Certa vez, aí pelo final dos anos 80, quando tinha escrito uns cento e poucos poemas, imaginei um livro onde caberiam todos eles, e cujo título seria Frutos da Morbidez - uma homenagem às Flores do Mal, pretensioso que era (?) - e tal livro teria três capítulos, para poder caber, sistematicamente, toda a minha obra poética: os sonetos malditos, os poemas anaplásicos (sem forma definida, herança das piores neoplasias, os cânceres mais destrutivos e incuráveis) e por fim o Zoológico Fantástico. Depois, uma tempestade de poemas inflacionou os frutos da morbidez, e talvez cada um dos capítulos pudesse hoje ser um livro à parte.
Pois bem, os sonetos malditos começariam com uma Advertência ao leitor para não ler tal livro, depois viria um Propósito, um convite (R.S.V.P) e começaria então um desfile de criaturas, fatos e situações não muito recomendáveis, malditas ao meu modo de ver, "assassinos e ladrões, rufiões, psicopatas, e sujos mendigos bêbados exalando mau-odor - são todos meus convidados para a Ceia do Amor!" (assim rezava - com o perdão da palavra - um dos sonetos malditos). Mas e na hora de acabar, de concluir os sonetos malditos, que mensagem iria deixar?
Foi aí que surgiu o Último Soneto, que hoje postamos neste modesto blog. Um soneto com alguns versos esdrúxulos, ou seja, longos demais. Em seu ùltimo soneto o poeta faria reflexões sobre sua própria natureza, e razão de ter passado por todas aquelas situações, convivido com ou cantado aquelas criaturas... Enfim, ter suportado a existência.
absaam
ÚLTIMO SONETO
O Poeta é escravo de toda a raça humana!
Ele sente a dor de todos, e sofre por cada um.
Mas, parece que tal sensibilidade aos outros engana,
pois todos que o conhecem não lhe dão valor algum...
O Poeta é um degenerado, um fraco, espécie de deficiente
incapacitado para os assuntos práticos dos homens sérios...
A atividade mais simples lhe parece cheia de mistérios,
e ele erra, e repete, e torna a errar, feito criança ou demente.
Pobre Poeta! Quem o condenou a sofrer tanto assim?
- Foi o Diabo? Foi Deus? Os seus pai? A Matéria? A que fim?
- Ah, o Poeta nem ouve as perguntas que faço,
e segue indiferente, sem ódio, rancor ou cansaço,
esse ser tão sensível, e frágil e daninho, carregando a sua dor...
Mas ás vezes me conta um segredo, baixinho: "- O culpado é o Amor!"
Antônio Adriano de Medeiros
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