segunda-feira, 29 de outubro de 2012

diários de um mieloma 5





Augusto dos Anjos comparece hoje com o Poema Negro; foi o poema que mais li dele, ainda sei de cor alguns versos, mas não todo como um dia já soube; lia-o de propósito no intervalo das aulas quando estudante de Medicina, o primeiro verso diz por quê.

O Poema Negro é o terceiro, é o último, mas Augusto já manda beijinhos educados como cumprimentos daqui:

"Escarrar de um abismo noutro abismo
mandando ao céu o fumo de um cigarro...
- há mais filosofia nesse escarro
que em toda moral do cristianismo!"

"Descender dos macacos catarríneos,
cair doente e passar a vida inteira
com a boca junto de uma escarradeira
pintando o chão de coágulos sanguíneos"

                (Trechinhos acima são de Os Doentes, longo ad nauseam)



O chato de Augusto dos Anjos é que quando ele fala de escarrar, a gente não sabe se é de beijo ou escarro mesmo que ele está falando.

Estive internado em dois serviços de oncologia nos últimos dias, no Centro Paraibano de Oncologia, onde por três tardes recebi quimioterapia e uma restauradora hidratação, venosas, por prestativas enfermeiras, e no Domingo e parte de hoje no ancestral, reformado e público Hospital Napoleão Laureano, onde fiz tranfusão sanguinea no dia de ontem; quando estudante, aí por volta de 1984, por lá passei, digo no Laureano, como estudante, e lembro principalmente dos idosos internos, quase residentes das enfermarias do INPS de então; ainda vi umas hoje quando fui fazer rum raio x de cadeira de rodas e tudo, e as tentei cumprimentar, mas desnecessário é dizer que não retribuiram de bom grado, antes desviaram o olhar - eu era apenas mais um condenado, não um que trazia esperança. De certa forma era até um concorrente...

Essa coisa de tratamento, seja qual for, sempre inclui transferência e contratransferência, endeusamento e desconfiança; não há como fugir a isso, é minha vida que está em jogo ali no embaralhado das cartas. Não posso negar que agora quando escrevo sinto-me muito bem, mas hoje á tarde estava péssimo... Sei lá o que diabo aquilo em meus pulmões... Sabe como passou? Fui ao amigo psicanalista!

É que a gente fica lendo e ouvindo outros dizerem que um tio melhorou fazendo logo transplante de medula doado por familiar, e que está há 3 anos sem sintomas; outro fala que o transplante autóctone de medula depois de restaurada a própria medula óssea do próprio paciente é mais seguro e tem menor índice de morte pós-transplante... Ler isso na teoria ali como descrição de formas de tratamento é uma coisa, o chato é quando o que está no emaranhado de cartas é seu respirar.

Só não queria mais sentir de novo o que senti domingo de manhã, e que o Sr. mieloma múltiplo, que hoje estranhamente diz estar do lado do Bem e até de Deus, a quem se refere felicissimo em seu texto a meu ver dúbio, suspeito...  Pois bem, não queria sentir mais o que senti domingo de manhã e que o sr. mielloma descreve bem em seu texto, claro que feliz e agourento, como  um trinfo de sua potência, nda.  Fico preocupado pois sou poeta, um mísero poetinha, ele é escritoe, e os escritores são mais sérios e confiávies que os poetas, dizem, sendo superados apenas pelos magistrados e cientistas.

Cabe agora um agradecimento a alguém,e um explicação a respeito de uma maldade do Sr. Mieloma: o médico que tem-nos prestativa, correta e gentilmente atendido é o Prof. Luis Fábio Botelho, hematatologista; foi ele que prescreveu a quimioterapia lesa-tumor e protege-ossos, além de outras que não vem ao caso citar porque isto é um blog de literatura, e não e medicina; sempre que o procuramos, mesmo à noite por telefone, alguma resposta vem, e no domigo foi muito boa e rápida a resposta, que a coisa estava ruim, uma dor de cabeça frontal como se tivessem sugado o espaço virtual entre as membranas protetoras de meu cérebro, um sono que chegava de repente, tinha imagens, e sumia de repente mas deixava o vazio não sei aonde, e uma tendência á prstração (uma síndrome orgânica cerebral), surgindo logo um serviço que fazia transfusão que era o que precisava. Mas eu queria que isso fosse evitado de ocorrer doravante, um nível de anemia que a partir dali, profilaticamente, se faça logo a tranfusão, porque se não o cara cai no Terceiro Mundo, e não é bom ser um doente do Terceiro Mundo, nem é de Terceiro Mundo a Medicia do Doutor - quanto a isso, não há dúvida.

Agora, a Maldade de Mr. mieloma, que na verdade é uma jocosidade minha: diz Câmara Cascudo, e um livro sobre malassombros e o sobrenatural (tá emprestado há anos a um bom amigo, por isso não lembro o título) que há no inconsciente sertanejo um mal resolvida admiração pelo Diabo, vez que quando o pai quer elogiar um filho, costuma dizer - "Esse menino é o Cão!". Também é comum ouvir-se a expressão "Bom que só o diabo", etc. Fato é que dentre os muitos nomes e apelidos do Diabo, dois são interessante e aplicáveis aqui: Pedro-Botelho e Pero-Botelho (assim, com hífen, pra respeitar as pessoas que se chamem Pedro ou Pero Botelho); é que reza uma das muitas lendas a respeito do Cão que ele tem um pé de bode e um pé de homem normal; por isso, o Diabo manca. Pra disfarçar o manquejar e encobrir o pé de bode, o astucioso e velho Diabo usa botas; assim, chamam-no Pedro-Botelho (ver, por exemplo, só pra comprovação, o cordel deste enderço - http://www.recantodasletras.com.br/cordel/2448226 - o Aurélio também registra).

Portanto, o que slata aos olhos pe que Botelho é o Cão, ou tem pelo menos um parentesco... Pra mim,, pelo lado bom, para Mieloma, parace que há divergências...

Bom, além dos diários de um mieloma múltiplo - 5 incluo um soneto meu já conhecido dos poetas e leitores das listas e do blog, a história do feto cantador atenuava o sofrimento dos enfermos, e que tem o belo título de Lullaby from rosemary's baby (Canção de ninar para o bebê de Rosemary), trilha de um filme de Polansky da Década de 60. O menininho era um Cãozinho, um filho do

Eu cometi pecados, irmãos, me arrependi, rezei, nunca mais fiz aquilo... Nem desejo fazer! Longe de mim cair de novo em tão grave... Mas desrespeitei pelo menos um dos Dez Mandamentos. Quando um jovem estudante de psiquiatria no Rio deJaneiro namorei a mulher do próximo... Quer dizer, ele ficava em Sâo Paulo, o que já é um atenuante. Fato é que um dia a bela senhora ligou pra mim dizendo que precisara expurgar de seu corpo uma semente indevida que eu a deixara lá e que a semente embrionária havia descido... Aquilo, apesar de reconhecer que era a coisa mais correta a ser feita, me tocou, e iamginei uma criaturinha para abandonada nos esgotos da metrópole... Foi quando surgiu o soneto, que eu particularmente julgo muito belo.

E por hoje está de bom tamanho, uma fauna bem rica... Êpa, ia me esquecendo de falar de Samael... Samael não é pra qualquer um não: "Anjo do Veneno", Samael, é o nome de Lúcifer na Cabala. Pra se ter uma ideia da importância de Samael e de sua proximidade com o Criador, há quem diga que Samael foi quem sugeriu ao Criador a Sua Obra mais famosa, a criação do Homem. - "Chefão -o grau de intimidade de ambos, permitia - Chefão, o senhor é mui sábio, muito inteligente, e criou a nós anjos, que somos eternos mas não nos reproduzimos; depois, criou os animais, que não são eternos, mas que se reproduzem... Não tem vontade de criar um ser que fosse eterno e qeu se reproduzisse?"

A leitora quer saber por que Samael queria a foi quem sugeriu a criação do Homem? Ora, é tão simples: porque Samael estava interessado na criação do Mal, e o Mal só existe quando há a consciência moral, a capacidade de escolha, de livre-arbítrio... Há rumores até de que o Criador, que gostava muito de conversar com Samael, porque ele sempre dizia coisas muito inteligentes, só o condenou por pressão de outros anjos, alguns fofoqueiros, uns ninvejosos, outros raivosos porque Samael não baixoua  cabeça quando a criaturinha - o terceiro filho do Criador, que é o homem, primeiro apenas em ser potencialmente igual a ele, imortal e que se reproduzia.

 Samael, venenoso e erudito anjo que um dia cairia, não tem ainda, por ser desconhecido do vulgo, a má fama dos demais, sendo possível não só manter elevado o nível de um poema, um texto literários ou escrito qualquer, ou memso é em tese possível elevar-se através de Samael.


absaam



LULABY FROM ROSEMARY'S BABY

Devido a uma das inúmeras crises
pulmonares que acometem-me ser tão doente,
estive internado - ó, terríveis hemoptises -
num velho sanatório onde morreu muita gente.

Localizava-se o antigo prédio na pobre periferia
da cidade junto a um canal prenhe em detritos bem imundos;
e toda noite de lá chegava à nossa enfermaria
o som de uma canção a consolar os trsites moribundos...

Era a doce voz de um pequenino feto de seis meses abortado
um dia pela infeliz mamãe, e que cantava bem ritmado.
Dizia que seu espírito nutrira-se nos esgostos sujos,

entre amebas, bactérias, muitos vermes, alguns caramujos.
E à sua boa mamãe se mostrava muito agradecido
pela graça singular de nunca ter nascido.


                   Antônio Adriano de Medeiros
                   Dos Meus Eternos




diários de um mieloma múltiplo - 5




Quem sabe o mal que se esconde por trás dos corações humanos?

De que adiantou a mim, um nobre câncer, ensaiar sentimentos nobres, se tudo que  a corja dos humanos deseja é nos destruir, é ver-se livre de nós, é devolver-nos á insignificãncia do Não Ser, isso depois de torturar-nos com o venenos de Samael - o velho traidor sempre prestes a unir-se a comparsas indignos?

Pois o Anjo do Veneno me traiu - Samael nunca é pessoa digna de confiança, hein? - e dessa vez com um daqueles... um daqueles bípedes atrevidos que vestem branco e que penduram no pescoço um antichocalho mudo não para, como os verdadeiros sujos de outrora, afastar as pessoas de sua presença malsã, mas para sondar-lhes melhor o ingênuo - ó quanta energia dispendida numa melodia tão monótona e sem graça - o tolíssimo coração.

Tentaram me assassinar covardemente. Um que tem em seu sobrenome um dos apelidos mais conhecidos do Diabo - sim, ou não sabiam que um dos nomes do Diabo é Pedro-Botelho? - foi buscar, na sombria e pestilenta botica onde se semeia as flores sem perfume do penicilium notatum, venenos terrivelmente poderosos que fizeram muito mal a mim...

A violência foi terrível, a humilhação foi cabal, a vergonha, acintosa... Ai, como sofri! Ai, como eu chorei! Como se eu fosse um terrorista que tivesse contas a acertar com a humanidade - essa coisinha insignificate e presunçosa - houve invasão de domicílio, sendo que bombardearam minha casa e derramaram meu próprio sangue tão rico em rosas podres, e todo essa selvageria perpetrada na frente e ainda também contra meus pequenos blastos, e até mesmos os dedicados clastos que, heroicamente e cientificamente apenas exerciam sua atividade arquelógica sobre rochas ósseas já condenadas à destruição, e ali matavam sua fome, também eles sofreram uma covarde e vil tentiva de assassinato...

Prossigo aqui me expresssando por palavras, dispendendo pois uma energia que bem poderia estar sendo empregada de outra forma, me tornando mais forte para enfrentar os poderosos venenos de Satã, porque sei que alguns leitores de bom gosto me apreciam a mim e a meus pequerruchos, e sabem que heróis de verdade não fogem á sua nobre missão, e só sossegarão, assim como eu e meus pequenos, quando o nariz arrebitado de um certo poetinha tiver virado um sorvetinho para as moscas, voadoras e queridas, ó tão travessas moscas...

O bípede simiesco que ainda atende pelo desgraçado nome de Antônio Adriano de Medeiros é também um traidor, é, ele igualmente junto áquele outro, que pelo menos usa um sobrenome sincero que já diz quem ele é, pois bem, o acima nomeado moribundo, sendo um traidor, é um irmão do Diabo, é artífice de Lúcifer, é boticário de Samael, é Filho de Satanás.

A natureza dúbia e satãnica do Adrianinho - rá, rá, rá, fi-lo passar tão mal... - traiu a seus irmãos, ele podendo dedicar toda a sua vida, integralmente, como fazem os profissionais sérios - meus inimigos, tudo bem, mas inimigos sérios, hipócritas feiticeiros sempre dispostos a iludir alguém que busque a ajuda deles - pois bem, o verme moribindo traiu o Juramento dos Hipócritas ao mesmo tempo que o celebrava ad nauseam - alimentando essa coisa destrutiva e sem valor algum que é a Poesia feita com palavaras...

Abandonou a Vida e saiu correndo atrás de Poesia, o irresposável...

Palvrras, leitor, pedaços de vento; palavras, leitor, flatos eliminados pela extremidade cefálica do tubo digestivo... Palabras, leitor, nada, nada, nada, e o que é mais grave, um nada-dor, um nada que ilude gerando sentimento, um nada que ocupa tempo e espaço, um nada que mente, um nada demente, um nada... Um Nada que enfim lhe fará justiça e o acolherá. Profunda e ternamente.

Pois o saiba o leitor que nos admira a mim e a meus pequenos, que reagimos, que lutamos heroicamente como um enxame de abelhas africanas raivosas, eloquecidas; fizemo-lo tremer, chorar e rir, ter ilusões visuais, prostar-se, sentir profundas dores ósseas, e quase desejar logo a chegada da Morte - algo nele sabe que é sua única oportunidade de reecontrar a paz.

Primeiro caímos todos de uma vez no rio vermelho, engrossando o sangue apodrecido do vermantônio, profetizando trombos, praguejando hemorragias, visando se não a greve geral, a parada absoluta do rio transformado num grande lago extravasado de lodo rubro que logo ficaria bem verdinho  - ó que bela imagem eu fui capaz de criar, não leitora culta e de bom gosto? - tentando pelo menos que os rins, já sob o efeito de proteínas saudáveis de nossa indústria bélica, parassem de uma vez... Infelizmente ainda não conseguimos, mas estamos em guerra, e parece que uma legião estrangeira de bactérias já grassa graciosamente no corpo abrindo um buquê de flores mortais...

Comemos muitas hemácias, destruímos hemoglobina, e no Dia do Senhor - na manhã ensolarada e cívica de um domingo democrático, o vermantônio, sufocando, rastejando qual serpente satânica, ás vezes imerso em franco pré-coma outras em notável ansiedade com gritante descotrole emocional, precisou pedri ajuda ao parente de Pedro-Botelho.

Agora, leitora e leitor inteligentes, bem intecionados e pios que me acompanham, me digam, de que lado está o Bem, de que lado está o Mal?

Observe os indícios, quem está usando os venenos de Samael, quem procurou um parente de Pedro-Botelho por livre e espontânea vontade - poderia ter ido atrás de alguém com outro sobrenome, mas preferiu logo aquele, e, principalmente quem não suportou a divina luz cívica e ensolarada do Dia do Senhor e foi atrás de ... um parente de Pedro-Botelho!

Tá muito claro quem triunfará: nem toda conformidade é o Bem, nem todo desvio é o Mal.

Deus realmente escreve certo por linhas tortas, e finalmeente encerro um texto felliz e com a consciência tranquila - O que é do Justo, ninguém o toma!


                                                         mi elola aam
                                                         João Pessoa, 29 de outiubro de 2012





POEMA NEGRO - AUGUSTO DOS ANJOS

A Santos Neto

Para iludir minha desgraça, estudo.
Intimamente sei que não me iludo.
Para onde vou (o mundo inteiro o nota)
Nos meus olhares fúnebres, carrego
A indiferença estúpida de um cego
E o ar indolente de um chinês idiota!

A passagem dos séculos me assombra.
Para onde irá correndo minha sombra
Nesse cavalo de eletricidade?!
Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:
— Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem?
E parece-me um sonho a realidade.

Em vão com o grito do meu peito impreco!
Dos brados meus ouvindo apenas o eco,
Eu torço os braços numa angústia douda
E muita vez, à meia-noite, rio
Sinistramente, vendo o verme frio
Que há de comer a minha carne toda!

É a Morte — esta carnívora assanhada —
Serpente má de língua envenenada
Que tudo que acha no caminho, come...
— Faminta e atra mulher que, a 1 de janeiro,
Sai para assassinar o mundo inteiro,
E o mundo inteiro não lhe mata a fome!

Nesta sombria análise das cousas,
Corro. Arranco os cadáveres das lousas
E as suas partes podres examino. . .
Mas de repente, ouvindo um grande estrondo,
Na podridão daquele embrulho hediondo
Reconheço assombrado o meu Destino!

Surpreendo-me, sozinho, numa cova.
Então meu desvario se renova...
Como que, abrindo todos os jazigos,
A Morte, em trajos pretos e amarelos,
Levanta contra mim grandes cutelos
E as baionetas dos dragões antigos!

E quando vi que aquilo vinha vindo
Eu fui caindo como um sol caindo
De declínio em declínio; e de declínio
Em declínio, com a gula de uma fera,
Quis ver o que era, e quando vi o que era,
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!

Chegou a tua vez, oh! Natureza!
Eu desafio agora essa grandeza,
Perante a qual meus olhos se extasiam...
Eu desafio, desta cova escura,
No histerismo danado da tortura
Todos os monstros que os teus peitos criam.

Tu não és minha mãe, velha nefasta!
Com o teu chicote frio de madrasta
Tu me açoitaste vinte e duas vezes...
Por tua causa apodreci nas cruzes,
Em que pregas os filhos que produzes
Durante os desgraçados nove meses!

Semeadora terrível de defuntos,
Contra a agressão dos teus contrastes juntos
A besta, que em mim dorme, acorda em berros
Acorda, e após gritar a última injúria,
Chocalha os dentes com medonha fúria
Como se fosse o atrito de dois ferros!

Pois bem! Chegou minha hora de vingança.
Tu mataste o meu tempo de criança
E de segunda-feira até domingo,
Amarrado no horror de tua rede,
Deste-me fogo quando eu tinha sede...
Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo!

Súbito outra visão negra me espanta!
Estou em Roma. É Sexta-feira Santa.
A treva invade o obscuro orbe terrestre.
No Vaticano, em grupos prosternados,
Com as longas fardas rubras, os soldados
Guardam o corpo do Divino Mestre.

Como as estalactites da caverna,
Cai no silêncio da Cidade Eterna
A água da chuva em largos fios grossos...
De Jesus Cristo resta unicamente
Um esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente
Sente vontade de abraçar-lhe os ossos!

Não há ninguém na estrada da Ripetta.
Dentro da Igreja de São Pedro, quieta,
As luzes funerais arquejam fracas...
O vento entoa cânticos de morte.
Roma estremece! Além, num rumor forte,
Recomeça o barulho das matracas.

A desagregação da minha idéia
Aumenta. Como as chagas da morféa
O medo, o desalento e o desconforto
Paralisam-se os círculos motores.
Na Eternidade, os ventos gemedores
Estão dizendo que Jesus é morto!

Não! Jesus não morreu! Vive na serra
Da Borborema, no ar de minha terra,
Na molécula e no átomo... Resume
A espiritualidade da matéria
E ele é que embala o corpo da miséria
E faz da cloaca uma urna de perfume.

Na agonia de tantos pesadelos
Uma dor bruta puxa-me os cabelos,
Desperto. É tão vazia a minha vida!
No pensamento desconexo e falho
Trago as cartas confusas de um baralho
E um pedaço de cera derretida!

Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme.
Eu, somente eu, com a minha dor enorme
Os olhos ensangüento na vigília!
E observo, enquanto o horror me corta a fala,
O aspecto sepulcral da austera sala
E a impassibilidade da mobília.

Meu coração, como um cristal, se quebre
O termômetro negue minha febre,
Torne-se gelo o sangue que me abrasa,
E eu me converta na cegonha triste
Que das ruínas duma casa assiste
Ao desmoronamento de outra casa!

Ao terminar este sentido poema
Onde vazei a minha dor suprema
Tenho os olhos em lágrimas imersos...
Rola-me na cabeça o cérebro oco.
Por ventura, meu Deus, estarei louco?!
Daqui por diante não farei mais versos.

                 Augusto dos Anjos
                 Eu


sábado, 27 de outubro de 2012


A foto acima eu mesmo a fiz, vendo-se ao fundo a Casa Santa Maria; Agustim, o herói da história abaixo, está na primeira porta, sendo a segunda pessoa, da qual se vê o vulto algo indefinido; não lembro quem é que está lá com ele. Em primeiro plano, Nathalie, Dinalva e Anchieta, sendo os dois mais jovens netos de Agustim; Dinalva, terceira filha de Seu Agustim e de Donanatilde, dorme com  os justos, ao lado dos pais. Infelizemnete tentei muito, mas não teve como conseguir uma foto atual que mostrasse a Santa Maria bem definida, que era meu desejo.

Do lado de cá, em verde, o que era então o Hotel de seu Cazuza; do lado de lá, O Armarinho, a loja original de Amaro Emídio de Morais. 

A caminhonete na frente da loja era de Agustim, e servia para entregar móveis e ataúdes, mercadorias da Casa Santa Maria. 

A Dra. Maria da Conceição de Medeiros Morais me mandou outra foto, está depois do texto. Pode-se ver a Santa Maria melhor.

Bom, em se tratando de sertão a gente deve estar sempre alerta, que tudo ali começa bem, mas geralmente acaba em bala, facada, ou Processo. Assim sendo, todas as mensagens do presente blogue são enviadas para listas de Poesia lusobrasileiras, a da Escritas e da Letras no Teclado em Portugal, e da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores, SOBRAMES NACIONAL; não nos venham causar vergonha, queremos apenas fazer poesia e literatura.


absaam



                        MEMÓRIAS DO SERTÃO DO SERIDÓ



edição especialíssima:


A LOJA DOS SONHOS DE AGOSTINHO HERMES DE MEDEIROS


Dizem que começou com uma maletinha de couro, vendendo retrós, perfume, sabonete, creme dental, escova, nas ruas de Santa Luzia, Paraíba, obtendo a melhor féria nos dias de Sábado, o Dia da Feira, que é o dia em que mais se trabalha naquele sertão. O molecote, que um dia viria a ser meu pai, neto de Inácio Batista Velho, era sobrinho e afilhado de Pai Dedé da Cacimba da Velha, e assim pôde ter rudimentos educacionais, aprendendo a ler na Cacimba da Velha, sendo um bom cantador de tabuada. Menino, ainda o ouvi algumas vezes cantar a tabuada, quando me via estudando: "um mais um, dois, dois mais dois, quatro, quatro e quatro, oito, oito vez dois dezesseis...." Para facilitar a memorização, a sabedoria sertaneja criara, nos distantes sertões secos e sem escolas, com raros  professores,  sendo que os poucos que existiam eram aqueles aterrorizantes armados de palmatória, pois bem, a sabedoria sertaneja criou melodias cordelistas para ler as tábuas de operações, como se, por exemplo, de nove vezes um até nove vezes nove, os numerozinhos ali todos concentrados, fossem os versos de um poema de cordel.

E Agustim perdeu o pai aos 10 anos, que morreu dizem "do coração", sendo que foi então morar um tempo na Cacimba Velha, ajudando nas lides da fazenda, vindo da Passagem do Meio, que era o sítio de seus pais; mas um dia resolveu ir embora definitivamente, aterrorizado com a trilha de sangue que um guaxinim deixara arrastando um cordeiro.

Por pouco a Trilha de Sangue do Guaxinim não se torna uma realidade terrível no sertão fascista dos anos 30. Durante a Ditadura de Getúlio Vargas, o poderoso Major Aristarco simplesemente mandou prender todos os moradores, donos e herdeiros da Passagem do Meio, e anexou tais terras á sua Fazenda Santo Antônio; meu pai, meus avós, tias de meu pai, inclusive uma professora educadíssima, a saudosa Mariú, que morava em Patos e sempre me contava essa história quando eu ia lá em sua confortável e hospitaleira casa; ela também foi uma das detidas. Dizem que o juiz, ou uma autoridade complexa da época, decerto o Coronel,  disse - "Aristarco, você tá ficando louco?", e mandou soltar todo mundo, mas as terras... Nunca mais! E há o detalhe simiesco: rumores de que, durante a prisão para anexação gatuna das terras, dois soldados ou jagunços foram à casa de Zé Ferreira, autoridade político-administrativa na cidade onde ocorriam as negociações, e disseram ao Major Aristarco que - "Isso se resolve com dois tões", que seriam dois tostões, quantia monetária ínfima na época, mormente para alguém que comprara a patente de Major; já tinha gente se oferecendo aos poderosos fascistas para matar a todos os tão injustamente detidos. Por aí se vê o que uma ditadura, o que é o fascismo, o que era aquele sertão... Prefiro dizer que tal não nos permite ver como é o Homem... Foi uma aberração.

Como os cordeiros eram de paz, tinham outros valores e decerto talentos mais nobres, não foi preciso ao Major Aristarco gastar seus dois tostões. Os dois manda-chuvas da cidade à época, diga-se em respeito à sua memória, nunca tiveram seus nomes ligados a assassinatos ou crimes políticos, pelo contrário: o Coroné Zé Ferreira Júnior foi um desenvolvimentista e benfeitor da cidade, e na época ficou do lado e defendeu os cordeiros usurpados.

Como os cordeiros tivessem imóveis na cidade de Santa Luzia - Paraiba!, não precisaram ficar vagando como retirantes sem terra nos serotes entre xique xique, faveleira, macambira e mandacaru, quais homens que tivessem transformado em calangos nos labirintos infaustos do fascismo sertanejo.

Por essa época, o negócio de Agustim crescera, ele agora tinha um banco de feira, onde vendia já objetos maiores, louças, palanganas, caldeirões, bules, xícaras, alguma porcelana simples, peças de vestuário e as eternas e queridas miudezas e perfumaria, expressão que venerava. Indo adquirir mercadorias em Patos e Campina Grande, cuja viagem de 100km durava um dia inteiro no caso de Campina, geralmente em caminhões de frete, vendia-as nas feiras do Munícipio de Santa Luzia do Sabugy, que incluía as hoje cidades de Várzea, São Mamede, São José do Sabugy, São Gonçalo e Junco do Seridó, essas duas últimas já nas brenhas elevadas da serra, final do Planalto da Borborema, cidades de clima bastante agradável, mormente à noite, um friozinho propício ao amor. Abro aqui um parêntese pra dizer que de todas elas, durante minha adolescência em Santa Luzia, a que eu mais gostava de ir festas era no Junco, pelo frio, pela subida da serra à noite em opalas de taxistas ouvindo o rei Roberto Carlos, e por ter a certeza de que lá veria pelo menos dois rostinhos dos mais belos que já pude contemplar, donos de sorrisos gentis e olhos promissores.

Mas foi exantamente no extremo oposto que o coração de Agustim balançou, lá em baixo, claro que nos limites da Paraíba com o Rio Grande do Norte, certo dia na feira de Várzea.

Mâinha gostava de dizer que "ele chega rodava nas pontas dos pés..." naquele que foi, pelo menos para mim, o mais importante dos dias de feira na boa, bela, e hospitaleira cidade de Várzea.

Josué Manuel da Costa, sobrinho do Velho Amaro do Poção, descendente ele e sua mulher e prima Matilde Magna, dos Freire de Araújo e dos Tavares das Costa, era dono, com seus dois irmãos, das terras entre as sedes das cidades de Várzea, na Paraíba, e Ouro Branco, no Rio Grande do Norte. Além disso, tinha outros tesouros, sendo que o mais notável e precioso daquele final dos anos 30 do Século XX eram os olhos verdes de Joana, uma de suas filhas mais novas, entre os 13 e os 15 anos. Diz que juntava gente para ver, havia rapazes que vinham de outras cidades e de sítios distantes nos dias de feira em Várzea só para poder sonhar por alguns instantes, talvez com um distante e verde, desejado mar, contemplando aqueles olhos glaucos - os de Matilde Magna, orgulhosíssima mãe de Joana,  tinham a cor celestial.

Pois o que fazia Agustim rodar na ponta dos pés, quase girando no ar que nem um bailarino, era, a princípio, aquele par de olhos verdes. E foi à dona deles que Agustim dirigiu primeiro a palavra  dizendo alguma jocosidade, certamente, quando as jovens se aproximaram do seu bazar. Entretanto, a  bela era ainda uma menina imatura, e quem soube acolher a empolgação do animadíssimo dono do bazar, como se chamava naquele tempo esses barracos de feira que incluíam inclusive jogos - um bingo! - foi a irmã mais velha, em solteira Anatilde Magna de Araújo.

Casaram na Noite de São João do ano de 1940. Talvez, quem sabe, tal casamento matuto tão arretado entre um paraibano e uma paraibana-potiguar, em noite de amor e fogo e forró, e ainda com a presença dos olhos verdes de Joana, tenha contribuído de forma decisiva para os primórdios daquele São João de Santa Luzia que se tornou até os primeiros anos do Século XXI a festa mais tradicional da região, famosa não só pela qualidade do forró com zabumba, triângulo e sanfona, mas principalmente pelas singulares, encantadoras beldades que de repente tomavam as ruas da cidade, chegando ao clímax da beleza, requinte e encantamento nos célebres forrós noturnos do Yayu Club.

Mãinha não tolerava ouvir o que vou dizer agora, dizia que era mentira do povo, invenção, fuxico, fofoca, maldade, mas o fato é que há rumores que Agustim vendeu o gado na beira do açude novo. É que Anatilde tinha gado, teve um dote, vacas, bois, garrotes, bezerros, inclusive um rebanho de cabras azuis dos quais ela sempre se recordava com certa nostalgia e um timbre diferente, emocionado, na voz, mas nunca me revelou o montante do gado, dizendo apenas que "Eu casei pra isso mesmo...  Vocês não acham bom ter as coisas?... Agustim sempre soube negociar..."

Que o Danado tinha tino pro comércio, isso é inegável, mas o fato é que a loja na rua principal da cidade, cujo prédio é um dos pontos comerciais mais estratégicos do centro comercial de  Santa Luzia ainda hoje, sendo de sete herdeiros, foi adqurido depois do casamento... Agustim rondava aquele ponto com sonhos coloridos, róseos, prateados, vermelhos, azuis e a imagem de uma santa, e para chegar até ele, me disse a sua filha Deusa, sempre rondando, sempre se aproximando, precisou mesmo a morar uns dois anos no Beco do Inferno, lá em baixo, no início do Beco do Inferno com a Padre Ibiapina. Disse-me Dêda que - "Quando eu era menina, me lembro que sentava ás vezes ali perto de onde mora Edenilda..." Já é a parte mais nobre do célebre Beco do Inferno, que une a rua onde nasci com principal, a praça do comércio da cidade.

Que imagem rara: a Pequena Deusa sentada na calçada de um Beco do Inferno no sertão...

Pois Agustim adquriu, em meados dos anos 40 dos mil e novencentos, de familiares do Dr. José Benício de Medeiros, um bom imóvel que tinha uma loja e uma residência ao lado, e apesar de não ter à época uma fachada, o nome de fantasia já era Casa Santa Maria. O Danado abriu ainda outra loja nas proximidades, a qual era mui bem gerenciada por Ideltrudes, mais conhecida por Detu, e, imaginando que o comércio fosse fácil como mágica, e querendo ajudar no progreso de outros familiares, abriu ainda lojas para dois irmãos seus, e facilitou estimulou ainda para dois de seus cunhados, sendo que desses quatro três não tiveram futuro, apenas um foi comerciante até seus últimos dias, o bom Biim, casado com Memencha, a inteletual da filhas de Josué, que mora hoje com os filhos em Natal.

Além da loja, aliás, das duas lojas, Agustim ainda tinha o bazar com o bingo, ele não vendeu nada, não, só acresceu, de 1940 aaté meados dos anos 80 dos mil e novecentos. Pemanencia nas feiras da região, agora dera de ir fazer compras até no Mercado de São José no Recife, dois dias de viagem, permencendo porém fiel até o fim da vida a Patos e Campina Grande, Nas Festas da Padroeira, Santa Luzia, e de Nossa Senhora do Rosário, Agustim montava seu bazar com o bingo, e era ainda quem fazia os leilões de uísque, galinhas assadas, e cestos de Natal na cidade.

Foi então que contou com uma ajuda inesperada, a ajuda dos bichos.

Já que tinha seu bazar, e era um homem bem relacionado, pacífico, e gostava da vida, sendo inclusive a única pessoa autorizada na cidade a vender o célebre lança-perfume Rodoro até sua proibição por Jãnio Quadros, que de uma tacada só proibiu também a briga de galo e o biquini nas praias, Agustim um dia transformou o seu bazar que tinha apenas um bingo que funcionava alternadamente, numa permanente Banca de Jogo de Bicho.

- Milhar, dois; centena, zero; dezena um; unidade, dois: 2012 - No caso, o Bicho do dia seria Burro, pois as dezenas finais é que indicam o Bicho que deu, e os finais 09, 10, 11 e 12 indicam o terceiro bicho dos vinte e cinco possíveis, e o 3 é o número do Burro. o Veado é do Grupo 24, mas para que o Veado dê é preciso que as dezenas finais sejam 93, 94, 95 ou  96; já 97, 98, 99 e 00 correspondem ao grupo 25, o grupo da Vaca, perigosíssimo Bicho para um dia de feira, pois a Vaca é ainda o animal com que mais sonham os sertanejos, sagrado animal que deu sorte a tantos, e azar terrível ao Banqueiro do Bicho, nobre título do dono da banca na Paraíba nos tempos que meu pai era vivo, quando o Jogo do Bicho era estadualizado, decisão do Governador João Agripino Filho, pois sendo a Paraíba um dos Estados brasileiros com menor oferta de empregos, decidiu aquela Autoridade que não deixaria pais de família sem emprego e famílias passando fome, referindo-se aos cambistas, os homens que passam o Bicho, que aviam as apostas por escrito; João Agripino Filho teve topete para peitar pois uma Lei Federal nos tempos de Regime Militar, em defesa dos cambistas do Riacho da Serra, e de outros distantes ermos sertanejos.

Agustim porém era homem por demais crédulo, e certo dia uma cigana lhe jogou uma rasteira, dizendo que não deixasse a Banca de Bicho como herança para nenhum ods filhos, pois um filho seu se perderia no Jogo... E vendeu a Banca de Bicho em 1981, havendo porém aí a razão nobre de ajudar uma filha a adquirir um apartamento no Edifício Passárgada, em João Pessoa, quando um dos filhos foi aprovado para o ingresso na Faculade de Medicina. Quem era tal tal filho? Um certo Nanim, eu mesmo.

Falemos finalmente do sonho e da santa, da loja dos sonhos de Agostinho Hermes de Medeiros. Agustim era mariano, um católico devoto de Maria, e lembro que, em seu funeral, quando o padre, cumprindo sua missão, adentrou à nossa casa para a Missa de Corpo Presente, Donanatilde, emocionada e empolgadissima com a certeza de que aquilo era ingresso garantido para uma das mais nobres regiões celestiais, correu a mostrar ao pároco de Santa Luzia a Medalha de Mariano cruzando o peito de Agustim. Lembro que aquela demonstração de fé e esperança me encheu os olhos de lágrimas, sendo talvez um dos momentos mais belos que já pude presenciar em um velório..

E certa noite Agustim teve um sonho.

Uma certa noite Agustim sonhou que uma santa lhe surgia, e que tal santa era Maria, e era a Mãe do Salvador. E o que a Mãe do Divino Amor, tão bela, nobre e serena, vinha à cidade pequena para prestar-lhe um favor. E que a santa lhe ordenou, sempre falando em poesia, que a Casa Santa Maria afinal desecantou. Que Agustim e descendência mudassem de residência para expandir seus negócios, e que tivesse paciência que a Divina Providência estava ao lado, qual sócio. E pra findar a poesia e a beleza ser tanta, a Casa Santa Maria ia exibir, noite e dia, a imagem de Maria, a imagem de uma santa...

Levou naturalmente alguns anos para que o sonho da loja da santa se concretizasse. Primeiro se fez a casa do Açude Velho. e só uns três a quatro anos depois é que a loja com as duas portas de ferro finalmente estava pronta. O pintor da santa veio de Recife, e juntou gente para ver, como se fosse não uma representação, mas uma epifania. Havia naturalmente os pessimistas praguejadores, e dizem que, diante do que se julgava ser um gasto exagerado e louco para o comércio de uma cidade pequena:

- "Ele tá lascado..."

Mas não, a inauguração foi um sucesso, teve gente pra danado comprando, e se viu pela vez primeira uma loja naquele pequeno sertão que queria imitar as grandes lojas das metrópoles, que não fechava inclusive para o almoço, que distribuía gentilezas aos fregueses, com mensagens escritas coladas em estátuas, e principalmente no tratamento ao freguês:

- Pois não, meu irmão, ás suas ordens!

Na década de 70 houve ainda a grande expansão, com mais uma porta de ferro sendo aberta, e sendo que Agustim passou também a vender móveis, confecções, calçados, e artigos funerários. A idade, a ida dos filhos mais novos para a capital, o desinteresse dos demais pelo comércio, quase fazem Agustim quebrar nos anos finais dos 80, mais ele se segurou, e hoje ainda resta lá o prédio e uma loja, mas com artigos diferentes, a cargo do caçula, Anderson. Um terço do prédio coube ao filho mais velho, por decisão de Agustim, e os dois terços restantes são dos demais herdeiros, sendo que quatro se recusam aabsolutamente a negociar suas memórias e seu patrimônio, embora se disponham até fazer eventuais reformas para a venda das pequenas partes dos interessados, desde que o valor da reforma seja abatido em área do terrrenos a negociar. Eu sou um dos imutáveis.

Agustim inventou ainda, na década de 70, uma feira de sábado anual em que a Casa Santa Maria, já com a expansão para venda de móveis, dava um desconto de vinte por cento em todas as mercadorias. AInda houve algumas dessas promoções, e a loja ficava tomada de gente desde a manhã até á noite, sendo uma grande feta na cidade. No caixa da loja, se sentindo importante e rico, mas sempre prestativo, só alguém da mais estrita confiança de Agusitm, alguém como Nanim.

A loja era toda vermelha, ou encarnada, mas a Imagem da Santa foi pintada em tons róseos e azuis, talvez uma homenagem à amada imortal, Anatilde, que era um rosa, e que doou de bom grado o seu gadinho e suas queridas cabras azuis.

Que Deus os tenha a ambos, em seu rebanho multicor.



                                      Antônio Adriano de Medeiros
                             
                                      João Pessoa, 27 de outibro de 2012.






sexta-feira, 26 de outubro de 2012

E descansou no Sétimo Dia?

                                              
Nada a declarar!
Tou em descanso, hoje.
Explico aí embaixo.

absaam

                     NOVOS ESCRITOS DE NANIN


           ESCRITOS RELIGIOSOS DE UM BOM MENINO




"E DESCANSOU NO SÉTIMO DIA?"


              "E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, porque estava completa."  Gênesis, II, 2



Eu ás vezes chamo Ele de Papai do Céu,
outras de Santo dos Santos, e ainda em certas
de Deus mesmo, assim como todo mundo chama,
inclusive aqueles outros que sabem muito sobre Ele
e se zangam um pouco comigo só porque notam
que Papai do Céu gosta mais de mim do que deles,
e eles ficam muito enciumados porque parece que tem uns
que queriam mesmo era namorar com Ele, com Deus,
tem uns aí que pensam que são as namoradinhas de Papai do Céu.

O fim coroa a obra, e Ele só parou para descansar quando percebeu
que Sua Obra, que toda a criação do mundo estava completa,
e mais que isso perfeita, e com a maior tranquilidade do mundo
armou sua redona lá no céu - um traço grosso de Lua que Ele é grandão -
parece que numa noite de sexta-feira. E abriu o vinho, assou o pão. Ouviu música,
Deus ouviu a viola de pastores, bardos sonhadores que arrebanham estrelas,
e um deles se chamava El Omar de Melro.

Depois Ele gostou tanto do descanso que deu de se espreguiçar
em mais dois dias da semana, de acordo com a casa onde esteja.
Uns dizem que foi por causa da Música, outros... Deixa pra lá!

Mas eu sei que foi por causa de Eva, foi por causa da Mulher.

Senão, vejamos: é da natureza mesma do Criador a criação contínua,
ou Ele não seria o Criador - Em verdade, Ele não para nunca, Ele jamais parou,
ou tinha parado, em milênios e trilênios, amém, aí depois que certo dia,
que uns dizem ter sido o sexto, tendo criado um certa criaturinha de curvas
agradáveis, notou que ela era boa, pela primeira vez percebeu
que tinha criado algo que prestava, algo que tinha futuro, dava até
pra sair gente ali de dentro, e Deus pensou e se sentiu bem,
se surpreendeu muito com sua capacidade de criar, e dizem que foi nesse dia
que inventou a Poesia, coisa muito parecida com Dassanta de  Elomar.

Deus gozou mesmo foi quando criou a Mulher.

Mas Ele nunca foi preguiçoso, não! Em verdade em verdade vos digo,
nunca parou, pois em seu descanso é só pra fazer Poesia.

Essa mentira de que Deus descansou no Sétimo Dia Ele criou,
Ele mesmo deixou correr tal boato, devido a seu grande amor
pela humanidade - para nos lembrar de usufruir da vida!

Primeiro Ele notou, porque gostou primeiro de um povo muito sabido,
do povo da família de Eva, que eles precisavam de um dia para descansar,
para ficar em casa convivendo com suas lembranças, suas tradições,
educando suas menininhas tão lindas e sábias e os molecotes metidos
a sabidos, alguns meio doidos,  e ainda cumprindo seus deveres sagrados;
e que tudo isso necessitava de tempo, de uma noite e um dia inteirinhos...

Mas havia os invejosos de sempre, assim como os falsos pastores de hoje,
e os reis, e os poderosos e donos de terra, que queriam cobrar daquele povo
que Deus sempre gostou muito assim como deve gostar um pouco de mim,
que eles fossem como escravos de suas leis, das leis dos falsos pastores
reis e poderososos donos de terra, aí Deus lá de cima gritou - Não! -
e mandou o recado escrito lá naquele livro que você conhece, Tá lá!

Aí quando aqueles... Esses aí de cima que eu falei, os escravizadores,
vinham cobrar do povo eleito, eles mostravam o livrinho, "Olhe mas o deus
da gente disse isso, Ele gritou lá do Céu, já faz tanto tempo, e nesse Dia
de Descanso a gente só trabalha em derradeiro caso, para salvar uma vida,
por exemplo, e tal, e o sinhô que é um homem bom e inteligente e temente
a Deus, seu deus tão bom e justo, vai compreender que a gente sempre está
com a maior vontade de trabalhar para o sinhô, mas aí Deus disse isso,
a gente não pode deixar de respeitar quem nos criou, nos educou, né, sinhô?
Modos que no Sábado, basta um dia, a gente não pode fazer nada...
O sinhô entende que a gente respeita Ele como respeita e gosta do sinhô, né?..."

Muitos anos depois um Rei de Roma, outro tantã chamado Tantino,
estava meio apertado com o povo, metido numas guerras e tal, encandeou-se
lá com um negócio que achou que era só o Sol, caiu, o mundo deu uma girada,
diz lá ele, eu acredito, sou bom menino, respeito os mais velhos, e quando acordou,
pronto, notou que era só botar o povo pra descansar no Domingo que tudo ficava bem
de novo, e não é que conseguiu? - Foi Deus de novo que teve pena dos humanos
e resolveu ajudá-los. E as praias se encheram no Domingo, que Eva  estava lá,

- Imagine quem lá do céu descansa no Domingo, todo-observador!

Ainda teve um terceiro, lá pras bandas do Oriente, mas de doido não tinha nada,
Deus me livre, era um profeta iluminado, no máximo dava uns ataques de convulsão,
mas nada de epilepsia, era quando tomado pela Presença do deus dele, o Grande Alah,
- também para sempre  seja louvado! - pois bem, o santo profeta muito bom
para o seu povo, pra que eles não endoidecessem de tanto trabalhar, ouviu
a declamação de seu excelente e infalivel deus, o Grande Alah, de que o Dia de Descanso
devia ser na sexta-feira, o dia todinho e que assim seja, amém!

Assim foi permitido ao homem o sagrado repouso. Deu trabalho!

Pois veja só como o bicho  humano é metido:
convencidos, não todos, só alguns, mas a maioria, que são sempre iguais
à Perfeição, ao Santo dos Santos, precisaram acreditar que Ele descansou
em seu perpétuo e ininterrupto ofício de Criador - o que seria uma contradição absurda -
para poder ter direito a um descanso, para não endoidecer de tanto trabalhar...

Mas isso por causa daqueles nojentos de sempre, dos maus, dos invejosos
dos eternos escravizadores que se julgam portadores da Voz  e Vontade de Deus,
e que muitas vezes nos obrigam a criar outro deus só pra gente, por que o antigo
foi contaminado por doença venérea que pegou com sua namoradinha...

Eu por mim só paro de criar quando morrer! Ou quando dá uma preguiçazinha
como hoje, que aí encarnei esse Menino, talvez porque o lá de cima queria
mesmo que eu desse uma descansada.

Meu Deus, onde o Senhor deixou aquele disco de Elomar?



Nanin,
um outro, o mesmo Antônio Adriano de Medeiros
26 de outubro de 2012, Paraíba!

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

de boca e flor, viola amor e espuma de onda




"Será que da festa universal da morte surgirá um dia o amor?"

                              
   Thomas Mann, A Montanha Mágica


- Bate, bate, bate coração,
dentro desse velho peito:
você já tá acostumado
a não ser amado, a não ter direito..."

                    Cecéu



Vamos mais com as coisas do coração, que mais belas, mais amenas, e despertam sentimentos mais facilmemte compartilháveis e imensuravelmente gratificantes que aqueles da doença, morte, ossos e apodrecer. Só que hoje, mesmo sem ele tomar a palavra, não posso deixar de falar de mieloma, mas são só minhas as reflexões, viu?

Qual subterrâneo esgoto apodrecido sinistro e fatal que de repente tivesse recebido uma alta dose de amoníaco, sabão, água sanitária, desinfetantes e mesmo um concentrado químico de luz do sol, assim também lá nas profundezas rochosas dos serrotes de meus ossos sertanejos um banho de vida começou a varrer ontem um aglomerado de impurezas e miasmas pestilentos e mortais. Três gentis enfermeiras se revezavam com educação nos cuidados, havendo ainda do sábio esculápio a preocupação com a devida hidratação, para que as indesejadas impurezas fluíssem com a necessária presteza pelos canais de excreção renal, alguns já afetados; malgrado invisíveis em sua covardia de assassinos microscópios, os expurgados davam a um certo líquido do meu corpo uma coloração mais amarelada, e um odor organico forte demais, semelhante ao "cheiro de remédio". Ainda hoje e amnhã retornarei para uma hidratação segura nos dias de bombardeio inicial das cavernas dos fanáticos por sua teologia da destruição. Grande preocupação é com a ocorrência de febre, indicadora de infecção; agora há pouco ao começar a escrever, a mão direita escorregou automaticamente para uma gaveta onde há um macinho, tão bonitinho apesar da carinha do Zé Serra, de Parlíament, e sacou um cigarro. Um vento frio e úmido me lembrou de fechar  a porta da varanda - confesso que ainda procurei ver se o Corvo estava lá: não estava, nem vi sinais da passagem - e guardei o cigarro, não sem antes dar uma boa cheirada nos demais cigarros do maço, que o fumo do Parlíament é pré-torrado e talvez seu cheiro apagado seja melhor e mais inebriante até do que aceso.


Isso tudo, mormente a descrição da limpeza dos esgotos rochosos, talvez não seja algo muito bonito de se dizer de si mesmo; lembro sempre de um amigo que costuma botar mulheres imaturas oferecidas e indesejáveis pra correr com um método infalível: quando acossado por quem não deseja, começa a falar de antiga micose de que padece, e que tal coisa crônica vai se agravando a ponto de já ter-se tornado uma uretrite e ... já vi três se levantarem ao mesmo tempo quando chega a tal desfecho, nessas festinhas de jovens modernos, univeritários, intelectoliberais.


Todo o parágrafo final de A Montanha Mágica é belíssimo. As Sombras, narradoras do superbo romance, ao verem o heróico "filho enfermiço da vida" que ficara sete anos internado em um sanatório para tuberculosos por ter ido visitar um primo doente nos alpes suíços e apresentado sinais que bem poderiam retratar apenas a dispnéia das alturas, é convencido a ficar um tempo para investigação - e só desce sete anos depois, para lutar na primeira grande guerra - ele se encantara com uma gatinha quente russa, com o iluminista Satã das Luzes, e com um  naftalínico jesuíta medieval da paixão das trevas - pois bem, as sombras, ao descreverem que um obus, uma desgraçada bomba voadora, atingira a cabeça do herói e que ele caíra semi-inconsciente na lama sob poeria e chamas, se recusam a descrever o que se segue a ele, e com a nobreza de Atena olhos glaucos quando disposta a auxiliar Ulisses, passam a se precoupar com o fato de, se depois da festa ancestral da morte, doença, desgraça, fome, miséria, violência e dor que é a Guerra - ressurgiria um dia o amor.


Isso é poesia em prosa da mais pura. Thomas Mann é inigualável nesse requinte.


Pois acredita que uma das preocupações recorrentes de quem enfrenta também a guerra contra uma doença grave é se em sua vida renascerá ainda um único exemplar de rosamor?

É então que entra o forró de Cecéu, que Elba canta, e ouvi hoje na voz da saudosa Marinês.


O poema Boca de Flor teve inspiração numa pessoa de verdade;  filha de uma psicóloga amiga minha, queria se médica a todo custo, e aí por seus  17 anos, um pouco menos, a gente começou a ir sempre, umas vezes por semans, duas, três,  sempre a bons restaurantes de Natal, éramos amigos mesmo, e como que prometidos, mas tinha um problema - a ninfa era demasiadamente Britomártis - ninfa cretense perseguida, desejada, sonhada, buscada em correrias em bosques, montanhas e praias, por ninguém menos que o Rei Minos, taradão, o pai do Minotauro, e, numa dessas perseguições, a ninfa - ó terrível e radical desespero diante do inexorável Mal - prestes a ser alcançada por aquele que a queria tão profundamente a causar pavor, se atirou no mar... Há quem diga que teria virado espuma de onda, mas ainda teme o sexo, sequer suportando falar de Afrodite Vênus quando, por exemplo, Safo a encontra e se dispõe a coneversar com as intenções mais puras...

A minha amiga, quase revelava agora um apelido perigoso, sempre reagia não a coices e pontapés, mas a protestos e reclames e enredos à mamãe, ou outros protetores igualmente fortes (mamãe é pessoa muito boa e delicada, sendo do mundo da arte, também); eu sempre levava no mínimo uma esculhambação toda noite, e teve mesmo o dia em que, tendo bebido Casillero del Diablo - pode haver outro responsável? - ao mudar de terceira pra quarta a mão escorregou e bateu próximo ao joelho da ninfa, sendo tal gesto interpretado por seus olhos e mente vigilantes como algo possivelmente com intenções sexuais (imagine!), e nesse dia os protestos cujo sotaque eu gostava de ouvir, por sabê-los tão sinceros, os gritos foram acompanhados pos azunhadas cruentas, o que me casuou  certo desagrado.


Outro dia a bela precisou de imprimir um texto, a impressora dele tava com defeito, e ela pediu pra ir lá em casa resolver logo o problema. Mas como diz Eclesiastes, há o tempo de poupar e o tempo de deitar fora, e quem não estava inspirado naquela tarde era eu, sei lá, tinha faca ali tinha tudo... Precisou da intervenção de um fuzileiro naval de nossas competentes forças armadas o difícil, raro alvo. Ela havia aceitado ser enfermeira, por sugestão minha, vez que seguidamente levava pau na medicina... Outro dia me reencontrou, bela, educada, cheia de vida, e me pediu pra lembrar do nome da ninfa... Riu pra danado.


O poema
Boca de Flor tem uma verdade muito forte, do medo e desejo e necessidade de amar, coisas que às vezes os jovens brutos nem se tocam, querendo não serem imaturos nem brutos, mas assim a vida prossegue; exclui da dedicatória as iniciais de Britomártis. Às vezes talvez o ocnrário e humildade não é orgulho em excesso, pode ser insegurança também.

Afe, Maria: essa introdução tá longa demais, parece inté A Montanha Mágica. Segue uma
Lição de Jardinagem, agora tão necessária, que o blog já tem noutra parte também, e depois, pra coisa pegar fogo, o Soneto Viola a Dor coisa de cordelista que se mete a escrevr sonetos... Vá se enxergar, violeiro! Se bem que tem certas coisas que dependendo da idade e da condição social, e do grau de intimidade de outrem envolvida, que é melhor faze rno simbólico que no concreto.

Enfim, Espuma de Onda, de Cesare Pavese, que narra o belíssimo suposto encontro e diálogo entre Britomártins  (etimologicamente doce virgem), a ninfa cretense que se jogou no mar com medo dos homens, e Safo, a Poeta, que se jogou no mar por estar cansada de mulheres e homens; uma raridade, foi presente do disitnto Oswldo Ribeiro Filho, edição especial, sempre releio Diálogos com Leucó. Notar certas ironias bastante eróticas, certas censuras veladas, tanto da ninfa para a Poeta, como desta para a outra; di Britomártis - "Você não quer tomar espuma de onda, você preferia mesmo era tomar outra coisa..." 

Também há a felicidade do fato de elas terem virado espuma de onda, e de Afrodite Vênus ter surgido da espuma de onda; Britomártis morre de medo até de falar em Vênus, e quando  Safo se insinua - bem burrinha essa Safo, hein? - sorrateiramente, a florzinha estremece toda e pede pra mudar de assunto - "Não fale nela, menina..."


absaam



BOCA DE FLOR


Quando cruzei com o olhar da tua boca
eu tive medo.
Me senti presa. Vi
o quanto era pequeno, passageiro,
mero repasto
de algo infinitamente poderoso e belo.

Esfinge: és um fingir
que me sagra e me devora.

- A tua boca é um pedaço do Tempo,
flor da Eternidade,
janela esteticamente ornada
ao lado da porta do Caos.



                 Antônio Adriano de Medeiros




LIÇÃO DE JARDINAGEM


          "a rosa vermelha é do bem querer"
                              Ronnie Von


Eu sei que guardas, amor,
na floresta pantanosa,
a tua mais rara flor,
a rosa úmida e cheirosa;
e que a ofertas em louvor
à ocasião preciosa
em que o poder criador
da natureza viçosa
nos impregna o corpo inteiro
do mais puro, mais forte e mais verdadeiro
senrimento que na vida nos é dado.
E eu, que sou um jardineiro dedicado,
sempre antes de colher-te a flor tão rara,
bebo o seu néctar, lambuzando a minha cara.


                       Antônio Adriano de Medeiros





SONETO: VIOLA À DOR


                 “pra quê rimar amor e dor?”
                       

Primeiro a sedução: o doce falar, a rima,
os passos na suave contra-dança...
A melodia pela grande obra prima,
e nesse ritmo é que o poema avança.

Não convém que seja hostil à balança,
tal qual o corpo de uma magricela fina.
Idéia apenas sugerida, uma nuança;
entrando aos poucos: primeiro pôr vaselina.

Corpo perfeito, fina taça, um sedutor
aparato de beleza magnética;
altar sublime de uma divindade estética.

Mas no soneto vou rimar amor com dor!
E é com um tapa violento que o acabo:
rasgo a moral quando adentro por seu rabo.


                Antônio Adriano de Medeiros







                                         DIÁLOGOS COM LEUCÓ
                                                              de Cesare Pavese, tradução Nilson Moulin:

_______________________________________________

ESPUMA DE ONDA

De Britomártis, ninfa cretense e minóica, nos fala Calímaco. Que Safo fosse lésbica em Lesbos é um fato desagradável, mas consideramos ainda mais triste a sua insatisfação com a vida, razão que a induziu a jogar-se no mar, no mar da Grécia. Este mar está cheio de ilhas, e na mais oriental de todas, Chipre, desceu Afrodite, nascida das ondas. Mar que viu muitos amores e grandes aventuras. É necessário pronunciar os nomes de Ariadne, Fedra, Andrômaca, Hele, Cila, Io, Cassandra, Medéia? Todas o atravessaram e mais de uma ali ficou. É de se esperar que esteja todo impregnado de esperma e lágrimas.

(Falam Safo - S -, e Britomártis - B -)

S
Isto aqui é monótono, Britomártis. O mar é monótono. Você que está aqui há mais tempo, não se aborrece?

B
Você preferia ser imortal, sei disso. Não lhe basta tornar-se um pouco de onda que faz espuma, não lhe basta. Contudo, busca a morte, esta morte. Por que você a procurou?
       
S
Não imaginava que fosse assim. Acreditava que tudo terminasse com o último salto. Que o desejo, a inquietude, o tumulto seriam apagados. O mar engole, o mar aniquila, dizia a mim mesma.

B
Tudo morre no mar e revive, agora você sabe.

S
E você, por que procurou o mar, Britomártis - você que era ninfa?

B
O mar, não o procurei. Eu vivia nas montanhas. E corria sob a lua, perseguida por não sei qual mortal. Você, Safo, não conhece nossos bosques, altíssimos, nos despenhadeiros à beira-mar. Saltei para salvar-me.

S
E por que, afinal, salvar-se?

B
Para escapar dele, para ser eu mesma, Safo.

S
Devia? Aquele mortal lhe desagradava tanto assim?

B
Não sei, não o tinha visto. Só sabia que devia fugir.

S
Isto é possível? Deixar os dias, as montanhas, os prados - deixar a terra e tornar-se espuma de onda -, tudo porque devia? "Devia" o quê? Não tinha desejos, não era feita também disso?

B
Não a entendo, bela Safo. Os desejos e a inquietude fizeram de você quem é; e depois você se lamenta de que eu tenha fugido.

S
Você não era mortal e sabia que de nada se foge.

B
Somos feitas disso. Nossa vida é folha e tronco, bolha d'agua, espuma de onda. Brincamos de aflorar as coisas, não fugimos. Mudamos. Este é o nosso desejo e destino. Nosso único terror é que um homem nos possua, nos detenha. Aí sim é que seria o fim. Você conhece Calipso?

S
Ouvi falar dela.

B
Calipso deixou-se prender por um homem. E nada mais lhe adiantou. Durante anos e anos não mais saiu de sua gruta. Vieram todas: Leucótea, Calianira, Cimodoce, Oritia, veio Anfitrite e falaram com ela, levaram-na para fora, salvaram-na. Mas foram necessários anos, e que aquele homem fosse embora.

S
Entendo Calipso. Mas não entendo que tenha escutado vocês. O que é um desejo que cede?

B
Ó Safo, onda mortal, não vai saber nunca o que é sorrir?

S
Ainda viva, sabia. E busquei a morte.

B
Ó, Safo, sorrir não é isso. Sorrir é viver feito uma onda ou uma folha, aceitando a sorte. É morrer sob uma forma e renascer em outra. É aceitar, aceitar a si própria e ao destino.

S
Então você o aceitou?

B
Fugi, Safo. Para nós é mais fácil.

S
Também eu, Britomártis, antigamente sabia fugir. E minha fuga era observar as coisas e o tumulto e fazer disso um canto, uma palavra. Mas o destino é bem outro.

B
Por quê, Safo? O destino é alegria, e quando você cantava o canto, era feliz.

S
Jamais fui feliz, Britomártis. O desejo não é canto. O desejo esmaga e queima, como a serpente, como o vento.

B
Você jamais conheceu mulheres mortais que vivessem em paz no desejo e no tumulto?

S
Nenhuma... Talvez sim... Não as mortais como Safo. Você ainda era a ninfa dos montes, eu ainda não tinha nascido. Uma mulher varou estes mares, uma mortal, que viveu sempre no tumulto - talvez em paz. Uma mulher que matou, destruiu, cegou como uma deusa - sempre igual a si mesma. Talvez nem tenha chegado a sorrir. Era bonita, não era tonta e ao redor dela todos morriam e combatiam. Britomártis, combatiam e morriam pedindo só que o seu nome fosse por um instante ligado ao deles, desse o nome à vida e à morte de todos. E sorriam para ela... Você a conhece - Helena de Tíndaro, a filha de Leda.

B
E essa foi feliz?

S
Não fugiu, isto é certo. Bastava a si mesma. Não se perguntou qual era seu destino. Quem quis e foi suficientemente forte tomou-a consigo. Aos dez anos, seguiu um herói, tiraram-na dele, casaram-na com outro, também esse a perdeu, foi disputada por muitos além-mar, retomou-a o segundo, viveu em paz com ele, foi sepultada, e no Hades conheceu outros mais. Não mentiu pra nenhum deles, não sorriu pra
ninguém. Quem sabe foi feliz.

B
E você a inveja?

S
Não invejo ninguém. Eu quis morrer. Ser uma outra não me basta. Se não posso ser Safo, prefiro ser nada.

B
Portanto aceita o destino?

S
Não o aceito. Eu sou o destino. Ninguém o aceita.

B
Exceto nós que sabemos sorrir.

S
Grande força. Está em nosso destino. Mas o que significa?

B
Significa aceitar-se e aceitar.

S
E o que quer dizer? Pode-se aceitar que uma força roube você, que você se torne desejo, desejo trêmulo debatendo-se ao redor de um corpo de companheiro ou de companheira, como a espuma entre os abrolhos? E esse corpo rechaça e quebranta você, e você torna a recair e gostaria de abraçar o rochedo, aceitá-lo. Outras vezes você própria é o rochedo, e a espuma - o tumulto - se debate a seus pés. Ninguém mais consegue ter paz. É possível aceitar isso?

B
É preciso aceitá-lo. Você quis fugir e é espuma você também.

S
Mas você sente esse tédio, essa inquietude marinha? Aqui tudo esmaga e ferve sem parar. Inclusive o que está morto se debate inquieto.

B
Você devia conhecer o mar. Você também vem de uma ilha...

S
Ó, Britomártis, desde criança me aterrorizava. Esta vida incessante é monótona e triste. Não há palavra que traduza o tédio que nela existe.

B
Houve tempo, na minha ilha, em que via chegarem e partirem os imortais. Havia mulheres como você, mulheres para o amor, Safo. Nunca me pareceram tristes nem cansadas.

S
Eu sei, Britomártis. Mas você as seguiu pelo caminho delas? Houve aquela que em terra estrangeira se enforcou sozinha numa trave da casa.E outra que acordou de manhã sobre um rochedo, abandonada. E depois outras, tantas outras, de todas as ilhas, de todas as terras, que desceram ao mar e houve que fosse escravizada,dilacerada, quem matasse os próprios filhos, quem penasse dia e noite, e também quem nunca mais tocou terra firme e se tornou uma coisa, uma fera do mar.

B
Mas a filha de Tíndaro, você disse, saiu ilesa.

S
Semeando incêndios e massacres. Não sorriu para ninguém. Não mentiu para ninguém. Ah, foi digna do mar. Britomártis, lembre-se de quem nasceu aqui em cima...

B
Que quer dizer?

S
Existe ainda uma ilha que você não viu. Quando surge a manhã, é a primeira do sol...

B
Ó, Safo.

S
Retirou-se da espuma aquela que não tem nome, a inquieta angustiada, que sorri ainda.

B
Mas ela não sofre. É uma grande deusa.

S
E tudo aquilo que se esmaga e se debate no mar é sua substância e respiração. Você e a viu, Britomártis?

B
Ó, Safo, não diga isso. Sou apenas uma ninfa menor.

S
Veja você, de qualquer modo...

B
Diante dela todas fugimos. Não fale nela, menina.







Cesare Pavese,
Diálogos com Leucó.
Tradução de Nilson Moulin.

___________________________________
absaam



                         

terça-feira, 23 de outubro de 2012

hora de agradecer

 mãe e filha sempre encarnam potencialmete duas mães.


É natural que se agradeça eternamente àquela que lhe deu a vida, nutriu, banhou, trocou de roupa, mandou pra escola, defendeu, deu conselhos... Mas minha Mãe, falecida há cerca de um ano e meio, veio me ensinar também sobre os últimos momentos, inclusive os meus - ela morreu de mieloma múltiplo. Tinha 89 anos e seis meses, a doença, depois de causar fraturas espontâneas em antebraço, que ainda foi corrigido,  acabou causando dores de cabeça terríveis e provocou esmagamento da coluna e medula cervicais. Eu não suportava ver, das enfermeiras dedicadas, duas pediram pra sair, não suportaram o sofrimento da santinha...

Aquele sacrifício, aquele Cordeiro imolado, me fez naturalmente refletir sobre o que poderia me aguardar, mas felizmente chego ao dia que inicio a quimioterapia sem fraturas - o bom Dr. Luis Fábio Botelho antecipou em um dia o início do tratamento mais agressivo, atendendo às minha súplicas, vendo a ansiedade e o histórico pessoal.  Todos têm sido bastante compreensivos com o adoentado, que ás vezes se desespera e trata mal secretárias, enfermeiras - sempre se desculpa depois, e recebe um sorriso compreesivo das humanas.

Mas na hora de agradecer à Mãe, eu preciso agradecer a duas. Minha primeira irmã, derna que eu era pixotôtinho, me adotou como filho, inclusive com regalias educacionais, presentes e outros. A mesma segurou uma barra muito pesada quando quiseram me destruir de 2005 a 2008, mais ou menos, sendo que duas psiquiatras, duas colegas, uma pequena galinha pedrês e uma senhora patona, chegaram a defender o abandono total, a venda de todos os bens, mormente os mais preciosos, e recomendarm urgência, sendo que naturalmente se ofereceram para comprar apartamento e carro. Não foram atendidas em seus intentos.

Para que eventuais pregadores e moralistas fdps não me fiquem atazanando nas listas a respeito de coisas já superadas, digo logo que a coisa só parou quandido um antigo diretor do hospital foi ao órgão competente e declarou em juízo que a causa verdadeira era um conflito com a direção da época, ou seja, um choque de conhecimento, que eu sou Nanim, e não tenho o que aprender com assitentes sociais engajadas, psicólogas psicóticas, subpsiquiatras mercantilistas, direitistas torturadores e esquerdistas afrescalhados e pseudointelectruais.

De forma que, hoje, agradeço, como posso, às minhas maiores benfeitoras, o amor exagerado e inflacionário do qual só fui e sou digno por decisão delas.

A palavra alemã "leitmotiv" (pronúncia laitmotiv) pode ser traduzido como "motivo principal e verdadeiro", "causa basilar", ou "condição sine qua non", condição sem a qual não ocorre determinado fenômeno. Gostei sobremaneira, quando escrevi o soneto, da associação entre leite emotivo e leitmotiv.


Obrigado!


absaam



PEQUENINA IRMÃ DO SOL


                   à memória de Anatilde Araújo de Medeiros


Por quase noventa anos
aquela que foi menina no sertão,
adolescente, moça, mulher, madura, vovó,
se levantava a cada manhã, irmã do Sol,
sempre ávida a nutrir a vida
com suas mãos, suas melífluas mãos fotossintéticas.

Primeiro no Sítio Salgadinho
servindo aos pais, irmãos, primos, tios
e aos felizes e bem vindos visitantes.
Logo a santa luziu numa pequena cidade sertaneja
a nutrir, acarinhar e mimar marido e filhos
e o feliz Nanim, que se julgava o rei da casa.

Ó feijão macassar com manteiga de ouro líquido!
Ó farofa dourada, vinte e quatro quilates!
Ó pães assados à tarde para o café!
Ó queijo de manteiga assado até derreter!
Ó carne de sol gordurosa, saborosa, tão macia!
Ó ambrosíaca galinha caipira com fígado e moela para mim!
Ó rica, embriagadora medula óssea de pés, asas e coxas!
Ó macarrão furadinho de almoços especiais!
Ó sopa de carne e legumes, manjar dos deuses!
Ó copos de leite grosso, açucarado e quente!
Ó tardes inequecíveis moendo a comida de milho!
Ó pamonhas e canjicas do jantar de São João!
Ó douradas manhãs do despertar pra ir á escola!
Ó banhos longínquos na calçadinha do Açude Velho!
Ó alegria no rosto, Zeladora do Coração de Jesus!
Ó fogueiras sempre acesas em minha memória!

Ó pronúncia inesquecível de "Agustim", chamando o meu pai.


                             *         *         *


Mas naquela manhã ela não se levantou irmanada ao Sol.
Voltara à ser terra, agora era irmã da Terra,
se entregara para sempre à sua Natureza de Mãe

O botão de rosa, a flor, o fruto, a árvore
que nutrira e acolhera a tantos sob sua sombra hospitaleira,
e sem ligar para o quantos umbus nós pegássemos
- seus umbus eram infinitos enquanto ela durasse - 
agora voltara a ser apenas uma semente.

Urgia replantá-la em local adequado.

Agradecemos aos céus do sertão
que não foram indeiferentes á chegada da boa semente.

Como choveu naquela manhã!

Obrigado, Senhor!
Obrigado, Senhora!


           Antônio Adriano de Medeiros
           João Pessoa, 24 de outubro de 2012







 MÃE


                      para Maria Deusa de Medeiros


No botão de rosa da boa judia
- deleite de filhos, amantes, perversos -
branca substância que molda e que cria,
estranho segredo de escrever versos.
No coração terno da virgem Maria
sangue que alimenta sexo e sacrifício
- Força que ensina a fazer poesia;
Mãe de amor e ódio, de doença e vício.
O leite emotivo desse botão róseo
se derrama em camas e horas incertas
- abraço que suga de pernas abertas -
embora o bom senso sugira que dose-o.
- O leitmotiv, razão do que sou,
talvez seja mesmo esse antigo amor.


               Antônio Adriano de Medeiros












Zoo - a greve no céu

 Brasil, 12 de outubro de 1995, um pastor chuta uma imagem sagrada para outra Igreja.

Hoje vamos brincar, vamos cantar, vamos ficar em companhia de santos, almas boas e pacíficas, se bem que, por bom humor e eivado apenas do desejo de criar uma história, os bons santos católicos - Santa Igreja com a qual comungo - hoje estarão raivosos, amotinados, ameaçando uma Greve no Céu, estando em Seu Perfeito, Sereno e Sábio, Equilíbrio  - apenas o Mestre dos Mestres, o Bom Jesus que, estando naturalmente no Seu Reino, ora fala como Ele mesmo, ora como o Pai.

O cordel, o poema, bastante satírico, reporta-se a um período conturbado entre os credos católico e evangélico (neopentecostais) no país, o episódio do Chute na Santa: "Chute na santa é o termo pelo qual ficou conhecido e pelo qual a população brasileira se refere, ainda hoje, a um episódio controverso ocorrido no dia 12 de outubro de 1995, quando um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus chuta uma estátua retratando uma santa católica. Durante o programa matutino O Despertar da Fé, transmitido pela Rede Record, o até então bispo Sérgio von Helder proferiu insultos verbais e físicos contra uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, à qual se dedicava o feriado do dia. O bispo da Igreja Universal protestava contra o caráter do feriado nacional de 12 de Outubro - Padroeira do Brasil -  não aceitando a crença da Igreja Católica. O acontecimento provocou forte repercussão em grande parte da sociedade brasileira." (wikipedia)

O poema defende que, diante da agressão à imagem da colega, os santos católicos exigem uma tomada de providência, e ameaçam fazer Greve no Céu, saindo também das paróquias para provocar santas agitações nas ruas de Terra e Céus, caso Aquele Que Pode não  tome uma atitude reparadora.

O verbo "enredar", no sertão, é fortíssimo: enredar significa tornar alguém poderoso ciente de grave falha ou erro de alguém menos poderoso. Por exemplo, se um irmão sabe de uma traquinagem de outro, ameaça "enredar a paínho" tal escorregão, com isso conseguindo favores do outro irmão, tipo chantagem. O xeleléu é o babão, o eterno bajulador, sendo que xeleléus de políticos, ricos e poderosos, é o que mais tem no Brasil inteiro. E parece que não só aqui.

E finalmente há a necessidade de explicar os  versos "Vou chamar PT e CUT pra organizar a greve":  hoje não se pode negar a importância do PT, partido dos trablhadores, na vida política brasileira, tal importância só um cego pode insistir em não ver - não sou petista, mas votei com o partido várias vezes. Mas houve tempos em que o PT e a CUT - central única dos trabalhadores - eram satanizados, eram vistos apenas como agitadores e grevistas, xiitas, radicais; para tentar dar, naquele tempo, uma dimensão longa, organizada, à greve que propunham, um dos santos quis chamar os competentes organizadores de greve para auxiliá-los.

E o mais o próprio poema conta. Lá pras tantas, Bom Jesus, que é poeta como eu, irritado e sem mais argumentos diante dos ímpetos vingativos das almas santas - imagine uma greve que paralilasse o perpétuo chegar de almas no Céu, vindas ora da Terra, ora do Purgatório; eventuais contendas com  a gente do Inferno... Ia ser um Caos no Céu de novo! -  pois bem, em sua Ira sempre Divina, Peixe muda o número e a sequência, as rimas inclusive, de versos das estrofes finais,  dá como um  murro na mesa de negociações, e diz que não vai fazer é nada, decerto querendo dizer que tais reuliços fazem parte da História e da Evolução de um povo, de um país.

O Peixe é mesmo um Sábio: gosto muito Dele.


absaam




A GREVE NO CÉU


A Deus eu peço perdão
antes de contar a história:
não sei com exatidão
se tal saga tão inglória
não passou de ilusão
de minha pouca memória.

A influência ilusória
que no mundo há hoje em dia
já contaminou política,
ciência e astrologia,
tendo chegado até onde
pensei que não chegaria.

O verso que se inicia
eu vou cantar de improviso,
discorrendo sobre um tema
duvidoso mas preciso:
vou-lhes contar a história
da greve no paraíso.

- "Terá perdido o juízo
o poeta dessa vez?"
- Se pensam assim, leitores,
eu não censuro vocês,
pois também duvidei muito
do que vi: mais de um mês!

Mas poeta de meu jaez
nunca falta com a verdade,
e podem acreditar
que houve a calamidade:
um dia, o paraíso
quase para a atividade.

Sant’Agustim, sem maldade,
certo dia acordou cedo
e foi queixar-se ao Senhor
de um tal Bispo Macedo,
fazendo tanta ameaça
que até Deus teve medo.

E o santo fez enredo
sobre uma grande besteira:
- "O Bispo fala de nós
de forma tão traiçoeira,
que nem mesmo Satanás
debocha de tal maneira."

E então contou a asneira
que fizeram a Aparecida:
que - "Só por ser brasileira
aquela santa querida,
levou furiosos chutes
de uma alma atrevida."

E que a santa entristecida
foi queixar-se a seus iguais,
e que os santos, revoltados
quando ouviram os seus ais,
articularam uma greve
nas hostes celestiais.

Pra não perturbar a paz
daquela santa nação,
dos santos estava vindo
uma representação
pra pedir que os evangélicos
recebessem uma lição.

Deus deu Sua opinião
tentando conciliar:
- "Deve haver uma maneira
de tal cisma se evitar:
não quero greve em meu reino,
vá lá lhes comunicar!"

Nem bem parou de falar
e chegaram os revoltosos:
alguns estavam até calmos
mas outros vinham raivosos,
e a santa Aparecida
tinha seus olhos chorosos.

Lá no meio dos raivosos
vi Tomé, Rita e João.
Sebastião trazia flechas,
Ciço tira o cinturão,
e o pacato Francisco
traz um cacete na mão.

São Pedro, de supetão,
sem nem tirar o chapéu,
diz assim: - "Não tem vergonha,
ou de crente é xeleléu?
Se não tomar providências,
vai haver greve no céu!"

E com sua voz de mel,
Maria falou assim:
- "Amado, eles são cruéis,
deram pra falar de mim:
desfazem de minha honra,
dizem que fui mulher ruim..."

Padim Ciço diz: - "Pra mim,
que briguei com Lampião
e desafiei o Diabo
nas terras lá do sertão,
ou tu tomas providências
ou deves satisfação!"

Também o primo João
perdeu cabeça e estribeiras,
e gritava: - "A crentaiada
só tem venais e rameiras:
vou queimar a raça toda
nas minhas grandes fogueiras!"

- "No Monte das Oliveiras"
- Respondeu então Jesus,
que era o mesmo que o Pai
e cuja voz tinha luz -
"Eu fiz bonito sermão
antes de morrer na cruz.

Naquele tempo, supus
que o amor há de vencer
a mais sórdida mesquinhez,
e por isso ousei dizer
que é amando uns aos outros
que nós devemos viver.

Devo-lhes esclarecer
que o ódio no coração
só leva à decadência,
à morte, à destruição.
E por isso os advirto:
ajam com meditação!

Pois nunca nesta nação
houve revolta ou motim,
vão crucificar de novo
como já fez gente ruim?
Quem prega a favor do ódio,
anda a pregar contra Mim!"

Respondeu-lhe São Joaquim,
que de Jesus é avô:
- "E o Senhor inda acha
que eles agem com amor?
Agrediram Aparecida,
zombaram de sua cor...”

São Pedro grita: - "O Senhor
agora está de que lado?
Do lado dos seus fiéis,
ou do Bispo endinheirado?
Parece até um político
que só pensa em ser votado..."

- "Ó Pedro, olha o cuidado
ao cobrar fidelidade:
não te esqueças que negaste
Meu Nome pela cidade,
quando foste interrogado
da noite da vil maldade!"

- "Deus, mas me diga a verdade"
- palavras de São Tomé -
"o Senhor vai permitir
que a turba de Lucifé
tome conta do rebanho
de Jesus de Nazaré?"

- "Me perdoe, Mestre que É"
- agora era Madalena -
"mas muitos cá dentre nós
tombaram em feroz arena,
defendendo a Tua Fé
contra o leão, a hiena!"

- "Não sei se valeu a pena"
- São Jorge falou então -
“ter-se transformado em mártir
e exemplo de cristão,
pra ser hoje achincalhado
por qualquer pastor ladrão!"

- "Ali tudo é canastrão!"
- São Pedro não pega leve -
"Se não tomar providência
contra o bando de almocreve,
vou chamar PT e CUT
pra organizar a greve!"

- "Se não tiver quem te leve,"
- São Jorge continuou -
"eu empresto o meu cavalo
ou as passagens te dou.
Mas só traz gente xiita
que é pra greve ter valor!"

- "Caro Jorge, por favor,"
- Pediu o Mestre da Fé -
"xiita é uma expressão
da gente de Maomé.
Vamos deixar de ironia
que grave o momento é."

- "De Shiva ou de Lucifé!"
- Gritou São Pedro, zangado -
"Eu não posso é aceitar
ver meu nome achincalhado
e o Senhor não fazer nada
como um deus afrescalhado!

Tudo aqui tá preparado
pra greve ser verdadeira.
Vamos sair das igrejas:
sem festa de padroeira
a Santa Sé passa fome,
pois só fica a dançadeira..."

- "Pedro, não diga besteira:
respeite Padre Marcelo!"
- era Jesus quem falava -
"Isso em ti não fica belo:
Eu vou descobrir um jeito
de não usar o cutelo."

- “Não vai sobrar um farelo
da vera Igreja Cristã!",
- grita um, e logo outro:
- "Só vai sobrar seita anã
se não tomar providência:
não espere o amanhã!"

- "Minha Obra não é vã
- respondeu o Criador -
"pra morrer amofinada!
E vocês se deem valor,
santaiada revoltada:
aqui sou Mestre e Senhor,
e não vou fazer é nada!"

Em Sua ira sagrada,
Bom Jesus se recolheu.
Ele pode mudar versos
que é poeta como eu.
Os santos tiveram medo
e foram dormir mais cedo,
e a greve ali morreu.


Antônio Adriano de Medeiros
Zoológico Fantástico

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

diários - mieloma em crise existencial



Preciso, por bem, dar antes informações digamos técnicas sobre Mr. Mieloma Múltiplo; seguem duas interessantes, uma mais amena, a outra nem tanto, que a doença tem tratamento, controle e, em tese, cura, mas é sempre um câncer, um tumor maligno da medula óssea.

"O mieloma múltiplo é uma doença crônica que pode ser tratada e controlada por tempo muito prolongado e o paciente poderá ter uma vida normal, com as atividades pouco interrompidas se seu tratamento e seguimento for realizado corretamente. Por essa razão tal patologia não deve ser encarada como uma doença fatal, em que o paciente terá pouco tempo de vida, pois com os novos avanços, a terapia para o mieloma é possível e o paciente pode permanecer anos com a doença controlada. Por essa razão converse com seu médico sobre a patologia e faça os questionamentos que julgar necessários para que se sinta seguro em relação ao seu tratamento e prognóstico."  ( http://www.abrale.org.br/doencas/mieloma/ )

"O mieloma múltiplo é uma doença rara e de diagnóstico nem sempre claro. É um tipo de câncer dos plasmócitos, que são células produtoras dos anticorpos imunoglobulinas. Ele não se apresenta na forma de tumores ou nódulos, suas células ficam espalhadas pela medula óssea. Normalmente elas representam menos de 5% da composição da medula. Quando a pessoa tem mieloma, os plasmócitos crescem em número superando os 20% do total das células da medula óssea, podendo chegar a até 90%. "Essa doença é muito sofrida e a sobrevida média de um paciente, com tratamento, é entre 3 e 4 anos", informa Vânia Hungria, professora de Hematologia e Oncologia da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo."  ( http://www.portaleducacao.com.br/farmacia/artigos/162/mieloma-multiplo-doenca-rara-requer-diagnostico-rapido-e-preciso )

Bom, o que posso dizer é que o Sr. Mieloma Múltiplo persiste em seu trabalho diário aqui no blogue também, e quem sou eu para recusar colaboração tão rara? Hoje ele se apresenta direitinho, diz quem é, a que veio... Vai falando, vai se expondo, vai se autovangloriando, e de repente, degringola numa crise existencial estranha, coisa só possível em um câncer poético...

Parece que não é muito agradável nem fácil defender o Mal, definir-se como sendo do Mal, dizer-se ligado ao Mal, preconizar o Mal, encarnar o Mal e dizê-lo... Durante curtos intervalos de tempo, até que se consegue, mas não dá pra ser uma coisa continuada... Lembro que, nos anos 90, senti grave mal-estar numa palestra que fui assistir de um perito do INSS, e quando ele começou a dizer que tinha "orgasmos" (sic) quando negava uma perícia, quando desmascarava alguém que se pretendia doente para fins de benefício, não consegui mais ficar na sala. Palestras com torturadores oficiais, não, felizmente não fui obrigado, sou da turma mais jovem, já sou das luzes... Mas conheci e conheço perigosos reaças machos e fêmeas (e machos-e-fêmeas), velhos e jovens, que se bem trabalhados... De esquerda  e direita, devo dizer.  Já ouvi cada uma... Outro dia um professor, isso há uns cinco ou seis anos, era diretor lá de onde trabalho, hospital psiquiátrico público, e numa crise de mudança de direção no referido hospital, que fica em Natal - RN, onde  a nova diretoria nunca tivera experiência com psiquiatria de verdade, a não ser o aludido professor, pois bem, numa crise de mudança, uma criatura lá, estranhíssima, mulher de voz bem grossa, dita psiquiatra, e um infectologista que chegou não sei de onde, de voz doce, delicada, pois bem, os dois cismaram de me impedir de presecrever medicamentos por via venosa para os pacientes... Claro, a coisa se agravou, foi longe, mas lembro que o professor, tentando ser diplomáttico, digamos, saiu-se com essas: - "Adriano, por que voce não dá uma injeção no músuclo e manda conter no leito?" - "Tudo bem, sábio e competente hipocrático, mas quantas horas ele vai ficar gritando e se debatendo?" - "Ah, Adriano, você tem que aprender a suportar ouvir gritos..."

Outros, aqueles dos patrões, dos sábios, dos bons, dos pregadroes, dos poderosos, eu já sabia, já os ouvia, e amiúde, mas ouvir gritos de sofrimento e desespero e não fazer nada para debelá-los...

- Saúde, Mental!

Pois é, os diários de um mieloma múltiplo prosseguem hoje, "os heróis do bem prosseguem na brisa da manhã..."  Como informei antes, ele tem uma crise existencial, se mostra ambivalente e contraditório ás vezes, mesmo paradoxal... Câncer também dá piti! E ao final gritou uma expressão que eu bem sei que era um pedido de poema, um soneto meu, pubicado na I Antologia de Escritas, lá em Portugal, cujo nome é Epitáfio, a inscrição sepulcral, breve elogio fúnebre encontrado em certos túmulos, nas necrópoles.

Bom, pela crise existencial do Sr. Mieloma, inclusive em respeito à mesma, resolvi colocar uma introdução anates de seus diários, e fui buscar a Pensata, uma idéia, um pensamento.

Agora, uma coisa interessantge, até engraçada: um amigo de João Pessoa, médico jovem, culto, competente, da Academia, naturalmente tem bom gosto e aprecia escritos meus... Daí que mandei uns pra ele, com o endereço do blog. Mas quando, diz ele, clica no link, o que surge é uma página de "estudos bíblicos", ás vezes até em inglês... Esse Câncer é danado!

O jeito agora é escrever o endereço letra por letra e esperar abrir.


absaam



PENSATA


E mesmo que tudo isso
- pensamentos, emoções e palavras -
fosse apenas o resultado
de secreções cerebrais,
ainda teria o valor inequívoco
de ser dirigido a um determinado fim,
além de propiciar prazer
não apenas àquele que as tem,
mas também aos que o acompanham
na aventura única  a que chamamos Vida.



                Antônio Adriano de Medeiro
                2003





diários de um mieloma múltiplo - 4



- Ai, estou exausto! Quanto trabalho: eu me gasto em soldados castos, blastos e clásticos!

Sou cáustico, sou álgido, sou hemático,  mas sou tão sutil... No início, rá, rá, que depois pego pesado, racho, quebro, fraturo, faço desmoronar, provoco caretas terríveis e gritos desesperados, horror, pavor, convulsões, delírios, desespero extremo... e depois, mato!

Se sou cruel? Que nada, isso é apenas de minha natureza... Eu sou assim, precisei ser assim para poder existir, esse mundo é muito competitivo, como dizem até aqueles... que me perseguem.

Sou um Mieloma Múltiplo. Da estirpe dos cânceres do sangue, posso dizer que, pela fama, sou o terceiro, após as leucemias e os linfomas. Mas sou danado, em minha arte sou muito competente...

Descobri, tanto por curiosidade, informações, como por uma espécie de sexto-sentido que criaturas como eu têm, que era possível, ali no âmago úmido rubro e quente das rochas vivas onde grassa o rio vermelho da vida, introduzir uns soldados jovens demais para defender o país corpo que há tempos vinha espionando... Tudo começa assim, bem simples, substituindo-se uns poucos soldados do sangue, células de defesa dizem aí, por meus plasmócitos, jovens, dispostos, imaturos, e se multiplicando mais rápido que os assim chamados leucócitos normais, e de repente a defesa do corpo percebe que foi lograda, que houve uma introdução de soldados imaturos e sabotadores nas linhas de defesa do território e do funcionamento do país...

Aí já é tarde demais, começou a diversão.

Claro que sempre preferirei o bombardeio eficaz, optaria logo pelo ataque ósseo direto, o choque osteoclástico, a fratura patológica, a compressão medular... Aí a vítima já fica com graves limitações dos movimentos voluntários, ou mesmo os perde por completo, e só nos resta apossar-mo-nos, meus blastos e clastos e a grei pequenina de fungos e bactérias, do nobre repasto, do merecido banquete, do digno e justo sacrifício aos deuses imortais.

Não sei por que, no caso específico do moribundo atrevido que me hospeda a contragosto, agi de forma diferente, dei bandeira, demorei muito com os pródromos hematológicos, ele ficou uns dois meses ou mais com aquela palidez, aquele emagrecimento, em suma, aquela gritante anemia, e poderia ter-se safado rápido, uns daqueles... até que alertaram, não sei se havia algo ou sei lá O Quê querendo avisar ao verme de ar e lama...

Mas agora já o faço sofrer mais, já comecei, felizmente, a destruir seus ossos. Preciso ser rápido, efetivo, pois fui informado que daqui a três dias começam a me dar o coquetel mortal, a mim, um legítimo dos numes eternos, um Câncer, uma aberração constelante, um deus da criação aleatória surrealista e psicodélica, um monstro, uma doença com nome de constelação... Quanta petulância, quanta ousadia, quanta... - Blasfêmia!

Está bem magrinho, vê-se facilmente as veias azuis nos antebraços, e alguns detalhes ósseos ficam bem definidos sob a pele... Há três dias precisou transfundir novamente células vermelhas, com medo, coitado, muito medo, recebeu de seus irmãos paraibanos, anônimos doadores de vida e esperança, musicais mangues cheios de vida, saudáveis filantropos que não querem aparecer nem parar de salvar vidas... Nossa, como ouviu repentes de viola àquela noite! O que diabo era aquilo, Minha Moira Má? Que felicidade estranha num corpo de moribundo, que euforia ouvindo aquelas melodias primitivas de viola e rude voz, e se acabando de alegria num galope à beira-mar... Confesso que tive medo e pena dele ao mesmo tempo, porque descobri que havia me alojado no corpo de um inocente, de um louco... Um pobre louco, no mínimo um sonhador... Será que ele é mesmo um poeta?

O filé que entra é a merda que viceja.

Poetas são grandes homens, são homens fortes, pessoas bem relacionadas, têm amigos importantes, são famosos, alguns até ricos... Mas meu moribundo não é nada disso! E mesmo que fosse um poeta, qual o problema?  A matéria de seu corpo me parece mesmo de sabor mais agradável...

Durou pouco, porém, minha apreensão, minha reflexão, minha dúvida: o que quero é a matéria, é o corpo, e tanto faz se de um louco, se de um moralista ou outro hipócrita de merda qualquer, eu preciso é fazer o meu trabalho... Essa coia de se meter com poesia é complicada...

Acredita que por vezes tenho pensado que posso ser um câncer romântico? Tenho gostado de me conhecer melhor, de pensar um pouco na própria existência, e ás vezes, penso até em adiar um pouco os efeitos mais graves, dar uma chance ao verme moribundo, pois minha natureza poética assim expressa em palavras depende dele... da sobrevivência dele...

- Xô, Coisa Ruim! Pela precisão do corte da Moira Má, o que estará acontecendo comigo? Para que invadi um corpo estranho assim, de um parente tão próximo dos loucos, dos deuses pois, estarei eu também enlouquecendo, fraquejando, amolecendo, me afrescalhando?

Vou prosseguir, já passou mais, estou voltando ao normal, mas talvez precise fazer análise... Essas coisas nunca aconteceram comigo, nem com outros membros de nossa família... Preciso rever isso, discutir com a Mãe Moira, com as Erínias, com os Gigantes, com os Ciclopes, com Hades, com Medéia...

O meu modo de agir, a estratégia bélica, é sempre, partindo da medula óssea com os plasmócitos invasores, ocupar espaços ósseos, de preferência vértebras, que são mais fininhas, mas todos os espaços possíveis, e mandar os clastos irem comendo o tecido mineral. Persisto, claro, agravando a anemia, ocupando a medula óssea com meus blastos, e logo provoco danos renais, por subprodutos protéicos bastante efetivos que os sei produzir, e ataco ainda as plaquetas, praguejando hemorragias fatais...

Assim, me sinto melhor, assim fico bem... Mas de onde vem esse cansaço, essa indisposição, esse sentimento de culpa? Qual o problema de existir?

Eu sou apenas um pobre Cãncer, um mieloma múltiplo, e não tenho culpa de ser assim...

Ai, de repente me conscientizei de que aquilo que faço não é muito bonito...

Pensa que é fácil ser deselegante, doentio, patológico, ligado á Morte, indesejado, mal vindo, feio? Eu sou um nobre, eu tenho orgulho, eu tenho sentimentos...

Olha, desculpa, hoje não me sinto muito bem, vou parando por aqui... Mas de onde vem esse desejo de gritar que façam sempre epitáfios para mim?

Agora me deu vontade de rir. Gargalhar.

Sou mesmo muito estranho...



                                                       
                                                                                   mi eloma aam







 EPITÁFIO


Quando forem ao derradeiro abrigo
os tristes e frágeis ossos meus
- separados para sempre dos teus,
ó mulher que amei; ó raro amigo; -
quando enfim estiverem num jazigo
os meus ossos raquíticos e plebeus,
indiferentes a qualquer inimigo
- lei, verme, ou qualquer pequeno deus -;
virá Cronos - motor da eternidade,
dos deuses o de maior voracidade -
devorar como pó o meu marfim.
Mas como eu sou filho da Poesia,
o bom Vento, que é pai da melodia,
fará sempre epitáfios para mim.


            Antônio Adriano de Medeiros
            Antologia Escritas número 01
            Direção de Edição: José Felíx
            Primeira Edição: janeiro 2004
            Edição: Encontro de Escritas