terça-feira, 13 de março de 2012

neurose matuta




O pequeno monólogo cordelista a seguir foi inspirado num fato que realmente aconteceu em meu modesto exercício de psiquiatra do serviço público estadual em hostes norte-riograndenses. É que uma das apresentações comerciais da clorpromazina, o primeiro medicamento antipsicótico, é o Amplictil. Eis que certa tarde atendi a um mancebo, acompanhado de sua mãe, com um quadro de esquizofrenia que já tinha uns dois anos de evolução, e certamente já se havia tentado inclusive tratamentos heterodoxos visando a cura definitiva daquele caso de psicose crônica. Pois aconteceu realmente de, após a consulta, a genitora do mancebo pedir para falar comigo a sós, no que foi prontamente atendida.


Após fechar cuidadosamente a porta do consultório do pronto-socorro do Hospital Dr. João Machado, em Natal, a mulher me interrogou, a voz baixinha mas cheia de curiosa esperança:

- Doutô, é verdade que ele só melhora quando tomar aquele remédio chamado Priquitil?

absaam

NEUROSE MATUTA


- Doutô Antôin, tô sofreno,
inté meu sono tá ruim;
minhas mão véve gelada,
é grande meu farnisim;
pra completar a desgraça,
as muléres cá da praça
vévem mangano de mim...

Nasci no Sítio Cauim,
lá na Serra da Rajada.
Lá me casei com Danila,
a primeira namorada;
pensava ser bom vaqueiro,
mas perdi prum fazendeiro
em noite de vaquejada.

Com a vida desgraçada,
vim morar na capitá;
o selviço de pedrêro
cá não costuma fartá;
toda noite tomo sopa,
mas a cabeça dá popa
na hora de me deitar.

Um irmão vei me contar
de um doutô elegante,
sabido e bem inducado
que deixa a gente falante;
se num for catimbozeiro,
só pode ser milagreiro,
do Bom Jesus ajudante.

Não me venha com purgante,
penicilina ou rapé;
nem mesmo tranquilizante
que neles não tenho fé;
minha receita está dada:
eu quero uma xaropada
de priquito de mulher!


Antônio Adriano de Medeiros