mesma... O tratamento verdadeiro é químico e de apoio e proteção, sendo-nos desconhecido outro.

absaam



UMA PRAGA SEXUAL

Praga da gota serena
quando não cega aleija.
Catimbó pra ter valor
leva o tempero da inveja,
e poeta de segunda
os veros versos sobeja.

Quando o sertão abreja
c'uma chuva de três dia
marreco no céu voeja,
faz serenatas a jia,
e vaqueiro aboiador
bota pra fazer poesia.

Quanto pega a cantoria
dá trabalho a terminar:
histórias do fim do mundo
novelo vai revelar
se o cego velho na feira
bota pra improvisar.

O leitor ouviu falar
em Chico de Bagafu?
Ou já usou um colar,
semente de mulungu?
Já viu gente se irritar
e mandar tomar no cu?

Me meti num sururu
lá na casa do Capeta.
Fui com Maestro Chiquito
- excelência da corneta
que já tocou na orquestra
do Velho Bode Perneta.

Girando qual carrapeta
menina querendo dar.
Cheia de paixão na alma,
o corpo inteiro a viçar:
se passar perto de mim
eu não posso dispensar.

A beleza de um olhar
em um rosto feminino
encanta que nem cristal
- olho d'água cristalino -
veio de lágrima, desejo,
força matriz do destino.

Quando Zefa de Rufino
deu cria à menina Rosa
choveu por bem 7 dia
lá no sertão de Viçosa;
por 3 semanas de feira
matuto foi todo prosa.

Cresceu a menina rosa
desabrochando o botão
da beleza que guardava
na forma com precisão:
seu semblante a quem o via
disparava o coração.

Ouvi dizer, no sertão,
que uma certa Benedita
- feia, gorducha e idosa -
chamava Rosa "A Maldita",
nela buscando vingar-se
da sua triste desdita.

Boneca de Afrodita
ela espetou pra Xangô;
acendeu seis vela preta,
uma galinha sangrou,
e a alma de Rosinha
ao Diabo encomendou.

Algum tempo se passou
antes da Revelação;
todos respeitavam Rosa,
lhe tinham muita afeição:
ninguém ali suspeitava
que tinha parte com Cão.

Apois foi na procissão
que Rosinha endoideceu.
Tomou cruz de mão de padre
e a todo mundo benzeu;
abriu os braço e gritou:
- "Aqui quem manda sou eu!"

Quando Rosa enlouqueceu
passou a noite a amar:
deu a matuto e letrado
e ao doutor do lugar.
Engravidou do vigário
de uma vila à beira-mar.

E mandaram me chamar
para uma internação.
Lá reinava a bacanal
- ímpetos, louca paixão -;
quem enrabava Rosinha
agora era o sacristão.

Ouvi a explicação
que sábio doutor me deu:
- "Teve uma revelação
aqui na casa de Deus:
o amor na comunhão
serviu a pobres plebeus;

mesmo os juramentos meus
ela jogou sobre o piso;
dou o meu depoimento
e assumo o prejuízo:
a beleza do seu corpo
desnudou meu desjuízo." -

Pra levá-la foi preciso
reforço policial.
Ouvi muitos palavrões
em protesto radical;
um brutamontes matuto
lá quis me quebrar no pau.

Eu consegui afinal
internar a tal Rosinha;
depois de bem medicada
ela ficou boazinha.
Está bem, a estudar
- vive insistindo em me dar,
mas não como a taradinha.

Antônio Adriano de Medeiros

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

bem ao pé do ouvido



UM SONETO AO PÉ DO OUVIDO

A mão vira a ampulheta. O verso finge
o movimento preciso do fio de areia,
e já de novo a ancestralíssima Esfinge
vem encarar-me com a sua cara feia.
Mas não mais a temo: já não há enigmas.
Até mesmo se o tido como ardiloso Satã
viesse hoje tentar-nos com coisas malignas,
a humaníssima Eva - nossa igual, nossa irmã -
o poria no bolso não só com seus encantos,
mas com outros atributos que também são tantos
na humana alma, e que o poeta se escusa
de nomear - ele que também decerto os usa.
- A cumplicidade é geral, meu bom leitor!
Ou ainda finges que não és um fingidor?

Antônio Adriano de Medeiros

domingo, 1 de janeiro de 2012

de um brilho sempre novo







À LUZ SINADO


Talvez por ser dotado de luz própria
vaga pelo mundo estranho lume
julgando ver de si alguma cópia
em sombras que de homens têm o nome.

Às sombras mais parece mariposa
a presa à prosa de alguma luz:
- "É parasita que nunca repousa
atrás do brilho falso que seduz."

- Ó Sombras - reflexos da luz no mundo -
não julgueis sempre um astro vagabundo
a estranhos que surgem a vosso lado:

De pó e luz são feitos os cometas,
e igualmente brilham os poetas
que já nasceram assim, à luz sinados.


Antônio Adriano de Medeiros