quinta-feira, 28 de junho de 2012

Cinzas da Fogueira



Foi uma fogueira bonita, ela se bastou por si mesma esse ano, não precisou de fogos: resplendia nostálgicos fantasmas.

A casa onde nasci, que era á beira de uma açude, ficava tão cheia nos dias de São João que era preciso ir buscar colchões na loja, além de distribuir visitantes em casas de amigos. Era tudo gente feliz, cheia de vida, e gente bonita.

A Velha da Foice foi pouco a pouco fazendo seu trabalho, e só entre 2010 e 2011 levou três duma vez, e eis que Melancolia apagou a fogueia ano passado, e esse ano a Fogueira contou apenas com quatro participantes dos originais, dos irmãos pétreos, mais duas gentis e belas jovens.

Seguem dois poemas: Cinzas de Fogueira - Um Poema no Sertão, e Para Saanta Luzia.

O primeiro narra a saga de um poema que se aventura no nsertão, e logo sente os espinhos da caatinga na cavalgada. Ele termina se assertanejando, que o sertão transforma tudo,

Para Santa Luzia é um soneto escrito nos bons tempos, a 13 de dezembro de 1991. Quando a gente vai pra Santa Luzia, á noite, daindo do litoral, e desce a serra,  ali antes da ponte vê as luzes da cidade pequenina.



CINZAS DE FOGUEIRA - UM POEMA NO SERTÃO

São ásperos.
Têm espinhos.
Os versos abrem caminhos
vermelhos
na pele do poema,
porque ninguém vai ao sertão impunemente.

Só os poemas vaqueiros,
os poemas cangaceiros
têm as vestes adequadas
- A cor deles
sobrevive incólume
ecoando arcaica solidão
na monótona métrica.
na melodia melancólica,
na rima pétrea

- com precisão!

O poema sente a minha sede
e sua
porque o calor ateia fogo no vento.
A teia de aranha
prospera pouco a pouco
e n'algum canto recôndito
da alma germina
a semente sêca
do pó, das cinzas, dos ossos sós,
dos muitos sóis daquela solidão.

Logo o poema conhecerá
em si mesmo
a raiva cega, muda e arrasadora,
a marca indelével dos injustiçados.

- Já sabe a cor deles!

Certos anjos
são incertos anjos,
são andrajos
sertanejos.



Antônio Adriano de Medeiros
Natal, 28 de junho de 2012





PARA SANTA LUZIA

Quando o carro em que viajo desce a serra
logo à esquerda identifico teus sinais
como um aceno de boas-vindas da terra
ao filho que retorna à casa de seus pais.

E os meus olhos, da estrada já cansados,
repousam quietos, impregnam-se de esperança
como se fossem no Açude Velho banhados
com imagens inesquecíveis dos bons tempos de criança.

Santa dos Olhos, Santa da Luz que é Vida,
tua lembrança jamais será esquecida
por este filho cujo encanto é só cantar-te!

Quisera eu, Minha Terra, ter a arte
de o calendário alterar com a força da paixão
transformando cada dia num eterno São João.


Antônio Adriano de Medeiros
Caicó, 13 de dezembro de 1991.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Fantasmas do velho e bom Amor



Pois é, béspa de Sant'Antôin - meu santo de devoção, irmanado ao Bom Francisco e à Mãe Luzia -  nem mesmo uma gravíssima pane em meu computador, sem dúvida urdida nas suspeitíssimas e profundas hostes do Báratro, pôde me impedir de vir aqui a uma lan house e postar dois poemas - um novinho em folha! - em louvor à nobre data, já que não poderei hoje acender a Fogueira de Santo Antônio naquela casa ali em Santa Luzia, como fiz por muitos e muitos anos. 

São dois poemas, Outros Fantasmas, e A Vida E Os Sonhos de Rita Maquileine qiue postamos hoje, 12 de junho de 2012.

O primeiro poema veio de minha preocupação com "o silêncio no poema". Sim, poruqe num poema há momentos de silêncio, até pra se poder respirar direito, mas quando o poema é bom mesmo,  em tais momentos de silêncio se faz uma reflexão sobre o que foi lido até então e surgem como que ecos reflexivos que preenchem tal silêncio com sons e imagens bem nossas, inspiradas pelo poeta autor daquele poema, e, claro, de acordo com tudo que lemos e vivenciamos até então. Tendo ainda que O Livro do Gênese pode se considerado um poema, como todos os Livros que deram origem a deuses, anjos, diabos, pode-se dizer, ou pensar, ou  escrever, que os anjos são "fantasmas diversos" (outros fantasmas) que, ao invés de amedrontarem ou assombrarem, iiluminam nosso caminho e velam por nós.

Pronto, está então aberta a porta para a entrada dos Fantasmas do Bom e Velho Amor, todos eles aqui representados pela lembrança da caicoense moreninha auto-denominada "Rita Shirley MacLaine", que tão gentil e doce e calidamente acolheu-me em seus braços numa noite já longínqua de São Pedro na cidade de Várzea  nalgum felicíssimo ano do final da Década de 80 do Século passado (O tradicionalíssimo João Pedro de Várzea, nos limites da Paraíba com o Rio Grande do Norte, hoje em dia é depois depois do tríduo junino, já no mês de julho, mas naquele tempo era ainda realizado na data tradicional de São Pedro).

Nesses tempos de globalização, nada como modernizar a empresa e anglicizar, ou americanizar, o próprio nome, para que a entrada de clientes, dólares e euros, possam trazer frutos mais concretos ao velho amor. Rita Shirley Maquileine foi uma pioneira, e era romântica, e merece a homenagem, pois suas fantasias tinham o amor mesmo, o verdadeiro, como fim: ela só queira sonhar mais alto, coisa de cinema, amor com arte, trilha sonora de qualidade inclusive. Hoje em dia as meninas mais radicais ali na Praia de Ponta Negra, na boa e cosmopolita Natal, já dispensam os nativos de cara: - "Só saio com gringo!" Claro que duas de cem, ou três em último caso, as fazem pensar melhor, mas essa é uma realidade do amor nos tempos do dólar.

Rita Shirley MacLaine, porém, era uma menina doce e pura, como decerto ainda deve ser, além de belíssima em seu jeans com um agasalho braquinho com motivos azuis e vermelhos!

O "Curso Normal", ou "Pedagógico", era um curso que qualificava as moças para serem professoras, e deve existir ainda com outro nome. O Funrural, nos anos 70 e 80 do meu tempo, era que a Previdência dos trabalhadores rurais, e lidava com sindicatos, licenças e aposentadorias da pessoas ligadas à agricultura e decerto pecuária.

O leitor mais atento perceberá que a partida da estrela de sua cidade natal abalou de tal forma a estrutura da mesma que até as estrofes do poema se modificam, passando de sextilha para septilha - Tem nada não, Ritinha, deixe o povo falar: você tornou sua cidade e a Poesia, maiores!

absaam
         


OUTROS FANTASMAS


Quando o poema é de grande calado
pode-se ouvir no silêncio
da pausa precisa da inspiração
estranhos ecos
que refletem
as imagens mais que sugeridas
pelos versos impregnados
de catexias.

Quando o poema é de grande calado
pode-se ouvir no silêncio
os murmúrios encantados
do canto.

Porque toda a Poesia é fantasmagoria.
Entretanto os seus fantasmas
antes de causarem medo,
extasiam.

Que os anjos nada mais são
do que os fantasmas da Poesia.

Quando o poema é de grande calado,
pode ouvir no silêncio
fantasmas de versos.


Antônio Adriano de Medeiros




A VIDA E OS SONHOS DE RITA MAQUILEINE


Nascida entre a igreja
e a praça principal,
filha de funcionário
lotado no Funrural
e de uma professora
que fez o Curso Normal,

tem futuro especial:
para que qual astro reine,
teve a era assentada
no cartório de Gisleine
com um nome de estrela,
Rita Shirley Maquileine.

Por mais que sua mãe treine
a grafia consertar,
porque não sabia inglês
na hora de registrar,
o que a Lei escreveu
não mais se pode alterar.

Ajoelhou no altar,
implorou a deputado,
falou com vereador,
dormiu com advogado,
mas o nome "Maquileine"
não pôde ser revogado.

No dia do batizado
o santo padre explicou
que amor à Língua Pátria
a mãe ali demonstrou:
pegou um nome estrangeiro
e o abrasileirou.

A família se apegou
à tão santa explicação,
e a menina cresceu
obedecendo à lição:
pegar tempero estrangeiro
e misturar com feijão.

Ritinha não teve irmão,
sempre sozinha a sonhar,
brincando com as bonecas,
sua casa a arrumar,
e só depois que foi moça
é que deu de namorar.

O primeiro foi Vavá,
mas a mãe não aprovou:
o pai era cachaceiro
e o namoro se acabou;
um soldado de puliça
da menina s'engraçou.

Mas o namoro findou
já pelo terceiro dia,
quando Ritinha notou
que o soldado fazia
carinhos indecorosos
na empregada Maria.

Teve Neném de Luzia,
pobre, mas rapaz direito.
Valério, que tinha fusca,
tentou, mas sem ter proveito,
pois quem tirou seu cabaço
foi o filho do prefeito.

O ladráo véi deu um jeito
naquela situação,
pois Rita era de menor,
podia dar confusão:
aposentou o pai dela,
empregou na Fundação.

Depois disso, Zé Grandão
deixou Ritinha em ardência.
Em seguida, Zé de Joca,
desquitado de Vicência,
fez Maquileine feliz
e lhe deu experiência.

Ela bate continência
e sabe fazer mingau;
aprendeu que pra ser gata
não basta fazer miau,
e que cobra venenosa
mora no oco do pau.

Um dia da Capital,
chegou Sônia Malazarte,
que andava quase nua,
tatuada em toda parte,
e que disse pra Ritinha
valorizar sua arte:

- "Você vive aqui qual mártir
desses cabras do sertão,
montada por agroboys
que a esporam sem perdão,
e no fim da vaquejada
não lhe sobra um só tostão..."

Ritinha disse que não
poria o amor à venda,
pois ganhou do desquitado
já um vestido de renda,
e aquele advogado
a levava pra fazenda.

- "Ai, pobre menina: aprenda
que o que vale é dinheiro!
Você vai perder a vida
s'entregando a beradeiro:
a mulher só tem valor
quando dá pra estrangeiro."

E Sônia mostrou primeiro
o seu colar de brilhantes,
depois suas muitas jóias,
- ouro, prata, diamantes -
tudo aquilo conseguira
com seus amores pagantes.

Rita pensou nos amantes
que só trazem humilhação,
comentários no colégio
da baixa reputação;
até de mulher casada
levara esculhambação...

Sônia voltou no São João,
trouxe máquina fotográfica,
e do corpo de Ritinha
fez imagem geográfica:
montanhas, montes, floresta
e a boca, santa e mágica.

E a decisão foi trágica:
houve choro na estação.
A filhinha do casal
se despediu do sertão.
Mas voltou no fim do mês,
buchuda de um inglês,
de francês, ou alemão.

Hoje vive de pensão,
não tem do que reclamar.
Já deu cria à Maquidonna,
à Maquileide e Sará.
E as três já foram informadas
que só serão batizadas
nas espumas d'além mar...


            Antônio Adriano de Medeiros
         


terça-feira, 5 de junho de 2012

do lirismo sertanejo: os versos tolos



Pois bem, como vem chegando A Festa de São João, e realmente existe o sério risco de que o blogue não seja atualizado antes do  assim chamado Dia dos Namorados, em verdade Véspera de Santo Antônio, dito o casamenteiro, vamos maquiando aqui a casa com versos bonitinhos, bem comportados, até líricos, pra não dizerem que só falei das dores. 

O primeiro poema, com quatro haikais, retratam a feliz época da "pegada de inverno", com diversos sentimentos da alma sertaneja, inclusive o medo dos trovões; o último haico é exagerado, vez que a Fogueira  sertaneja não tem essa finalidade mitológica de aplacar a ira dos deuses, isso era coisa de gregos antigos, sendo que, numa visão humanística, a nossa fogueira seria - a fogueira dita de são joão - para aquecer a noite da chegada do frio ao hemisfério Sul (informação de Thomas Mann em A Montanha Mágica). O segundo poema é uma fantasia sobre a pegada de inverno, o amor, e a Lua. E o terceiro é um soneto onde há o retorno da velha esperança amorosa, uma recaíds, digamos assim.

absaam






NOSTALGIA SERTÂNICA

Frio no sertão,
cheiro de terra molhada
em tarde de lua.

Já longe os marrecos
que passaram de manhã,
um grupo cantante.

Os trovões à noite
vão grunhir ameaçadores,
gritos dos deuses?

Se não chover mais,
aplacaremos a ira
com uma fogueira.


Antônio Adriano de Medeiros




FANTASIA SERTÂNICA

Quando o Inverno pegou
a Lua Cheia secou
de tanta chuva que era.

- E aqui virou primavera!

E enquanto minguava a Lua
eu vi Luciana nua
espiando da janela.

- Bem mais que a Lua era bela!


E nem bem a Lua sumiu
uma Lua Nova surgiu
no meu céu fantasiado.

- E eu me vi apaixonado!

E um desejo fremente
foi em meu quarto crescente
a partir daquele mês:

- Enchê-la de gravidez!


Anônio Adriano de Medeiros




VERSOS TOLOS

Nuns versos sem valor me desespero
na angústia maculada de ser louco,
e rindo sem motivo, achando pouco,
da poesia a mastigar farelos.

Os versos que te dou não são mais belos
que aqueles que decerto outro cantou
aconchegado em meio a teus cabelos,
os versos tolos, versos de amor.

Por versos de amor ainda espero
na curva calma e franca do carinho;
o albatroz agora quer um ninho.

Quem sabe ainda um luar amarelo
nos ombros de mulher quase biônica?
Depois a explosão da bomba atômica.

(A alma, velha e louca, queda atônita.)


         Antônio Adriano de Medeiros