Nessa quarta e última parte da modestíssima série No hospital dos Lunáticos, vamos abordar a questão do tratamento de dependentes químicos em regime de internação, que só um alienado julgaria desnecessário em muitíssimos casos, mormente depois do advento do crack, mas ainda em casos de dependência de cocaína aspirada, injetada, e outros de alcoolismo severo, quando a pessoa dependente química não está conseguindo ficar abstinente. Sobre drogas tipo LSD e heroina não opino porque nunca vi tais casos, aliás vi apenas um caso de dependência de heroína em meus anos de Rio de Janeiro, e era necessária a internação.
Vale dizer que me refiro a Dependência Química pura, sem dignóstico psiquiátrico anterior,isto é sem psicose anterior, e sem sequela irreversível: tais drogas tanto podem provocar síndrome amnésica (tipo a do alcoolismo, e irreversível em sua totalidade) como uma psicose residual, espécie de cicatriz comportamental grave que alguns usuários pesados e crônicos (por longo tempo) padecem; o termo "residual" sempre significa irreversível em seu todo (com o tratamento psiquiátrico podem melhorar, há atenuação dos sintomas, tanto nas residuaisi como nas amnésicas). Há ainda os complexos casos das psicoses funcionais (psicoses tipo esquizofrenia e transtorno bipolar) associados a drogas psicotrópicas - sempre será necessário usar medicamentos antipsicóticos.
Com relação à maconha, é minha modesta opinião que uma pessoa que venha a ter problemas graves com a maconha já tinha uma herança psicotógena muito forte; o uso da erva entrou como um sintoma. Mas também não posso impedir um pai que queira, assim como o Herdeiro do trono inglês, internar seu filho porque soube que ele está usando maconha. Apenas diria que certos medicamentos psiquiátricos também podem deixar sequelas irreversívies (discinesia tardia) ou mesmo serem muito graves ou fatais se não tiverem um diagnóstivo precoce (síndrome neuroléptica maligna). Há ainda pais que julgam que o uso da maconha pode levar o filho a conhecer o mundo underground, o que não mseria o desejo deles pais, como no caso do herdeiro do trono inglês, mas isso é muito alto para o alcance deste modesto escrevinhador.
Com uma coisa porém ninguém se engane: algumas substãncias serão sempre ilícitas, terão sempre seu uso proibido pela lei. Pouca gente sabe a razão mesma, mas ela é tão óbvia: é só pensarmos na razão mesma da existência da lei, vale dizer, da Justiça - ela existe pra proteger os mais frágeis. E há pessoas mentalmente tão frágeis (aquelas de quem podemos dizer "com forte propensão psicotógena") que ficarão não só dependentes, mas psicóticas, até mesmo com maconha e com... bebidas alcóolicas! Tais pessoas talvez acabassem tendo problemas mentais graves mesmo sem usar drogas, mas isso demoraria mais cinco, dez, sei lá, vinte anos, e poderiam mesmo, em tese, nunca virem a padecer de tais males; daí que a lei, por sua natureza profilática e vigilante no meio social, sempre ser contra o uso de tais substâncias.
Feitas essas considerações preliminares, passemos ao estado atual das coisas no Brasil, focando principalmente a política atual de combate ao crack, com a chamada internação involuntária dos dependentes. Era necessário. O estrago do crack na mente de uma pessoa é grave demais. Vi jovens de 16 anos saírem de casa, abandonarem tudo, pra viverem em quartinhos de quintal de subpensões apenas para terem dinheiro para usar o crack; a uma delas perguntei se o sentido da vida seria então usar crack, e ela me respondeu assim: "É claro que é!"
Já li gente dizendo que a internação involuntária trouxe um atraso de cinquenta anos à política de saúde mental no país... Ignoram a psicopatologia, não pecebem que um trago de crack provoca uma alteração no estado da conciência (psicopatologicamente falando), que, com o uso repetido, faz o dependente viver num mundo mais estreito, tranformando-o num planeta que gira em trono do sol-crack, e, o que é mais grave, a órbita vai se tornando cada vez menor, e tudo que a pessoa faz ou pensa tem na realidade o único objetivo d epoder voltar a adquirir a droga, e que só uma internação prolongada (de uns quatro a seis meses no mínimo) poderia tornar o lado saudável de tal pessoa forte o suficiente para que ele pudesse resistir ao delírio da fissura, ou seja, ao desejo agudo que surge obrigatoriamente naquelas pessoas que conheceram a sensação que o crack dá, à fortíssima sensação de prazer doentio que o crack provoca, que é na verdade uma pertubação do estado da consciência (o qual tem ligação íntima com o humor, e portanto com a afetividade). Outra coisa é a druaçãom da internação compulsória, não pode a meu ver ultrapassar um ano, e a primeira licença para sair deve ser em torno do quarto ou terceiro mês; deve-se ser taxativo em avisar que uma outra internação involuntária para a mesma pessoa deve ter um prazo de pelo menos dois anos, pelo menos para um período longo; uma reinternação em prazo mais curto não poderia, a meu ver, ultrapassar o período de um m~es, em casos de recaída grave.
Finalmente vem a questão de para onde a pessoa deve ir. A meu ver, vez que o que se pretende é resgatar o lado saudável daquela pessoa, o qua se en contra obscurecido pela pertrubação da consciência (e depois do humor e da afetividade) provocada pela droga, o local ideal seria um lugar saudável, onde as potencialidades normais de um ser humano pudessem ser desenvolvidas; isso remete preferencialmente a uma espécie de pequena fazenda, uma chácara, onde, além dos cuidados pessoais, do relacionamento interpessoal, ela pudesse ter atividades diárias ininterruptas, além do chamado apoio psicológico ou espiritual. Isso remete, em nossa realidade brasilieria, às comunidades terapêuticas.
Claro, os sábios leigos já se opõem ao que seria um caso de simplesmen te se trocar o crack por Deus ou por Jesus. É bom lembrar que a outra hipóteses seria trocar o crack por um neuroléptico ou um antidepressivo, e é bem provável que tal troca não seja bem aceita pelo dependente... Não vekjo problema algum em voltar a crer em Deus, desenvvolver um conceito de que existe um caminho melhor, mais saudável, que cada pessoa possui dentro de si uma semente da força criadora da natureza, e que essa semente pode ser desenvolvida se regada diariamente com atividades saudáveis, assim como em uma horta se trabalha diariamente limpando-se o local, adubando-se, regando-se e se retirandoas ervas daninhas. Claro que seria importante ter-se ali psiquiatras e psicólogos, contanto que tanto estes como os religiosos estejam desarmados e prontos ara uma convivência saudável entre ciência (?) e religião. Os sábios materialistas e os profetas pregadores talvez precisem se conscientizar que nem um lado nem o outro é senhor da razão; sábios e profetas pregadores também podem, e precisam, melhorar.
Finalmente, quero recomendar a modesta leitura de um livrinho do psicanalista paulista Flávio Gikovate, um livro que já tem alguns anos e que quase não mais o vi nas livrarias, mas que a meu ver, deveris ser obrigatório nas escolas (ele é voltado apra adolescentes), cujo título é "Drogas - Opção do Perdedor". A leitura de tal livro é importantíssima, ali tanto tem noções sobre a adolescência e juventude, as mudanças de tal idade, as razões pelas quais as drogas são buscadas, alguma coisa de psicologismo, e até recomedações para se buscar Deus na recuperação. Uma vcoisa interessante que vi no livro é a pergunta se se deve ou não usar uma droga para se conhecer seus efeitos; a resposta é não. Porque você pode gostar ou não gostar. Se não gostar, pronto, não valia a pena, então não precisava usar; agora, se gostar... Aí a coisa pode ser mais complicada, porque você poderá ter problmeas bem mais graves no futuro.
Bom, agora vão os textos... poéticos! Modestíssimos, são três sonetos cuja tríade a chamei de A Dialética das Drogas. Na dialética há três fases, uma idéia, seu oposto, e o julgamento final, sendo que os ilósofos as chamam de tese, antítese e síntese. Na tese, a pessoa pode usar drogas; na antítese, não pode; e na tese, as consequências, a meu ver, dizem que ela não deve.
Até porque a A Dona do Pedaço pode acabar internando-a compulsoriamente num hospital de lunáticos, ou num luigar parecido.
absaam
A DIALÉTICA NAS DROGAS: TESE, ANTÍTESE E SÍNTESE
1. Tese: o experimentador
2. Antítese: soneto para o viciado
3. Síntese: a dona do pedaço
O EXPERIMENTADOR
O lado doente do meu ser diverte-se
quando prova de seu gosto açucarado,
e todo o augusto eu em cínico tarado
logo a seu bel-prazer então perverte-se.
Por que hei de esquivar-me ao lado mais sombrio
desse meu ser que inteiro é luz e escuridão?
Eu peço, soldadinho: me mostre uma razão
para renegar às trevas o meu bom lado doentio!
- Não sabes, imbecil, nem hei de ensinar-te,
que não é esta a função da minha arte!
Acaso, ó energúmeno, não posso, no poço
mais profundo do meu ser colosso,
mergulhar nos limites do existir humano
e resgatar o escravo que finge ser soberano?
UM SONETO PARA O VICIADO
Qual um rato - existe animal mais vil? -
que em busca do queijo na ratoeira encontra a morte,
também o viciado algo de precioso na droga viu
e ao prová-la equiparou-se ao rato em igual sorte.
A cada dia repetem-se os atos insanos
que tu perpetras procurando sempre mais
a substância que te afasta dos humanos
e te aproxima dos seres irracionais.
Escravo do animal que existe em cada homem,
teus desvarios e fantasmas te consomem:
da sociedade só vergonha tu desfrutas!
E já que vieste ao mundo provido de Razão
e não qual um simples roedor que vive em grutas,
os ratos que me perdoem a infeliz comparação.
A DONA DO PEDAÇO
Meu caro leitor, fraterno,
sabe um veneno nocivo
que faz do homem moderno
um animal primitivo?
Ou já viu um morto-vivo
vagando pelo Inferno?
Acaso quer ser cativo
de algum castigo eterno?
Prove então da doce relíquia
que te oferece na cidade a gente iníqua,
e repita a dose ad nauseam, feliz...
Depois a Lei se esforçará para reabilitá-lo,
podendo mesmo chegar um dia a guardá-lo...
- A Lei que dela é patroa e meretriz!
Antônio Adriano de Medeiros
1. Tese: o experimentador
2. Antítese: soneto para o viciado
3. Síntese: a dona do pedaço
O EXPERIMENTADOR
O lado doente do meu ser diverte-se
quando prova de seu gosto açucarado,
e todo o augusto eu em cínico tarado
logo a seu bel-prazer então perverte-se.
Por que hei de esquivar-me ao lado mais sombrio
desse meu ser que inteiro é luz e escuridão?
Eu peço, soldadinho: me mostre uma razão
para renegar às trevas o meu bom lado doentio!
- Não sabes, imbecil, nem hei de ensinar-te,
que não é esta a função da minha arte!
Acaso, ó energúmeno, não posso, no poço
mais profundo do meu ser colosso,
mergulhar nos limites do existir humano
e resgatar o escravo que finge ser soberano?
UM SONETO PARA O VICIADO
Qual um rato - existe animal mais vil? -
que em busca do queijo na ratoeira encontra a morte,
também o viciado algo de precioso na droga viu
e ao prová-la equiparou-se ao rato em igual sorte.
A cada dia repetem-se os atos insanos
que tu perpetras procurando sempre mais
a substância que te afasta dos humanos
e te aproxima dos seres irracionais.
Escravo do animal que existe em cada homem,
teus desvarios e fantasmas te consomem:
da sociedade só vergonha tu desfrutas!
E já que vieste ao mundo provido de Razão
e não qual um simples roedor que vive em grutas,
os ratos que me perdoem a infeliz comparação.
A DONA DO PEDAÇO
Meu caro leitor, fraterno,
sabe um veneno nocivo
que faz do homem moderno
um animal primitivo?
Ou já viu um morto-vivo
vagando pelo Inferno?
Acaso quer ser cativo
de algum castigo eterno?
Prove então da doce relíquia
que te oferece na cidade a gente iníqua,
e repita a dose ad nauseam, feliz...
Depois a Lei se esforçará para reabilitá-lo,
podendo mesmo chegar um dia a guardá-lo...
- A Lei que dela é patroa e meretriz!
Antônio Adriano de Medeiros