quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

narcissuicida


Seriam duas pessoas muito chatas, mas não posso negar que são dois poemas bastante interessantes. Se bem que incomodam, sabem irritar.

É difícil dizer qual o humor do Pintor do Suicídio. Acabo ficando com o depressivo-irritado. Ele reclama da falta de inspiração para pintar, e de repente começa a pintar seu próprio suicídio, crendo certamente que a tal falta de inspiração seria definitiva e seria então a hora de pintar seu último quadro. Mas o que mais chama a atenção, a meu ver´é que se trata de um suicídio agressivo - não dá pra ter peninha, dó, desse suicida aí, antes raiva. O fato de ser tão claramente um suicídio heterodoxo nos mostra uma faceta estranha do suicídio, a saber, que háa li sempre algum grau de agressão para os que ficam, no sentido de que o que se mata pelas próprias mãos parece nos dizer "olhem o que eu faço com essa vidinha que vocês valorizam e prezam tanto!" E ele acaba agredindo a própria gramática ´"que cor terá minha tez quando encontrado?" - Nessa frase, o eu, apesar de oculto, é tão grande que domina a concordãncia verbal. Na verdad, foicaria feio reduzir o copro à mera cor da pele, de forma que preferi a concordância com o corpo inteiro; vale pelas duas coisas.

Já a outra personalidade narcísica, a que se revela com o nome verdadeiro, Narciso - sim, porque o Pintor do Suicídio também era um narcisista - me fez rir pra danado. Antes que alguém me pergunte já vou dizendo que nada de autobiográfico tem ali. Nem poderia haver. Pura ficção livre!

absaam



O PINTOR DO SUCÍDIO

Às vezes fico assim por muito tempo.
Nem um risco de poema cruza
essa névoa no mundo,
esse silêncio profundo,
esse céu cinzento.

Nem meu cadáver dependurado
pareceria ter qualquer graça.

- Que cor terá minha tez quando encontrado?
Que expressão dissimulará meu rosto?
Discreta baba escorrendo pela boca
à guisa de cuspe ou vômito,
na tua cara?


Antônio Adriano de Medeiros



NARCISO

Como todos são tão ridículos, limitados...
Desde menino que me sei genial!
Por isso desanco a todos, micos e nanicos, palhaços,
e nem temo as conseqüências:
já tenho a notoriedade desejada.

Alguém duvida de que serei poeta póstumo?

Reprovei os três sábios da Academia,
o judeuzinho, o macaquinho, o maçonzinho,
porque eles não mais serão que simples médicos:
não precisava deles.

Recusei ajuda do poderoso bufante,
o farsante coronel da política,
só pra mostrar que há algo maior que o poder:
sou mais sábio que ele.

Esculhambei com os macacos na noite escura
quando quiseram me amedrontar
com suas armas ridículas
e suas gargalhadas peculiares a banguelas medíocres:
sou mais homem do que eles.

Desprezei aquela a quem, confesso, até amara,
por um mínimo sinal de orgulho de menina mimada,
um escorregão que espatifou a perfeição,
um deslize que fez a bela apodrecer:
sou mais bonito que ela.

Não gostou do que leu, prezado leitor?
Que importa?
Escrevo melhor que você.


- Meu nome é Narciso!



Antônio Adriano de Medeiros