sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O Carnaval da Morte (com Helena, a grega, no bônus)


(Rogo-vos perdão mas, mais uma vez, venho importuná-los com os desaranjos do feíssimo Carnaval da Morte! É que descobri, inda há três dias mas sabem que estou sem computador há algum tempo - Garantia Dell e Infobox JP Epitácio Pessoa de nada me valeram, malgrado promessas mil de garantia e pagamento à vista - pois bem, descobri que a Dança Macabra, embora já fosse citada no priemrio soneto, deveria aguardar a limpeza que a partida dos músculos e as metamorfoses viscerais provocadas pelas plantas deveriam fazer para que os distintos esqueletos e esqueletas pudessem então comparecer limpinhos e, na medida do possível, perfumados...

Como compensação à boa leitora que se vê pois mais uma vez obrigada a ser posta em contato com porcarias pestilências sobretudo pessimamente escritas, vai um bônus, HELENA, do poeta Alexei Bueno, poema que encontrei essa semana. Companhia mais que agradável para uma dança macabra - abs, aam).

Pensei até que dessa vez não escaparia! Acometido fui por forte gripe, com as complicações pulmonares comuns a um fumante há 35 anos, e de repente chegaram os calafrios. Primeiro, curti-os, era bom o arrepio, o tremor, até quem sabe uma leve alteração do estado da consciência... Mas o corpo vai enfraquecendo, e tem a tosse terrível, a trovoada tussígena, digamos assim, seguida pela quase apneia, o velho - e insosso! - bolo de catarro a escarrar, a dor de cabeça, a tontura... Enfim me rendi e comecei a usar antibiótico, e de ontem pra hoje, após uma quase hibernação de 12 horas, melhorei!

E lembrei do Carnaval da Morte. Esse poema é uma colcha de retalhos. Primeiro surgiu o poema "Das Danças Macabras", numa noite de estudos lá num quarto em Copacabana, 1988. Eu quase pirava quando conheci a composição de Saint-Saëns, e quis colocar uma letra nela, resgatando o poema de Henri Cazalis que originou aquela música. É o seguinte: num cemitério, á meia-noite, ouvem-se as doze badaladas, e depois passos. De quem são os passos? De Dona Morte. Ela, representada pelo violino, então começa anuncia sua presença convocando os esqueletos a levantarem e dançarem... E aí a coisa fica belíssima! Imaginei qual a razão que poderia deixar tão felizes os esquálidos esqueletos, e eles me responderam, na melodia da música - é a resposta da melodia principal, pode tentar que você ouve - pois bem, os bons e perfumados esqueletos me responderam assim:

- "A liberdade de não ter
que a músculos tiranos obedecer!
Não ser escravo da paixão,
nem depender sempre de um coração."

Você pode ouvir a peça em vários lugares, sendo um deles: 


Depois escrevi  outro poema, com o título de Hipocondria, o qual, com a chegada do Carnaval, virou A Fantasia do Moribundo. Os poemas restantes foram escritos com a finalidade de compor mesmo um Carnaval da Morte: os músculos vês se despedir, as plantas, diplomaticamente, tentam trazer alguma beleza às metamorfoses da putrefação, e por fim - um pouco exagerado, mas foi como pude acabar meu carnaval, o ímpeto pelo movimento da vida renasce no sangue negro do petróleo a movimentar as máquinas,

absaam





          O CARNAVAL DA MORTE 

1

A FANTASIA DO MORIBUNDO 

Agora que de meu ser apodrece a vil matéria
e a alma se preocupa com o Juízo Final,
é bom saber que, alegre, a família bactéria
já organiza no meu corpo o seu último carnaval.

Eu conheço as fantasias que usarei
na festa anárquica da Morte:
de início, inchado, até parecerei mais forte,
robusto... Do sarau funéreo Momo - o próprio rei!

Depois virão os monstros, fantasias mais pobres
qual Zé Remela e a Ala Ursa, enquanto as nobres
Sarcophagas vão tomando conta daquilo que fui.

E então caem cabelos, ossos e unhas, tudo rui...
- Até que a suave melodia da Morte a minha tumba abra,
convidando-me a participar da doce Dança Macabra.



2


A NOSTALGIA DOS MÚSCULOS


Oh, que já vamos! Nosso dever cumprido
foi, matamos boi, e na encruzilhada
despachos a mão sempre ousada
depositou aos deuses de comprido
poder, elas mãos cheias de músculos,
como também as pernas ágeis
e os carnudos lábios de ósculos
sempre e sempre insaciáveis,
e as coxas que guardam segredos
tão preciosos que precisam de medos
a protegê-los de ávidos curiosos...

- Será que ossos não sentirão saudades
das peripécias das outras idades,
de nossos velhos mistérios gozosos?



3


O LIRISMO DAS PLANTAS


      "Oh jardineira, por que estás tão triste?..."


Dormia como uma pedra,
e num recanto de meu sonho
de repente a Rosa medra,
com seu sorriso tristonho.
 - "Ouvi que querias ver-me,
nobre flor da podridão
cobiçada pelo Verme
que vive na Escuridão,
 e aproveitei o espaço da fantasia
só para vir ajudá-lo a fazer a poesia.
Sim, porque nós, silenciosas,
há bem mais tempo cá estamos;
e saiba que cabe às rosas
perfumar o último leito dos humanos."




4



DAS DANÇAS MACABRAS



              Sobre trechos do poema sinfônico Danse Macabre,
              de Camille Saint-Saëns



- Levanta esqueleto!
Tem música, tem dança, tem festa em teu gueto!

Era uma noite fria de inverno,
sapos orquestravam o seu coaxar,
e no cemitério, num calor do Inferno,
eu vi esqueletos, magros, a dançar.

- A liberdade de não ter
que a músculos tiranos obedecer!
Não ser escravo da paixão,
nem depender sempre de um coração.

E o que nos diz esse assobio
que silva trazendo arrepio?

- Ninguém mais se engana
que a vida terrena
mil vezes tirana é,
sem pena.

- Se  você pensa que a Morte
é tão cruel como pintada,
venha hoje à noite a nossa corte
e veja que foi enganada,
foi enganada, foi enganada!

- Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!
- Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!





5.



FÊNIX RENASCE NAS CINZAS

E muito tempo passou - não esse tempo
mensurável em nossos calendários -
tempo que flui sem o contratempo
de natais, guerras ou de calvários.

Tempo suficiente pra derreter os ossos
e uni-los a restos de vegetais,
dando outros estados aos destroços,
tanto óleo, como piche, como gás.

E aquele antigo ímpeto pelo movimento
nas folhas e nos músculos guardado,
ora dançando ao sabor do vento
ora desafiando-o qual alucinado,

renasceu como o combustível ideal
a movimentar estranhos vagabundos:
- É a Fênix que movimenta mundos
em aviões e outros seres de metal.


             Antônio Adriano de Medeiros.


BÔNUS - HELENA - ALEXEI BUENO



HELENA

No cômodo onde Menelau vivera
bateram. Nada. Helena estava morta.
A última aia a entrar fechou a porta.
Levaram linho, unguento, âmbar e cera.

Noventa e sete anos. Suas pernas
eram dois secos galhos recurvados.
Seus seios até o umbigo desdobrados
cobriam-lhe três hérnias bem externas.

Na boca sem um dente os lábios frouxos
murchavam, ralo pêlo lhe cobria 
o sexo que de perto parecia
um pergaminho antigo de tons roxos.

Maquiaram-lhe as pálpebras vincadas,
compuseram seus ossos quebradiços,
deram-lhe à boca uns ruobores postiços,
envolveram-na em faixas perfumadas.

Então chamas omnívoras tragaram
a carne que cindiu tantas vontades.
Quando sua sombra idosa entrou no Hades
as sombras dos heróis todas choraram.


Alexei Bueno
Lucernário
POESIA REUNIDA