quarta-feira, 4 de julho de 2012

sonetos de corno e putaria



Passado então o São João, onde fomos por demais saudosistas e bonzinhos, urge cair na realidade, e vamos logo com força postar uns sonetos bem malditinhos, sonetos de corno e de cabaré, ou de chifre e putaria. como queiram.

Os seis (logo seis, esse número?), pois bem, a meia-dúzia de sonetos a seguir na verdade são dois poemas, e tiveram, não há como negar, inspiração verdadeira, digo, os poemas a seguir tiveram  - felizmente! - fatos que os desencadearam, que os provocaram, que os pediram, diria mesmo que os imploraram. Foi chifre, leitora, foi sim o velho chifre: num caso, o do solitário soneto cujo título é À Musa Adúltera, um chifre bem real, e de corpo presente, ou seja, um chifre onde a vítima, ou seja, o corno, estava presente à cena, ou pelo menos à grande casa cheia de quartos onde desenrolou-se o affair, o caso, o acontecimento. No caso dos Cinco Sonetos da Vida Familiar o motivo foi, confesso, simples ciúme.

Para quem não acredita que o velho e bom chifre seja uma potente fonte de inspiração poética, conto a história da gênese dos Cinco Sonetos, que a gênese da Musa Adúltera é pessoal demais, e basta saber que ele foi inspirado em um fato real, um chifre de corpo presente.

Pois bem, aconteceu de minha namorada daquele tempo ir comigo ao sítio de seu pai para um bom banho de rio, e de levar ainda um casal, a saber, uma mãe e seu filhinho de oito anos de idade e de mãos atrevidas. Um momento lá em que A Namorada estava longe de mim e perto do Menino, bem pertinho aliás, ouvi os gritos mesclados de surpresa e alegria da Moça - "Ai! Ui! Aiui! Que menino danado!..." Quando olhei para os três, as duas mulheres riam, e o Danado mergulhava e vinha á tona, brincalhão e sonsamente, como se não tivesse feito nada demais. Como precisei fazer uma longa viagem de cerca de 7 horas de ônibus naquele final de semana, sozinho, um lápis e uma agenda vieram em meu auxílio para que eu me vingasse do atrevimento daquele Danado, eternizando ali o ciúme real de um coração de poeta. 

Só uma coisinha sobre À Musa Adúltera: quem seria o "astuto sedutor" final, o traído que talvez a obrigou a  trair pra se inspirar e inventar a história toda do soneto com seus raros adjetivos, ou a vítima anônima, o inocente da trama? Tenho meu palplite...

Bom, vale lembrar, antes de mais nada, que alguém já disse que "não há corte sã sem cortesã".


absaam





        CINCO SONETOS DA VIDA FAMILIAR


- A história de um filho da puta com pedigri e método -



1. MAMÃEZINHA QUERIDA

Minha mãe foi a rameira mais famosa de seu tempo.
Esbelta, educada, linda - corpinho de violão
desses em que todo homem deseja passar a mão -
só dedicou-se a tal vida por causa de um contratempo...

Seduzida por um cabo, aos catorze engravidou.
O milico, já casado, nem ligou pro seu estado;
a jovem ludibriada foi queixar-se ao pai amado,
mas este deu-lhe uma surra e de casa a expulsou.

Mamãe, moça de família, educada em bons colégios,
correu para a capital, e na casa de uma amiga
revelou, chorando muito, toda a lamentável intriga.

A outra moça, zangada, preparou um sortilégio
a combater o mau pai, e levou-a até Dona Dalva...
E a velha se encantou com aquele pele tão alva!



2. A INFRA-ESTRUTURA

Dona Dalva, caridosa, velha acostumada a dar
acolhida aos desgraçados, aos sem-teto e sem-pão,
ofereceu a mamãe não apenas novo lar,
como também noções básicas de uma boa profissão.

E a dedicada ex-aluna do colégio das irmãs
revelou rapidamente ser excelente aprendiz,
pois já na noite seguinte o senador deu-lhe um bis,
o que rendeu-lhe um séquito interminável de fãs.

É que o velho parlamentar, vítima de muito trabalho,
há tempos não encontrava quem lhe quebrasse o galho...
Quanto a mamãe, tanto empenho, os gritos, a rouquidão,

as posições variáveis, o rubor, o choro, o banho,
à medida que aumentavam de fregueses o rebanho,
elevavam seu cachê, na mesmíssima proporção.



3. O PARTO

E, quando nasci, mamãe já tinha um certo conforto.
Pois, durante a gravidez, esforçou-se, noite e dia,
variando as posições conforme o ventre podia,
engolindo espadas mil e sentando em toco torto,

mas sempre dando o seu show conforme o público exigia,
pra que eu pudesse ancorar já em um tranqüilo porto.
Mas tanta dedicação e apego ao que fazia
quase que acabavam tudo e o filho nascia morto...

Ora, vejam só a hora que escolhi pra vir ao mundo!
Mamãe, sempre dedicada, com um freguês ia fundo
no teatro do labor, e o homem, inexperiente,

confundiu os seus gemidos com os do expediente,
demorando a entender o que ali se passava...
Só sei que quando eu nasci, quase que não respirava.



4. A INFÂNCIA


    "ai que saudades que tenho da aurora da minha vida..."
             Casimiro de Abreu


Poucos sabem o quão gostoso é ser criado em cabaré!
Fui muito bem recebido ao verem que era um macho:
dizem que algumas moças aplaudiram-me de pé,
e que uma preta velha preparou logo um despacho.

As moças se revezavam em educação e cuidados.
Para não atrapalhar de minha mãe os bons ganhos,
quase nunca a deixavam perder tempo com meus banhos
que, à medoida que crescia, ficavam mais demorados.

Tratavam-me como um filho, porém com mais regalias.
Às vezes desabafavam e contavam mil segredos...
Quando voltavam da rua enchiam-me de brinquedos...

- Ai que saudades que tenho daquelas fêmeas vadias,
principalmente em noites de relâmpagos e trovões
quando expulsava de seus colos os malditos rufiões.



5. MATURIDADE

No negócio de mamãe, hoje quem manda sou eu!
Esforço-me pra adaptá-lo à nossa modernidade
cursando administração numa boa faculdade,
para obrigar os gringos a aqui deixarem o seu.

Bem sei, porém, que muito mais importantes
que os estudos acadêmicos que me agravam a miopia,
foram as lições elementares que pude receber antes,
quando mascote e senhor da safadeza e orgia.

Assim, não posso negar que de tudo que aprendi
o que hoje faço melhor, o que jamais esqueci
nem por um instante só, diz respeito ao trato com mulheres.

E é com orgulho que digo que sei tratar bem tais seres.
- Sei tratá-las muito bem, pois só uso-as quando quero,
e é no tapa que resolvo se me vêm com lero-lero!




                 Antônio Adriano de Medeiros
                 10.11.1991.


À MUSA ADÚLTERA


Teu colo é um antro onde os homens se saciam!
Tua boca suga e morde, e grita, e molha
a todos que te procuram, quase sem haver escolha,
pois só queres do amor os fógos que extasiam.

És de todos a predileta, do mundo inteiro
a dileta Cortesã. - A dedicada serva do bando
não pode ver um pau duro que cai em cima babando,
nem nega a preferência pelo cabra forasteiro.

Rainha dos cabarés, inspiradora de versos e facadas,
frequentadora assídua de boléias nas estradas,
rapariga traiçoeira, causa de morte no cais..

- Ainda assim te amo, ó pobre mulher perdida,
com todo o amor que se dispensa a uma alma corrompida
pelo astuto sedutor que atende por Satanás!


           Antônio Adriano de Medeiros
           1991