Pois é, béspa de Sant'Antôin - meu santo de devoção, irmanado ao Bom Francisco e à Mãe Luzia - nem mesmo uma gravíssima pane em meu computador, sem dúvida urdida nas suspeitíssimas e profundas hostes do Báratro, pôde me impedir de vir aqui a uma lan house e postar dois poemas - um novinho em folha! - em louvor à nobre data, já que não poderei hoje acender a Fogueira de Santo Antônio naquela casa ali em Santa Luzia, como fiz por muitos e muitos anos.
São dois poemas, Outros Fantasmas, e A Vida E Os Sonhos de Rita Maquileine qiue postamos hoje, 12 de junho de 2012.
O primeiro poema veio de minha preocupação com "o silêncio no poema". Sim, poruqe num poema há momentos de silêncio, até pra se poder respirar direito, mas quando o poema é bom mesmo, em tais momentos de silêncio se faz uma reflexão sobre o que foi lido até então e surgem como que ecos reflexivos que preenchem tal silêncio com sons e imagens bem nossas, inspiradas pelo poeta autor daquele poema, e, claro, de acordo com tudo que lemos e vivenciamos até então. Tendo ainda que O Livro do Gênese pode se considerado um poema, como todos os Livros que deram origem a deuses, anjos, diabos, pode-se dizer, ou pensar, ou escrever, que os anjos são "fantasmas diversos" (outros fantasmas) que, ao invés de amedrontarem ou assombrarem, iiluminam nosso caminho e velam por nós.
Pronto, está então aberta a porta para a entrada dos Fantasmas do Bom e Velho Amor, todos eles aqui representados pela lembrança da caicoense moreninha auto-denominada "Rita Shirley MacLaine", que tão gentil e doce e calidamente acolheu-me em seus braços numa noite já longínqua de São Pedro na cidade de Várzea nalgum felicíssimo ano do final da Década de 80 do Século passado (O tradicionalíssimo João Pedro de Várzea, nos limites da Paraíba com o
Rio Grande do Norte, hoje em dia é depois depois do tríduo junino, já no mês
de julho, mas naquele tempo era ainda realizado na data tradicional de São Pedro).
Nesses tempos de globalização, nada como modernizar a empresa e anglicizar, ou americanizar, o próprio nome, para que a entrada de clientes, dólares e euros, possam trazer frutos mais concretos ao velho amor. Rita Shirley Maquileine foi uma pioneira, e era romântica, e merece a homenagem, pois suas fantasias tinham o amor mesmo, o verdadeiro, como fim: ela só queira sonhar mais alto, coisa de cinema, amor com arte, trilha sonora de qualidade inclusive. Hoje em dia as meninas mais radicais ali na Praia de Ponta Negra, na boa e cosmopolita Natal, já dispensam os nativos de cara: - "Só saio com gringo!" Claro que duas de cem, ou três em último caso, as fazem pensar melhor, mas essa é uma realidade do amor nos tempos do dólar.
Rita Shirley MacLaine, porém, era uma menina doce e pura, como decerto ainda deve ser, além de belíssima em seu jeans com um agasalho braquinho com motivos azuis e vermelhos!
O "Curso Normal", ou "Pedagógico", era um curso que qualificava as moças para serem professoras, e deve existir ainda com outro nome. O Funrural, nos anos 70 e 80 do meu tempo, era que a Previdência dos trabalhadores rurais, e lidava com sindicatos, licenças e aposentadorias da pessoas ligadas à agricultura e decerto pecuária.
O leitor mais atento perceberá que a partida da estrela de sua cidade natal abalou de tal forma a estrutura da mesma que até as estrofes do poema se modificam, passando de sextilha para septilha - Tem nada não, Ritinha, deixe o povo falar: você tornou sua cidade e a Poesia, maiores!
absaam
OUTROS FANTASMAS
Quando o poema é de grande calado
pode-se ouvir no silêncio
da pausa precisa da inspiração
estranhos ecos
que refletem
as imagens mais que sugeridas
pelos versos impregnados
de catexias.
Quando o poema é de grande calado
pode-se ouvir no silêncio
os murmúrios encantados
do canto.
Porque toda a Poesia é fantasmagoria.
Entretanto os seus fantasmas
antes de causarem medo,
extasiam.
Que os anjos nada mais são
do que os fantasmas da Poesia.
Quando o poema é de grande calado,
pode ouvir no silêncio
fantasmas de versos.
Antônio Adriano de Medeiros
A VIDA E OS SONHOS DE RITA MAQUILEINE
Nascida entre a igreja
e a praça principal,
filha de funcionário
lotado no Funrural
e de uma professora
que fez o Curso Normal,
tem futuro especial:
para que qual astro reine,
teve a era assentada
no cartório de Gisleine
com um nome de estrela,
Rita Shirley Maquileine.
Por mais que sua mãe treine
a grafia consertar,
porque não sabia inglês
na hora de registrar,
o que a Lei escreveu
não mais se pode alterar.
Ajoelhou no altar,
implorou a deputado,
falou com vereador,
dormiu com advogado,
mas o nome "Maquileine"
não pôde ser revogado.
No dia do batizado
o santo padre explicou
que amor à Língua Pátria
a mãe ali demonstrou:
pegou um nome estrangeiro
e o abrasileirou.
A família se apegou
à tão santa explicação,
e a menina cresceu
obedecendo à lição:
pegar tempero estrangeiro
e misturar com feijão.
Ritinha não teve irmão,
sempre sozinha a sonhar,
brincando com as bonecas,
sua casa a arrumar,
e só depois que foi moça
é que deu de namorar.
O primeiro foi Vavá,
mas a mãe não aprovou:
o pai era cachaceiro
e o namoro se acabou;
um soldado de puliça
da menina s'engraçou.
Mas o namoro findou
já pelo terceiro dia,
quando Ritinha notou
que o soldado fazia
carinhos indecorosos
na empregada Maria.
Teve Neném de Luzia,
pobre, mas rapaz direito.
Valério, que tinha fusca,
tentou, mas sem ter proveito,
pois quem tirou seu cabaço
foi o filho do prefeito.
O ladráo véi deu um jeito
naquela situação,
pois Rita era de menor,
podia dar confusão:
aposentou o pai dela,
empregou na Fundação.
Depois disso, Zé Grandão
deixou Ritinha em ardência.
Em seguida, Zé de Joca,
desquitado de Vicência,
fez Maquileine feliz
e lhe deu experiência.
Ela bate continência
e sabe fazer mingau;
aprendeu que pra ser gata
não basta fazer miau,
e que cobra venenosa
mora no oco do pau.
Um dia da Capital,
chegou Sônia Malazarte,
que andava quase nua,
tatuada em toda parte,
e que disse pra Ritinha
valorizar sua arte:
- "Você vive aqui qual mártir
desses cabras do sertão,
montada por agroboys
que a esporam sem perdão,
e no fim da vaquejada
não lhe sobra um só tostão..."
Ritinha disse que não
poria o amor à venda,
pois ganhou do desquitado
já um vestido de renda,
e aquele advogado
a levava pra fazenda.
- "Ai, pobre menina: aprenda
que o que vale é dinheiro!
Você vai perder a vida
s'entregando a beradeiro:
a mulher só tem valor
quando dá pra estrangeiro."
E Sônia mostrou primeiro
o seu colar de brilhantes,
depois suas muitas jóias,
- ouro, prata, diamantes -
tudo aquilo conseguira
com seus amores pagantes.
Rita pensou nos amantes
que só trazem humilhação,
comentários no colégio
da baixa reputação;
até de mulher casada
levara esculhambação...
Sônia voltou no São João,
trouxe máquina fotográfica,
e do corpo de Ritinha
fez imagem geográfica:
montanhas, montes, floresta
e a boca, santa e mágica.
E a decisão foi trágica:
houve choro na estação.
A filhinha do casal
se despediu do sertão.
Mas voltou no fim do mês,
buchuda de um inglês,
de francês, ou alemão.
Hoje vive de pensão,
não tem do que reclamar.
Já deu cria à Maquidonna,
à Maquileide e Sará.
E as três já foram informadas
que só serão batizadas
nas espumas d'além mar...
Antônio Adriano de Medeiros