quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

duas raras mulheres do sertão


Apois bem, voltemos às raízes da pura poesia, e poesia pura em se tratando de um sertanejo que nem eu é cordelosa; seguem dois poemas de um tipo de cordel criação minha, as Apresentações. Nas Apresentações alguém está-se apresentando, e tem toda a liberdade de dizer quem é com suas próprias palavras. Essas duas sertanejas radicais (mas que abrem exceção, dizem elas mesmas), Maria Cabaço e Maria Sá Patona têm, porque elas mesmas quiseram, cada qual uma epígrafe forrozeira: a primeira de um forró de Genival Lacerda (letra de João Lacerda), A Filha de Mané Bento; a segunda, a célebre música Paraíba, de Luiz Gonzaga (letra de Humberto Teixeira).


Respeitem as menina!


absaam



APRESENTAÇÃO DE MARIA CABAÇO

"O que é bom tá guardado!
O que é bom tá guardado!"


Eu sou Maria Cabaço
da Resistência de Aço
– Sou Reserva da Pureza!

Não gosto de safadeza!
Não ando com rapariga!
Em minha bandeira Négo,
como flor da Paraíba,
a natureza inchirida
das muléres sem nobreza!

Minha fulô tem pureza,
minha rosa é uma cruz!
Grandes lábios de tesoura
– Aqui só entra Jesus!
Juro que corto à navalha
a rola de algum canalha
que me afaste da Luz!

Macho ou feme num seduz
priquito prenhe de Fé!
É pior que Lucifé
o comprador de cabaço!
– Eu ainda me desgraço
mas deixo um sem tripé!

Num pode ficar de pé
quem faz a Obra do Cão:
comprar cabaço inocente
na miséria do sertão...
Eu juntava toda a réca
e assava uma bisteca
na fogueira de São João!

Arde a Santa Inquisição
com o seu fogo sagrado
em meu coração cristão,
no meu cabaço intocado...
O Sol queimando o Sertão
manda um recado pro Cão:
– “Vamos te assar, Danado!”

Meu cabaço tá guardado
pra quando eu chegar no céu.
Por direito é de Jesus,
mas dou primeiro a Miguel
porque foi a sua Espada
que mandou toda a cambada
de diabos pro beleléu!

Meu coração é fiel
mas sou mulher verdadeira.
Negociei com Jesus
pois a carne é traiçoeira:
e quando me dá a louca
meto uma rola na boca
ou abro a porta traseira!


Maria Cabaço da Resistência de Aço
By Antônio Adriano de Medeiros



APRESENTAÇÃO DE MARIA SÁ PATONA

“Paraíba masculina
Mulher-macho, sim sinhô!”

Sou Maria Sá Patona,
sou briguenta e sou mandona,
mulher-macho do sertão.

Nunca temi ôme, não;
se vier eu boto abaixo!
Já derrubei muito macho,
fiz rastejar pelo chão
a mim pedindo perdão,
chorando e falando baixo!

Pra ôme eu num mim agacho,
nem tomém passa pur cima.
Mas sendo moça, minina,
loba do corpo bonito
– em suma, tendo priquito –
minha alma desatina.

Sei ser inducada e fina
com os seres do meu sexo;
lhes dou palavras de mel
e muito suave amplexo.
Língua é cobra e beija-flor,
peçonha enlouquece a flor,
faz dizer coisas sem nexo.

Cum ôme eu num mim anexo,
corto o talo e jogo fora
se vem se inchirir pra mim.
Por Deus e Nossa Senhora
antes que tal aconteça,
sinhô ôme, num se esqueça
disso que falei agora.

Mode que já ta na hora
do mundo inteiro saber
que o sertão da Paraíba
é muderno pra valer:
Que nem Gonzaga cantou,
mulher-macho sim sinhô
temos pra dar e vender!

Mas num pense vosmecê
que só penso in safadeza.
Sei bordar e costurar,
meu cozido é uma beleza...
E as vez abro inceção:
Ôme faz meu coração
bater contra a Natureza!

Sei servir em cama e mesa
e tão bem que... ôxe, vixe!
E tenho um antigo sonho,
adoidaiado e medonho
– ser carne dum sanduíche!

Maria Sá Patona
by Antônio Adriano de Medeiros