terça-feira, 24 de julho de 2012

sobre os poemas de Tânatos








Nutrindo-me que estive na ambrosíaca doutrina que secretas, Louvado Sejas!, pude então compor algo sobre o sagrado ofício.

                                                          *       *        *

Há poemas que podem se dizer populares, porque qualquer poessoa o apreende. E há os poemas que só as pessoas mais cultas conseguem apreendê-lo em sua mais completa tradução. E há os poemas para os poetas. Mas não para qulaquer poeta: para os poetas cultos. Tenho a pretensão imodesta de ter escrito alguns desses poemas, e de que este poema a seguir é um deles. Pretensão a um só tempo louvável e censurável, talvez.

Apesar do título, o poema reza sobre os escritos de Tãnatos por exclusão, pois trata apenas dos poemas - da obra de Eros.A obra de Tânatos seria o cemitério da Poesia, a saber, a prosa, a crítica, e sermões religiosos e morais.

                                                          *         *         *


O poema pediu um bônus, e o traduzi pelo Traduzir-se de Ferreira Gullar. O Poeta escreve nos domingos uma coluna em um dos cadernos de cultura da Folha de São Paulo, e naturalmente há sempre beleza e riqueza naquela meia-página de jornal. Outro dia descobri que Augusto dos Anjos morreu não de pneumonia, mas do tratamento médico da época para as infecções pulmonares. Onde? Na referida coluna do poeta mencionado. Domingo passado o Poeta dissertou sobre o bóson, a recém-identificada "partícula de Deus", e com que elegância, com que sabedoria, com que maestria! Fiquei sabendo que foi o tal bóson quem permitiu o surgimento da Matéria; que o que conhecemos como Universo e que nasceu com o Big-Bang já existia como energia... O que surgiu ali foi "apenas" a Matéria. Vai pois o bônus do Poeta, tão maior do que eu, traduzindo pois uma louvação e um agradecimento.

absaam









SOBRE OS POEMAS DE TÂNATOS

                "Pra quê rimar amor com dor?"
                                 Monsueto-Arnaldo Passos





A métrica é a erótica na Poética.
Os versos fazem amor
em seus gestos perfeitos.
Mesmo quando rimam, com dor.

Dois polos. Mas quatro
são os pontos cardeais.
A bipolaridade, o rigor, o espontâneo e o teatro.

O movimento do verso,
o sorriso, o sexo, o êxtase
da criação devem ser precisos.
Que sejam precisos quem quer é a métrica.
Tudo que é prosa se desmancha no ar.
Um poema permanece - pedra e flor!

O poema é o cântico dos cânticos.

Celebra o beijo sagrado
da alma com o Sopro
que é sua inspiração e bálsamo.

O poema é um beijo a quatro bocas.

Espelho exato, reflexo geométrico
das quatro letras do Nome
- que também pode ser Amor.

Porque Eros é um deus que brinca.
O Deus pode - e gosta de - brincar.
Ele faz poesia.
O poema é sagrado sem ser místico.
Quem inventou a Moral foi o Diabo;
o Deus, a Poesia.

Tudo que existe
Eros criou
brincando.

Só os tristes se preocupam
com misticismo e moral.
Todos os tristes.

Por isso é que são tantos
os poemas de Tânatos.



            Antônio Adriano de Medeiros
            Natal, 20 de julho de 2012



                                                               BÔNUS





Traduzir-se


Uma parte de mim
é todo mundo:
outra parte é ninguém:
fundo sem fundo.

Uma parte de mim
é multidão:
outra parte estranheza
e solidão.

Uma parte de mim
pesa, pondera:
outra parte
delira.

Uma parte de mim
almoça e janta:
outra parte
se espanta.

Uma parte de mim
é permanente:
outra parte
se sabe de repente.

Uma parte de mim
é só vertigem:
outra parte,
linguagem.

Traduzir-se uma parte
na outra parte
- que é uma questão
de vida ou morte -
será arte?
                  Ferreira Gullar

quinta-feira, 19 de julho de 2012

a fotossíntese do Mal



Talvez por tanto gostar das Flores do Mal, de Charles Baudelaire, imaginei-me a mim mesmo palco de uma Fotossíntese do Mal, algures, nos bons tempos em que tudo era poesia. O soneto é muito bem escrito, e a ideia, a explicação que o poeta dá para sua idiossincrática atração para as coisas criminais, bastante interessante: se quando se quer dizer que alguém é primitivo, selvagem, costumamos chamá-lo de "animal", um ultra-primitivo seria pois um "vegetal", vez que tal Reino é sem dúvida forma de vida mais antiga que a corja animalesca da qual fazemos parte, sobre a Terra.

absaam



A FOTOSSÍNTESE DO MAL

O veneno, a traição, o furto, o assassinato;
o sequestro, a extorsão, o linchamento, a curra;
o sadismo inveterado e até simples surra
atraem minha atenção e arrepiam-me o tato.

Para mim nada é melhor que ouvir a voz que urra,
contemplando um par de olhos que só suplicam clemência,
da indefesa vítima que, em sua pura inocência,
confiou nas promessas do patife que a esmurra.

Fazer o mal é tão bom que ás vezes até machuca!
E a maldade que há em mim, tão antiga, já caduca,
não se cansa de renascer toda manhã, bem cedinho...

É que vem a luz do sol e desvia-me do caminho
provocando no meu íntimo a Fotossíntese do Mal...
E eu já acordo tramando algum Pecado Mortal!


            Antônio Adriano de Medeiros


quarta-feira, 11 de julho de 2012

haikais



 O haikai, haiku, ou haicai (ou ainda haico, forma jocosa de se escrever tal nome entre nós) é uma forma poética japonesa que prima pela concisão e objetividade. Em japonês, os três versos, um de cinco sílabas, outro de sete, e mais um de cinco, são escritos em linhas verticais. Em português, em três linhas horizontais. Os haikais não precisam de um título, eles devem falar por si mesmo. Um haico deve, em sua concisão e objetividade, ser capaz de dispensar um título, ele conterá nos três versos a idéia desnvolvida, carregada de beleza e emoção. É muito difícil escrever um haikai verdadeiro, pois. Eu talvez tenha unjs dois, três no máximo.

Vamos "explicar" (hum!) esse primeiro, que considero minha obra-prima haikainiana: A Noite, como o Sol,  vem do Oriente, is to é do leste par ao oeste. Ora, havendo a personificação da Noite, ela seria uma mulher; sendo uma mulher e vindo do Oriete, usaria um chador, aquela vestimenta negra que cobre o corpo feminino; mas este chador negro da mulher Noite teria o brilçho das estrelas, e portanto "motivos de luz". 

O segundo haikai foi uma homenagem que fiz ao falecido poeta amazonense Anibal Beça, uma pessoa muito boa, além de grand epoeta e exímio haikaísta. Sempre que ela chagava nas liustas d epoesia, vindo do rio, que ele morava em Manaus, na casa chovia alegria, pois ele traria seus  raros versos, os peixes dourados.

O terceiro também é um haikai verdadeiro, embora possa parcer ambíguo. Descreve uma cena campestre onde dois veadinhos ainda jovens brincam, felizes. A partir daí, após este, os haikais passam a ser ambivalentes, ora cômicos, ora eróticos, sendo que Poetisa moderna também poderia ser umj haico veradeiro, se não fosse tão impregnado de duplo sentido. Já os hahahaikais galináceos e os equinos  já se sabem cômiocs e eróticos, sem no entanto deixarem de ser, pelo menos formalmente, haikais. Ainda tenho os haikais felinos e as máximas zoológicas em forma de haikais, mas fica pra outro dia. Não vamos cansar os delicados olhos da leitora.

absaam


haico

Vem do Oriente, Noite.
Traz no chador negro
motivos de luz.

           Antônio Adriano de Medeiros


haico a Anibal Beça

Anibal vem do rio.
Na casa chove alegria,
os peixes dourados.

          Antônio Adriano de Medeiros




haico

Brincando á fresca,
alegres e saltitantes,
veadinhos jovens.

   Antônio Adriano de Medeiros



POETISA MODERNA

Poetisa moderna
conhece o canto da rola
e nunca engasga.


Antônio Adriano de Medeiros




haico

Corria que nem louca.
Relinchava no curral
a égua no cio.

          Antônio Adriano de Medeiros




OS HAHAHAIKAIS GALINÁCEOS

1.

Em terra que tem bichos,
se brincar com a galinha
há que pagar mico.

2.

A galinha choca
seus ovos confiante,
longe do falcão.

3.

Levaram mais milho
ao galinheiro próximo,
ou é um sarau?

4.

Se galo beber
galinha abandona pinto
atrás de peru.

5.

Bela franguinha vende
naquela panificadora
as suas coxinhas.

6.

Um frangote rico
bota galinha a perder
em toda vizinhança.

7.

A galinha nova
nunca precisa de cafifa
para se coçar.

8.

Toda enfeitada...
Coitada da galinha:
o galo era frango.

9.

E se a galinha
do vizinho é bem melhor
e quer pôr seus ovos?

10.

São miolos miúdos:
sempre que macaco grita
a galinha concorda.



11.

Que frango mais estranho!
Não quer saber de galinhas:
vive entre os pintos.
 


       Antônio Adriano de Medeiros




HAHAHAIKAIS EQUINOS
1

Pra quê coxas grossas
se a sua inteligência
já mostra ser de égua?

2

Mãe burra brigou:
foi por ciúme ou foi raiva?
- A filha levou pau!

3

Requebram-se éguas:
uma é loura; a outra, morena.
Deve ser o Tchan.

4

Ouvem-se no pátio
relinchos de éguas jovens:
viram um cavalo.

5

Garanhão já velho
amanhece bem satisfeito:
lavara a égua.



Antônio Adriano de Medeiros




quarta-feira, 4 de julho de 2012

sonetos de corno e putaria



Passado então o São João, onde fomos por demais saudosistas e bonzinhos, urge cair na realidade, e vamos logo com força postar uns sonetos bem malditinhos, sonetos de corno e de cabaré, ou de chifre e putaria. como queiram.

Os seis (logo seis, esse número?), pois bem, a meia-dúzia de sonetos a seguir na verdade são dois poemas, e tiveram, não há como negar, inspiração verdadeira, digo, os poemas a seguir tiveram  - felizmente! - fatos que os desencadearam, que os provocaram, que os pediram, diria mesmo que os imploraram. Foi chifre, leitora, foi sim o velho chifre: num caso, o do solitário soneto cujo título é À Musa Adúltera, um chifre bem real, e de corpo presente, ou seja, um chifre onde a vítima, ou seja, o corno, estava presente à cena, ou pelo menos à grande casa cheia de quartos onde desenrolou-se o affair, o caso, o acontecimento. No caso dos Cinco Sonetos da Vida Familiar o motivo foi, confesso, simples ciúme.

Para quem não acredita que o velho e bom chifre seja uma potente fonte de inspiração poética, conto a história da gênese dos Cinco Sonetos, que a gênese da Musa Adúltera é pessoal demais, e basta saber que ele foi inspirado em um fato real, um chifre de corpo presente.

Pois bem, aconteceu de minha namorada daquele tempo ir comigo ao sítio de seu pai para um bom banho de rio, e de levar ainda um casal, a saber, uma mãe e seu filhinho de oito anos de idade e de mãos atrevidas. Um momento lá em que A Namorada estava longe de mim e perto do Menino, bem pertinho aliás, ouvi os gritos mesclados de surpresa e alegria da Moça - "Ai! Ui! Aiui! Que menino danado!..." Quando olhei para os três, as duas mulheres riam, e o Danado mergulhava e vinha á tona, brincalhão e sonsamente, como se não tivesse feito nada demais. Como precisei fazer uma longa viagem de cerca de 7 horas de ônibus naquele final de semana, sozinho, um lápis e uma agenda vieram em meu auxílio para que eu me vingasse do atrevimento daquele Danado, eternizando ali o ciúme real de um coração de poeta. 

Só uma coisinha sobre À Musa Adúltera: quem seria o "astuto sedutor" final, o traído que talvez a obrigou a  trair pra se inspirar e inventar a história toda do soneto com seus raros adjetivos, ou a vítima anônima, o inocente da trama? Tenho meu palplite...

Bom, vale lembrar, antes de mais nada, que alguém já disse que "não há corte sã sem cortesã".


absaam





        CINCO SONETOS DA VIDA FAMILIAR


- A história de um filho da puta com pedigri e método -



1. MAMÃEZINHA QUERIDA

Minha mãe foi a rameira mais famosa de seu tempo.
Esbelta, educada, linda - corpinho de violão
desses em que todo homem deseja passar a mão -
só dedicou-se a tal vida por causa de um contratempo...

Seduzida por um cabo, aos catorze engravidou.
O milico, já casado, nem ligou pro seu estado;
a jovem ludibriada foi queixar-se ao pai amado,
mas este deu-lhe uma surra e de casa a expulsou.

Mamãe, moça de família, educada em bons colégios,
correu para a capital, e na casa de uma amiga
revelou, chorando muito, toda a lamentável intriga.

A outra moça, zangada, preparou um sortilégio
a combater o mau pai, e levou-a até Dona Dalva...
E a velha se encantou com aquele pele tão alva!



2. A INFRA-ESTRUTURA

Dona Dalva, caridosa, velha acostumada a dar
acolhida aos desgraçados, aos sem-teto e sem-pão,
ofereceu a mamãe não apenas novo lar,
como também noções básicas de uma boa profissão.

E a dedicada ex-aluna do colégio das irmãs
revelou rapidamente ser excelente aprendiz,
pois já na noite seguinte o senador deu-lhe um bis,
o que rendeu-lhe um séquito interminável de fãs.

É que o velho parlamentar, vítima de muito trabalho,
há tempos não encontrava quem lhe quebrasse o galho...
Quanto a mamãe, tanto empenho, os gritos, a rouquidão,

as posições variáveis, o rubor, o choro, o banho,
à medida que aumentavam de fregueses o rebanho,
elevavam seu cachê, na mesmíssima proporção.



3. O PARTO

E, quando nasci, mamãe já tinha um certo conforto.
Pois, durante a gravidez, esforçou-se, noite e dia,
variando as posições conforme o ventre podia,
engolindo espadas mil e sentando em toco torto,

mas sempre dando o seu show conforme o público exigia,
pra que eu pudesse ancorar já em um tranqüilo porto.
Mas tanta dedicação e apego ao que fazia
quase que acabavam tudo e o filho nascia morto...

Ora, vejam só a hora que escolhi pra vir ao mundo!
Mamãe, sempre dedicada, com um freguês ia fundo
no teatro do labor, e o homem, inexperiente,

confundiu os seus gemidos com os do expediente,
demorando a entender o que ali se passava...
Só sei que quando eu nasci, quase que não respirava.



4. A INFÂNCIA


    "ai que saudades que tenho da aurora da minha vida..."
             Casimiro de Abreu


Poucos sabem o quão gostoso é ser criado em cabaré!
Fui muito bem recebido ao verem que era um macho:
dizem que algumas moças aplaudiram-me de pé,
e que uma preta velha preparou logo um despacho.

As moças se revezavam em educação e cuidados.
Para não atrapalhar de minha mãe os bons ganhos,
quase nunca a deixavam perder tempo com meus banhos
que, à medoida que crescia, ficavam mais demorados.

Tratavam-me como um filho, porém com mais regalias.
Às vezes desabafavam e contavam mil segredos...
Quando voltavam da rua enchiam-me de brinquedos...

- Ai que saudades que tenho daquelas fêmeas vadias,
principalmente em noites de relâmpagos e trovões
quando expulsava de seus colos os malditos rufiões.



5. MATURIDADE

No negócio de mamãe, hoje quem manda sou eu!
Esforço-me pra adaptá-lo à nossa modernidade
cursando administração numa boa faculdade,
para obrigar os gringos a aqui deixarem o seu.

Bem sei, porém, que muito mais importantes
que os estudos acadêmicos que me agravam a miopia,
foram as lições elementares que pude receber antes,
quando mascote e senhor da safadeza e orgia.

Assim, não posso negar que de tudo que aprendi
o que hoje faço melhor, o que jamais esqueci
nem por um instante só, diz respeito ao trato com mulheres.

E é com orgulho que digo que sei tratar bem tais seres.
- Sei tratá-las muito bem, pois só uso-as quando quero,
e é no tapa que resolvo se me vêm com lero-lero!




                 Antônio Adriano de Medeiros
                 10.11.1991.


À MUSA ADÚLTERA


Teu colo é um antro onde os homens se saciam!
Tua boca suga e morde, e grita, e molha
a todos que te procuram, quase sem haver escolha,
pois só queres do amor os fógos que extasiam.

És de todos a predileta, do mundo inteiro
a dileta Cortesã. - A dedicada serva do bando
não pode ver um pau duro que cai em cima babando,
nem nega a preferência pelo cabra forasteiro.

Rainha dos cabarés, inspiradora de versos e facadas,
frequentadora assídua de boléias nas estradas,
rapariga traiçoeira, causa de morte no cais..

- Ainda assim te amo, ó pobre mulher perdida,
com todo o amor que se dispensa a uma alma corrompida
pelo astuto sedutor que atende por Satanás!


           Antônio Adriano de Medeiros
           1991