(Rogo-vos perdão mas, mais uma vez, venho importuná-los com os desaranjos do feíssimo Carnaval da Morte! É que descobri, inda há três dias mas sabem que estou sem computador há algum tempo - Garantia Dell e Infobox JP Epitácio Pessoa de nada me valeram, malgrado promessas mil de garantia e pagamento à vista - pois bem, descobri que a Dança Macabra, embora já fosse citada no priemrio soneto, deveria aguardar a limpeza que a partida dos músculos e as metamorfoses viscerais provocadas pelas plantas deveriam fazer para que os distintos esqueletos e esqueletas pudessem então comparecer limpinhos e, na medida do possível, perfumados...
Como compensação à boa leitora que se vê pois mais uma vez obrigada a ser posta em contato com porcarias pestilências sobretudo pessimamente escritas, vai um bônus, HELENA, do poeta Alexei Bueno, poema que encontrei essa semana. Companhia mais que agradável para uma dança macabra - abs, aam).
Como compensação à boa leitora que se vê pois mais uma vez obrigada a ser posta em contato com porcarias pestilências sobretudo pessimamente escritas, vai um bônus, HELENA, do poeta Alexei Bueno, poema que encontrei essa semana. Companhia mais que agradável para uma dança macabra - abs, aam).
Pensei até que dessa vez não escaparia! Acometido fui por forte gripe, com as complicações pulmonares comuns a um fumante há 35 anos, e de repente chegaram os calafrios. Primeiro, curti-os, era bom o arrepio, o tremor, até quem sabe uma leve alteração do estado da consciência... Mas o corpo vai enfraquecendo, e tem a tosse terrível, a trovoada tussígena, digamos assim, seguida pela quase apneia, o velho - e insosso! - bolo de catarro a escarrar, a dor de cabeça, a tontura... Enfim me rendi e comecei a usar antibiótico, e de ontem pra hoje, após uma quase hibernação de 12 horas, melhorei!
E lembrei do Carnaval da Morte. Esse poema é uma colcha de retalhos. Primeiro surgiu o poema "Das Danças Macabras", numa noite de estudos lá num quarto em Copacabana, 1988. Eu quase pirava quando conheci a composição de Saint-Saëns, e quis colocar uma letra nela, resgatando o poema de Henri Cazalis que originou aquela música. É o seguinte: num cemitério, á meia-noite, ouvem-se as doze badaladas, e depois passos. De quem são os passos? De Dona Morte. Ela, representada pelo violino, então começa anuncia sua presença convocando os esqueletos a levantarem e dançarem... E aí a coisa fica belíssima! Imaginei qual a razão que poderia deixar tão felizes os esquálidos esqueletos, e eles me responderam, na melodia da música - é a resposta da melodia principal, pode tentar que você ouve - pois bem, os bons e perfumados esqueletos me responderam assim:
- "A liberdade de não ter
que a músculos tiranos obedecer!
Não ser escravo da paixão,
nem depender sempre de um coração."
Você pode ouvir a peça em vários lugares, sendo um deles:
Depois escrevi outro poema, com o título de Hipocondria, o qual, com a chegada do Carnaval, virou A Fantasia do Moribundo. Os poemas restantes foram escritos com a finalidade de compor mesmo um Carnaval da Morte: os músculos vês se despedir, as plantas, diplomaticamente, tentam trazer alguma beleza às metamorfoses da putrefação, e por fim - um pouco exagerado, mas foi como pude acabar meu carnaval, o ímpeto pelo movimento da vida renasce no sangue negro do petróleo a movimentar as máquinas,
absaam
O
CARNAVAL DA MORTE
1
A FANTASIA
DO MORIBUNDO
Agora
que de meu ser apodrece a vil matéria
e
a alma se preocupa com o Juízo Final,
é
bom saber que, alegre, a família bactéria
já
organiza no meu corpo o seu último carnaval.
Eu
conheço as fantasias que usarei
na
festa anárquica da Morte:
de
início, inchado, até parecerei mais forte,
robusto...
Do sarau funéreo Momo - o próprio rei!
Depois
virão os monstros, fantasias mais pobres
qual
Zé Remela e a Ala Ursa, enquanto as nobres
Sarcophagas
vão
tomando conta daquilo que fui.
E
então caem cabelos, ossos e unhas, tudo rui...
-
Até que a suave melodia da Morte a minha tumba abra,
convidando-me
a participar da doce Dança Macabra.
2
Oh,
que já vamos! Nosso dever cumprido
foi,
matamos boi, e na encruzilhada
despachos
a mão sempre ousada
depositou
aos deuses de comprido
poder,
elas mãos cheias de músculos,
como
também as pernas ágeis
e
os carnudos lábios de ósculos
sempre
e sempre insaciáveis,
e
as coxas que guardam segredos
tão
preciosos que precisam de medos
a
protegê-los de ávidos curiosos...
-
Será que ossos não sentirão saudades
das
peripécias das outras idades,
de
nossos velhos mistérios gozosos?
3
O LIRISMO
DAS PLANTAS
"Oh jardineira, por que estás tão triste?..."
Dormia
como uma pedra,
e
num recanto de meu sonho
de
repente a Rosa medra,
com seu
sorriso tristonho.
-
"Ouvi que querias ver-me,
nobre
flor da podridão
cobiçada
pelo Verme
que
vive na Escuridão,
e
aproveitei o espaço da fantasia
só
para vir ajudá-lo a fazer a poesia.
Sim, porque
nós, silenciosas,
há
bem mais tempo cá estamos;
e
saiba que cabe às rosas
perfumar
o último leito dos humanos."
4
4
DAS
DANÇAS MACABRAS
Sobre trechos do poema sinfônico Danse Macabre,
de Camille
Saint-Saëns
-
Levanta esqueleto!
Tem
música, tem dança, tem festa em teu gueto!
Era
uma noite fria de inverno,
sapos
orquestravam o seu coaxar,
e
no cemitério, num calor do Inferno,
eu
vi esqueletos, magros, a dançar.
- A
liberdade de não ter
que
a músculos tiranos obedecer!
Não
ser escravo da paixão,
nem
depender sempre de um coração.
E
o que nos diz esse assobio
que
silva trazendo arrepio?
-
Ninguém mais se engana
que
a vida terrena
mil
vezes tirana é,
sem
pena.
- Se
você pensa que a Morte
é
tão cruel como pintada,
venha
hoje à noite a nossa corte
e
veja que foi enganada,
foi
enganada, foi enganada!
-
Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!
- Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!
5.
FÊNIX
RENASCE NAS CINZAS
E muito
tempo passou - não esse tempo
mensurável
em nossos calendários -
tempo
que flui sem o contratempo
de
natais, guerras ou de calvários.
Tempo
suficiente pra derreter os ossos
e
uni-los a restos de vegetais,
dando
outros estados aos destroços,
tanto
óleo, como piche, como gás.
E
aquele antigo ímpeto pelo movimento
nas
folhas e nos músculos guardado,
ora
dançando ao sabor do vento
ora
desafiando-o qual alucinado,
renasceu
como o combustível ideal
a
movimentar estranhos vagabundos:
-
É a Fênix que movimenta mundos
em
aviões e outros seres de metal.
Antônio Adriano de Medeiros.
BÔNUS - HELENA - ALEXEI BUENO
HELENA
No cômodo onde Menelau vivera
bateram. Nada. Helena estava morta.
A última aia a entrar fechou a porta.
Levaram linho, unguento, âmbar e cera.
Noventa e sete anos. Suas pernas
eram dois secos galhos recurvados.
Seus seios até o umbigo desdobrados
cobriam-lhe três hérnias bem externas.
Na boca sem um dente os lábios frouxos
murchavam, ralo pêlo lhe cobria
o sexo que de perto parecia
um pergaminho antigo de tons roxos.
Maquiaram-lhe as pálpebras vincadas,
compuseram seus ossos quebradiços,
deram-lhe à boca uns ruobores postiços,
envolveram-na em faixas perfumadas.
Então chamas omnívoras tragaram
a carne que cindiu tantas vontades.
Quando sua sombra idosa entrou no Hades
as sombras dos heróis todas choraram.
Alexei Bueno
Lucernário
POESIA REUNIDA