quarta-feira, 23 de novembro de 2011

elogio à bipolaridade


Em minha modesta galeria de personagens, dois se destacam: o Dr. Antônio Cão, "psiquiatra heterodoxo" (sic), descendente, por linha bastarda, do navegador Diogo Cão - que passou pelas terras brasileiras antes de Cabral, e inclusive deixou um marco no litoral do Rio Grande do Norte, próximo a Natal (o marco de Touros); e um louco sertanejo, Tonho da Santa. Os versos originais dedicados a Tonho da Santa provavelmente se perderam, mas não todos. Outro dia voltei a escrever um poema para o último, Tonho da Santa, e até ousei diagnosticá-lo como portador do Transtorno Afetivo bipolar, a antiga Psicose maníaco-depressiva, que permite ao seu portador episódios de franca loucura (ora de intensa euforia, oua de depressão profunda; daí o nome de bipolar, os dois pólos dos sentimentos humanos, a alegria e a tristeza. O Transtorno bipolar também permite longos períodos assintomáticos, quando a pessoa pode funcionar normalmente. Bem sabemos que o desejado é ser multipolar, pois assim se permite que o afeto momerntâneo seja condizente com a situação vivenciada pelo sujeito. Mas ouvi dizer que o bom Tonho gostou tanto do que escrevi para ele que ouso publicar no blog o elogioso poema.

Rogo ao Pai que os senhores portadores de normalidade que não vão ficar chateados...

Ah, a epígrafe no poema é de Chico Buarque, em Geni e o Zepelim (precisava dizer?)

absaam



TONHO DA SANTA: DE ESPELHO E GRATIDÃO


“E a deitar com homens tão nobres,
tão cheirando a brilho e a cobre,
preferia amar com os bichos”



Desde o Sol, e até mais longe, nos confins do universo
onde a Força Criadora começa a fazer seus versos,
há uma luta constante entre um princípio agregante
e um outro, o disperso. Deus e Diabo, Adão e Eva,
Negativo e Positivo, Fêmea e Macho, Luz e Treva,
o Ativo e o Passivo, Ordem e Caos, o Mal, o Bem.
Há quem veja na Trindade a Criação: o que vem
depois do Dois. Mas há quem A veja no Quatro:
que o Três seria ainda mero espectador no Teatro
da Existência, que o Ser só seria completo, inteiro,
quando imitasse a dualidade do Princípio Verdadeiro.
– Seria esta talvez a razão pela qual Tonho da Santa
provocasse em religiosos e moralistas ira tanta?
Aqueles que se julgam mais próximos de Deus e da Verdade
não suportavam ver num pobre lunático a Felicidade,
reservada que a julgavam para aqueles seres dignos dela...
Acontece que talvez Deus tenha lá suas preferências e caprichos
e a andar com homens tão nobres Ele prefira andar com os bichos...
Quem pode assegurar conhecer todos os segredos do Criador?
Só um charlatão, um hipócrita, um mentiroso, um traidor
à verdadeira natureza do Pai afirmaria ser seu Procurador.
Mas como não pensar que na alma dividida e singular de Tonho
não residisse um Sinal da Bênção para o pobre Medonho,
espelho que era do Princípio Dual, a bipolaridade original?
Seria por inveja que homens tão santos e cheios de moral
ficassem tão ferozes diante da simples presença daquele Ser,
e rangendo os dentes berrassem que aquilo não poderia ser?
E seria por isso que Tonho sempre sorria quando era internado?
Seria um agradecimento por não o terem matado?

Antônio Adriano de Medeiros
Abril 2010