segunda-feira, 21 de novembro de 2011

no hospital dos lunáticos - 3/4




Sei que, por razões principalmente existenciais, tornei-me Diretor de um hospital psiquiátrico em Caicó aos 28 anos,em agosto de 1990, numa época em que já era proibido abrir novos serviços de saúde mental com o nome maldito de "hospital psiquiátrico". Fato é que, após aprovado em concurso público, fui chamadoi pra dirigir um hospital, o qual só depois de estar transferido foi que soube que não era público, mas sim ligado a uma instiutição filantrópica de médicos políticos; eu entrara como sendo "a parte boa", jovem, virgem no Estado e na política, e concursado; alheio ás investidas da "direita hospitalar e da esquerda antimanicomial" (termos naturalmente maniqueístas, pra enganare os bobos, que na nverdade ambos só visam o póder), na verdade só queria atender gente como Celestino de Ouro Branco, Zefa da Paz, do Povoado Cobra de Caranaúba dos Dantas, Inácio Domingos do Caicó Grande, Lindalva de Currais Novos ou aquele rapáz de Jucxurutu que diante de minha chegada certa manhã gritou "Jesus chegou!" O Celestino, cujo sobrenome era dos santos, uma dia manifestou-se zangado com seu sobrenome, não o queria mais, doravante seria apenas celestino humberto. "Não, Adriano, eu não gosto mais desse nome, santos são só imagens"., E aquilo o revoltava muito, o sobrenome dos santos era uma coisa que o estava deixando muito raivoso, extrememmanete irritado, e demorou muito aquela consulta, e ele queria que eu, com o suposto mpoder que os pacientes julgam ter o médico que o atende, mudasse o mome dele no prontuário e na vida e no universo inteiro e no passado imemorial... Até que, numa das muitas vezes em que perguimtei a razão do desejo da mudança, ele disse: - "Adriano, porque anjos somos nós" Aí estranhamente passou a raiva, alguma coisa aconteceu, os anjos e santos parece que sopraram uma brisa doce e as imagens naquela mente tão sensivel fizeram as pazes, e ele pôde alguns meses depois se apaixonar por Doutora Nina, médica, mulher de outro médico de lá, já falecida, e nunca mais me deu muita atenção; doravante só quis toido da doutora Nina. Eu também pude, ali em Caicó, por algum tempo, ser um poeta violeiro, e naturalmente alguns versos e até uns forrós e mesmo uns dois sambinhas eu os pude compor. Mas a melodia mais estranha que pude imaginar foi num cordel de mal-assombro. No Auto da Catingueira de Elomar tem uma composição onde Dassanta, a musa dos violeiros, fala "das visagens e latumias" que pôde ver e ouvir, e esse cordel que segue tem uma melodia original, tanto que as rimas não obedecem ao padrão clássico da sextilha cordelista, que pode-se dizer ABABAB, e sim ABBAAB. Alucinação na Caatinga pode ser mesmo um surto onde alguém julgou ter visto e sido perseguigo pelo Senhor Diabo, ou quem sabe uma história que narre um fato real. As imagens sugeridas são possíveis, considerandoi os mitos da fé sertaneja. Na anticlímax apoteótico do cordel, o antiherói, após bagunçar o sertão em noite de ventania,, chegando a dançar com a santa padroeira de uma cidade que já teve um São João tradiconal, acaba internado num hospício em Caicó, assim se regenerando, slavando-se e se curando de uma vez só. Outro dia um psiquiatra amigo meu, antimanicomial às vezes radicaa, cismou de mudar os últimos versos para "Não vivo mais internado num hospício em Caicó". Depois que eu já saíra de lá, da cidade de Caicó, ele quis que eu me salvasse também, possivelmente, e queria que eu insinuasse que os pacientes agora deveriam se tratar nos CAPSes Quem precisa deve-se tratar em qualquer lugar, o nome também pode ser ambuilatório de saúde mental. Mas as pessoas que eu quis homenagear no cordel abaixo passaram alguns dias internadas num hopspício em Caicó.

absaam

ALUCINAÇÃO NA CAATINGA

Uma noite mal-assombrada

eu vi chegar no sertão

a Caravana do Cão,

alegre e muito animada:

Satanás dando risada

envernizava um caixão.


Eu cheguei perto do Cão

e perguntei se era pra mim;

parece qu’ele achou ruim,

pois assim me respondeu:

- "O cabra que já morreu

é melhor ficar calado!"


Eu corri desembestado

numa estrada de andar a pé.

Atrás de mim Lucifé

soltou trezentos cachorros

- macacos usando gorros

zombavam de minha fé.


Por artes de Lucifé

eu vi muita assombração,

meu corpo inda no caixão

na missa de sétimo dia,

- papagaio me seguia

repetindo extrema-unção.


Eu entrupiquei no chão

e meti a cara na lama,

minha mulher numa cama

bem servia a Satanás;

enchendo a casa de ais,

a debochar da minha fama.


- "Mulher ruim que me difama,

vou quebrar tuda careta!" -

Respondeu Mestre Capeta:

- "Pode vir, tô preparado;

já dei em corno e viado,

sou um diabo faixa-preta!"


Nessa hora Julieta

cai num pranto inominado,

sem saber para que lado

é que pendia a sua sorte;

naquela luta de morte

seu destino era traçado.


E eu com o Diabo travado

em uma luta medonha,

como quem fuma maconha

me senti desnorteado

tendo meu saco apertado

com uma força tamanha.


Aquele que um dia apanha

do Diabo jamais esquece,

o corpo todo padece

e se fica meio louco:

desde tal dia eu sou rouco,

e algo em mim apodrece.


O Satanás só fenece

tendo-me nocauteado.

Pôs Julieta de um lado

e sumiu pela estrada;

n’outra semana a coitada

veio bater-me à porta.


Encontrei-a quase morta:

as vestes todas rasgadas,

as lindas costas marcadas

por garras e por mordidas,

nas coxas feias feridas

que até hoje não sararam.


Contou-me que a estupraram

no mato meus inimigos,

mas o Diabo é nosso amigo

e só quis beijar sua mão...

Elogiou tanto o Cão,

qu’eu fiquei desconfiado.


Saí muito aperreado

e fui procurar um vigário,

que me chamou de otário

ao ouvi a minha queixa,

dizendo: - "Homem, vê se deixa

de pensar mal do Compadre!"


Disse o padre ser confrade

antigo de Satanás,

e: – “Desconfie dos mortais,

todo mundo é mentiroso:

imitações do Tinhoso,

não passam de seus iguais!"


Eu não conheci jamais

sensação igual àquela

e pulei pela janela

totalmente endiabrado

gritando: "- O padre é viado!

Aleluia, eu digo amém!"


Fiz coisas que não convêm

em poesia serem contadas,

passei noites nas estradas

como ladrão, bandoleiro;

fui galo de um puteiro,

já entrei nu em sermão.


Eu baguncei o sertão

em noites de ventania,

zombei de Santa Luzia

e chamei pra dançar forró;

hoje estou regenerado:

meus dias passo internado

num hospício em Caicó.


Antônio Adriano de Medeiros