segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Antinous - poema inglês de Fernando Pessoa, traduzido




O modesto blog hoje se tornará precioso, pois hospedará um dos mais belos e raros poemas da Língua Portuguesa. Na verdade tal poema, do poeta português Fernando Pessoa, foi escrito originalmente em inglês - Antinous - e seu autor jamais nos deu sua versão em português. O maior poeta da modernidade na Língua Portuguesa escreveu muito, e tendo morado alguns anos na África do Sul, dominava o inglês como um nascido na Grande Ilha da Europa; nunca é demais lembrar sua tradução para O Corvo - The Raven - de Edgar Allan Poe, soberba! Ele escreveu por vários poetas, criando heterônimos, dando a si mesmo outros nomes de poeta, conforme o estilo, o tema, a forma de escrever. Mas não vem ao caso, uma que não sou grande conhecedor da Obra do Homem - digo, já li muitos poemas seus, mas na história mesma dela acho melhor não dá pitaco, pois posso falar besteira, e tenho autocrítica. Nem é esse o propósito desta postagem.

Fato é que é dificílimo encontrar, mesmo na Net, nos sites oficiais, uma versão traduzida do poema Antinous para o português; tem gente que escreve um livro só com os dois poemas, o original em inglês, a tradução para o português, e umas notas explicativas, por isso são ciosos de entregar o ouro. Eu sozinho busquei, mexi, cisquei, remexi, escavaquei, e não consegui encontrar uma versão completa de Antínoo em português, só trechos. Mas aí lembrei de alguém que poderia me ajudar, e ontem á noite pedi ajuda ao amigo Oswaldo Ribeiro Filho, netonauta de Natal - além de suas outras profissões -, que passeia com tranquilidade e eficácia condoreira e albatroziana pela blogosfera, pescando músicas e outros achados raros, e já hoje pela manhã encontrei em minha caixa postal a versão integral de Antínoo na tradução de Cunha e Silva Filho.

Antínoo foi um jovem grego considerado o padrão de beleza clássica masculina, assim como Helena de Tróia, ou de Esparta, ou de Tíndaro, ou de Menelau, ou de Páris, também de Leda, entre outros, dizem é considerada o padrão de beleza clássico feminino. Já Públio Élio Trajano Adriano (em latim Publius Aelius Traianus Hadrianus; 24 de janeiro de 76 — 10 de julho de 138), mais conhecido apenas como Adriano, foi imperador romano de 117 a 138. Humanista de primeira ordem, construiu muitos templos de inspiração grega em Roma e na Grécia e, por não apreciar matanças guerreiras, logo ocupou o exército romano na construção de uma muralha na Inglaterra, a Muralha de Adriano. Em suas andanças pela Grécia, o imperador conheceu Antínoo, de quem logo se afeiçoou devido principalmente à beleza do rapaz; o imperador era casado com Plotina, mas há quem diga que a amizade dele com Antínoo era exagerada, sendo que há mesmo relatos um relacionamento amoroso mesmo entre ambos, sem que porém tenha surgido uma prova, um flagra, um escândalo.

As condições da morte de Antínoo não são claras, sabendo-se ao certo que ele morreu afogado no Rio Nilo. Sobre tal morte, há as seguintes informações: 

"Em Outubro de 130, durante uma visita ao Egito, Antínoo morreu afogado no rio Nilo, mas as circunstâncias em que o evento ocorreu são pouco claras. É pouco provável que tenha sido assassinado por Adriano por motivos políticos, dado que o estatuto e origens do rapaz não representavam qualquer tipo de ameaça política ao imperador. Frequentemente defende-se que o próprio Antínoo ofereceu-se como sacrifíco aos deuses, de modo a assegurar a prosperidade de Adriano. Na época o imperador passava por um mau período, marcado por problemas de saúde, revoltas em partes do Império Romano, seca e forma no Egipto. Adriano e Antínoo tinham sido iniciados nos Mistérios de Elésusis, sendo provável que as suas vidas tenham tomado um carácter mais mísitico. 

No Egipto acreditava-se que a morte de um jovem no Nilo seria favorável à obtenção do favor dos deuses (sendo a pessoa associada a Osíris) e não era estranho ocorrerem mortes cerimoniais na época do ano em que Antínoo e Adriano visitaram o país.

Outros autores sugerem que Antínoo pode ter cometido suicídio, dado que como tinha agora vinte anos, os seus encantos juvenis começariam a deixar de interessar ao imperador. Segundo as fontes da época, após a sua morte Adriano teria chorado como uma mulher." (wikipedia - www.pt.wikipedia.org)

Pois o poema Antínoo, de Fernando Pessoa, descreve extamente a reação de imperador romano Adriano, o mais poderoso homem de sua época, frente ao corpo morto de seu mui querido amigo. A beleza e a grandeza do poema são inquestionáveis. Por ser um poema muito longo, quase do tamanho de um corpo humano. pelo menos de uma criança - como se o poeta tivesse querido, ao modo do imperador, fazer uma estátua de Antínoo não em tamanho normal, mas pelo menos com metade do tamanho - e é verdade que poucas semanas após a morte de Antínoo o Imperador ordenou a sua deificação, e estátuas foram erguidas em todos os cantos do Império.

Por ser um poema muito longo, demasiado longo, onde o Imperador extravasa sua dor, e o Poeta sua raríssima verve, segue na poestagem somente a tradução para o português. A versão original, em inglês, de Fernando Pessoa, tenho-a na Obra Completa, e o leitor poderá encontrá-la em: 

http: www.helenismo.forumeiros.com/t555-antinous-fernando-pessoa

Mas vamos devagar que eu também quero aparecer um pouco. Coloquei três poemas meus, afins, uns bem mais outros menos. Primeiro, o soneto De Adriano para Antínoo, belíssimo soneto, que cria uma situação imaginária onde Antínoo está apaixonado por uma jovem, e sofrendo por isso, que as dores do amor são universais, e o Imperador, com seu poder imensurável - e por que negar, também com seu ciúme - se oferece para tomar as providências a seu modo. 

O segundo poema, Encantamento, descreve também a contemplação do corpo morto da amada pelo amante, com o detalhe funesto de que aqui o amante matara a amada. Tem epígrafe de Baudelaire em "Uma Mártir", - ela é bem jovem ainda....", e sempre é bom notar que quando se menciona que ainda é cedo e as operárias já começam a trabalhar, está se falando não somente das operárias das fábricas e varredouras das ruas, mas também das bactérias no corpo da amada morta. Daí a razão do medo do amante contemplativo.

E finalmente, um dos mais raros poemas que escrevi, Os Ossos não Traem,  sobre a contemplação dos ossos dos entes queridos no túmulo, poema este que é uma versão para a As Rosas Não Falam, de Cartola. Agora que nas profundezas hematopoéticas de meus ossos ocorre uma invasão de células estranhas, que já estão sendo combatidas, a presença de tal poema me transforma, a um só tempo, e Antínoo e Adriano, sem a beleza do primeiro, nem o poder, o humanismo, e a sapiência do último. 

Espero que meus miúdos sirvam de aperitivo diante da abundãncia poética do Poema Principal.

Agradeço mais uma vez às gentileza e presteza com que me atendeu Oswaldo Ribeiro Filho.

Sempre é bom dizer que não é nosso interesse descompensar algum purista pessoano por postarmos apenas a versão traduzida do poema; nosso propóstio é divulgar a Obra. E mais uma vez segue o linko para a versão original de F. Pessoa, em inglês: http://helenismo.forumeiros.com/t555-antinous-fernando-pessoa


absaam




DE ADRIANO PARA ANTÍNOO


- Antínoo, estás perdido! A jovem feiticeira
de cabelos cor de ouro e coração de pedra
aprisionou tua alma em sua gruta traiçoeira
- Úmida gruta onde a tragédia humana medra!

Como foste sucumbir a seus falsos encantos,
ó meu menino querido? Já não te havia alertado?
Agora aí estás, o rosto embebido em prantos...
- O eleito do Imperador parece um pobre coitado!

A mulher, meu filho, é criatura de utilidade para o lar,
mas não serve em hipótese alguma para amar;
e triste daquele que ignorar tão sábia orientação!

Ainda assim, filho amado, saiba que a minha fiel espada
- a um simples pedido teu - arrancará do peito da vil amada
o que ela quis negar-te em ilusão: seu rubro coração!


                   Antônio Adriano de Medeiros




ENCANTAMENTO

                                        "Elle est bien jeune encore..."

A noite é fria e a amada
está deitada junto a mim.
Ai, como é bela: a encantada
dorme seu sono - é linda, assim!

Tão educada e silenciosa,
sequer a ouço respirar.
Vem-me uma vontade poderosa
de num impulso a beijar.

Mas me contenho: ainda é cedo,
ela não pode despertar...
As operárias - tenho medo! -
já começam a trabalhar...

E quando o sol - raios sangrentos -
vejo no céu aparecer,
da musa morta, sem lamentos,
eu já contemplo o apodrecer.


          Antônio Adriano de Medeiros
          2004




OS OSSOS NÃO TRAEM


                                               "As rosas não falam"
                                                        Cartola


Volto, outra vez,
a teu túmulo - Oh, meu coração! -
Os meus olhos teus ossos verão, enfim.

Volto ao jardim
onde um dia - era noite - a chorar
eu deixei meu amor a sonhar sem mim.

Vejo teus ossos... Quanta saudade!
Os ossos não traem:
somos rochas que brilham e que caem
no silêncio da Noite sem fim.

Sei que vou vir
com meus ossos juntar-me aos teus
quando a vida - essa obra de Deus -
ruir.


              Antônio Adriano de Medeiros
             jul - 2011





DOS POEMAS INGLESES DE FERNANDO PESSOA

Tradução de Cunha e Silva Filho



ANTÍNOO

 
Lá fora a chuva de Adriano a alma engelhava.

Morto jazia o mancebo
Em sua nudez completa, no baixo leito,
Ante os olhos de Adriano, cujo sofrimento algo terrível lhe era.

Do eclipse da morte, sombreada, esparzia-se a luz.
Inerte jazia o mancebo. Lembrava o dia uma noite.
Lá fora, caía a chuva qual um enfermo apavorado
Com a Natureza que lhe roubava a vida.
De sua memória o legado nada contentava
Pois morta e apagada a alegria do que tinha sido estava.

Ó mãos que outrora abraçado haviam de Adriano as mãos cálidas
Que, agora, pelo friagem, gélidas sentia!
Ó cabelos com fitas vigorosas amarradas antigamente!
Ó olhos de ousadia meio tímida!
Ó corpo nu macho-fêmeo
Que, aos olhos da humanidade, a um deus semelhava!
Ó lábios, cuja vermelha abertura outrora roçar sabiam
Da luxúria os lugares com uma vívida variedade de artifícios!

Ó hábeis dedos das indizíveis coisas!
Ó línguas que, tornadas uma só, o sangue incandesciam!
Ó domínio completo da concupiscência entronizada
Na interrupção líquida da consciência em fúria!
Inexistentes para sempre devem ser agora todas essas coisas.
Silenciosa é a chuva, e o Imperador,
Ao pé do leito, se desespera... Fúria é sua dor,
Pois os deuses consigo levam a vida que nos deu
E arruínam a beleza à qual da vida o sopro deram.
Ele chora e sabe que, cada época vindoura,
Além do futuro, o observa.
Num nível universal posiciona seu amor.
Milhares de olhos futuros a miséria pranteiam-lhe.

Morto está Antinous. Morto para sempre,
Para sempre extinto. De todos os amores geral lamentação.
A própria Vênus, que era o amor de Adônis,
Vendo-o, aquele que de novo viveu e, agora, novamente morto está,
Aquele que há pouco existia e, agora, de novo defunto está,
Leva-a do antigo pesar a comungar.

Apolo, agora, triste anda porque o ladrão
De seu alvo corpo para sempre gélido fica.
Naquele ponto do mamilo nenhum beijo cuidadoso
Cobrindo o lugar silencioso das batidas do coração restaura
Para lhe abrir os olhos outra vez e sentir-lhe
A presença nas veias seguras da fortaleza do Amor.
Nenhum calor seu do outro calor exige
Suas mãos, soltas agora, por detrás de sua cabeça,
Naquela postura que tudo concede exceto as mãos,
Sobre o corpo projetado suplicarão mãos.

Cai a chuva e ele jaz como alguém que
Todos os gestos de seu amor esqueceu
E, despertado, continua por seu apaixonado amor esperando
Com a Morte se foram todas as suas habilidades e galanterias.
Não pode este gelo humano calor algum mover.
De um fogo estas cinzas nenhuma chama queimar não podem.

Ó Adriano, o que farás agora de vossa gélida vida?
Que botas deveriam ser senhor dos homens e do poder?
Por sobre o teu império visível sua ausência
Dele a ausência se faz sentida qual um noite.
Não mais existirão manhãs de esperanças e de delícias.
Agora enviuvadas são tuas noites de amor e beijos.
Os dias de esperas noturnas te foram agora roubados.
Teus lábios agora o sentido perderam de tuas alegrias,
A não ser para nomear que a Morte é
Companheira da solidão, da tristeza e do medo.

Tuas mãos indefinidas tateiam, como se tivessem deixado escapar a alegria.
Tua cabeça ergue a fim de ouvires que a chuva acabou,
E dirige ao teu adorável mancebo o teu levantado olhar.
Sobre aquele leito memorial nu, jaz ele.
Descoberto por tua própria mão, ali permanece.
Afeito a saciar teu senso instável, lá estava ele.
Insaciável e saciando mais e importunando-o
Com renovadas insaciabilidades até que sangrassem os sentidos.

Jogos conheciam sua mão e sua boca para restabelecerem
Desejos que tua gasta espinha com dificuldades suportaria.
Às vezes, a ti afigurava que era tudo vazio
De percepção em cada novo esforço de chupada luxúria.
Em seguida, para novos volteios de galanterias convocaria eles
À carne de teus nervos e tu estremecerias
sobre tuas almofadas recaindo com a sensação de teu espírito silente

- ”Belo foi meu amor, melancólico, todavia.
Daquela arte senhor que o amor cativo por inteiro torna,
Por ser lentamente triste entre as paixões da lascívia.
O Nilo, agora, o abandonou, o eterno Nilo
Sob suas madeixas molhadas da Morte a palidez azul
Contra nossos anelos de sorrisos tristes agora guerra trava.”

Até mesmo quando, pelo pensamento, a luxúria, que não é mais
Do que um esquecimento que pelas mãos reacende-lhe,
Desperta-lhe os sentidos a carne viva
E tudo de novo parece o que antes fora.
O corpo inerte no leito recompõe-se, vive
E vem para junto dele, cada vez mais junto e
Em movimentos uma invisível mão com gestos amorosos
Direcionados a todas as aberturas do corpo, a concupiscência estimulando,
Sussurra carícias rápidas que, no entanto, apenas
Demoram o bastante para sangrar de seu derradeiro vigor as fibras.
Ó doces e cruéis fugitivos parasitas!

Destarte, meio que se levanta com os olhos no amante postos,
O qual, agora, nada amar pode senão o que ninguém conhece.
Vagamente, meio enxergando o que na verdade observa,
Percorre com os lábios frios o corpo inteiro.
E, assim, sem se importar com a gelidez, são os lábios que, olha!,
Na frieza do corpo imóvel mal sente ele a presença da morte,
No entanto, parece que ambos mortos ou vivos estão
Pois é o amor ainda a presença e o alento,
Enfim, na indolência gélida dos lábios do outro se cansam seus lábios.

Ah, ali a respiração pesada faz-lhe recordar os lábios
Que, independente dos deuses, uma neblina dissipou
Entre ele e o mancebo. As pontas dos dedos
Ainda indolentemente examinando-lhe o corpo, aguardam
Alguma reação da carne a seu estímulo para despertar.
Porém, a pergunta deles sobre o amor entendida não é:
Morto é o deus cujo culto devesse ser beijado!

As mão se levanta para o lugar onde o céu deveria estar
E grita para que mudos os deuses sua dor ouçam
Que que vossas mansas faces à sua súplica atendam,
Ó forças decisórias! De seu reino ele abdicará.
Ressequido viverá nos calmos desertos.
Nos distantes e selvagens caminhos um mendigo ou escravo será,
Porém, devolvei aos seus braços novamente o caloroso mancebo!
Se o privardes dessa oportunidade, estareis sua morte decretando!

Retirai da terra toda a feminina delicadeza
E num túmulo ainda restará algum vestígio!
Porém, pelo suave e valioso Ganimedes, Júpiter
Substituiu Hebe por ele e decidiu encher
Sua taça em grande festejo, instilando
O amor mais propício que a falta do outro.
Dos abraços femininos dissolve-se a terra
Em pó. Ó pai dos deuses, poupai, contudo,
Este mancebo, seu alvo corpo e seus áureos cabelos!
Talvez se fosse por vosso grandioso Ganimedes
Vós o farias, mas só por razões de ciúmes
Dos braços de Adriano a sua beleza para ti arrebatastes.

Um gatinho ele era fazendo o jogo da volúpia,
Sem ninguém, ou com Adriano, às vezes, só.
E às vezes ambos, ora unidos, ora afastados.
Ora sem sensualidade, ora prolongando-a em altas doses;
Ora com os olhos nela não tão abertos, no entanto, de esguelha
Saltando em volta em meia expectativa libidinosa;
Ora levemente reprimindo-a, em seguida, em incontida fúria,
Ora brincando só por brincar, ora com vontade, ora deitando-se
Junto dele, olhando-o, ora espreitando
Qual maneira de segurá-lo em seu justo controle de libidinagem.

Assim passavam as horas nos gestos das entrelaçadas mãos
E com seus membros unidos as horas voam.
Ora folhas mortais seus braços eram, ora fitas de ferro;
Ora eram seus lábios xícaras, ora as coisas que sorvem;
Ora seus olhos ficavam muito unidos; ora eram apenas olhares;
Ora em ação se achavam em descontínuos delírios;
Ora eram suas destrezas uma pluma, ora finalmente um chicote.

Uma religião se lhes tornara o amor.
Oferecida aos deuses que aos homens surgem.
Por vezes, adornava-se ou se deixava vestir
Parcialmente, depois, em e nudez de estátuas,
Imitavam, na realidade, algum deus que semelhava ser,
Em virtude da qualidade apurada do mármore, novamente homens.
Ora era Vênus, branca dos mares surgindo;
Ora era Apolo, jovem e louro;
Ora era Júpiter sentado, saciado ele em julgamento simulado diante da
Presença de seu amante a seus pés;
Ora era ele um rito representado por alguém vigiado
Em mistérios sempre renovados.

É ele agora alguma coisa que qualquer um pode ser.
Ó inflexível negação da coisa que existe!
Ó amorosidade qual a lua de áureos cabelos!
Em demasia frios! Excessivamente frios! e o amor como ele tão frio!
Vagueia sim o amor através da memória de seu amor,
Como num labirinto, em triste júbilo da loucura.
Muito frio! Demasiadamente frio! e o amor tão frio como ele!
Vagueia sim através da memória de seu amor,
Qual num labirinto, em triste júbilo da loucura,
Que ora lhe invoca o nome e lhe pede que venha,
E ora sorria para a sua vinda representada,
Que é o coração como rostos vespertinos –
Puras sombras brilhantes das originais formas.

De volta veio a chuva qual uma indefinida dor
E no ar pôs a sensação líquida.
De súbito, o Imperador supôs que,
Bem distante, avistava esta sala e tudo ao seu redor.
Viu, então, o leito, o mancebo e a sua própria imagem
Lançada contra o leito e ele para si mesmo se tornou
Uma presença mais evidente, dizendo
Estas não proferidas palavras, exceto para a angústia de sua alma:

- “Para vós uma estátua edificarei, que servirá como
Prova, aos tempos futuros,
De meu amor, da vossa beleza e da percepção
Da divindade que a beleza propicia,
Posto que a morte, com sutis mãos reveladoras, destrói
da vida o aparato e de nosso amor o império.
Entretanto, sua estátua nua, à qual realmente vós dais vida,
A posteridade, contra a sua vontade ou não,
Sem dúvida, há de herdar, como uma dádiva de um deus constrangido.

Sim, uma estatua vossa hei de erigir e marcar
Sobre o pináculo de vosso ser,
Por seu sutil e obscuro crime, aquele Tempo
Que receará destruir-te a vida, ou desgastar-se
Com a ferocidade da guerra e da inveja da massa e da pedra.
Não pode ser isso o Destino! Os próprios deuses, que fazem
Alterar as coisas, se transformam, a própria mão
Do Destino que por força suplanta
Os deuses propriamente ditos com a escuridão, recuará
Em arruinar desta forma vossa estátua e minha dádiva.

Esta imagem de nosso amor os tempos cimentará.
Surgirá ele límpido do passado e será
Eterno que nem uma vitória romana.
Em cada coração se enfurecerá o futuro
Por não ter sido contemporâneo de nosso amor.

No entanto, oh, se tudo sucedesse diversamente
Seríeis a vermelha flor minha vida perfumando.
Sobre as fontes das minhas delícias as grinaldas,
Da minh’alma a viva chama dos altares!
Fosse tudo isso algo de que agora pudésseis
Sorrir por sob as pálpebras da morte zombeteiras.
Imaginar que eu pudesse assim um prélio travar
Entre mim e os deuses em favor do brilho de vossa perdida presença;
Nada disso houve, salvo o vazio do meu ser
E vosso sorriso despertando meio consolando
O que proíbe a dor de com a esperança sonhar.”

Destarte, encaminhava-se ele qual um amante em espera,
Com esta tênue dúvida, de lugar para lugar.
Sua esperança, ora era uma grande intenção condenando-lhe
O desejo do ser, ora sentia ele que cego estava
De certo modo à percepção de seu indefinido desejo.

Não sabemos o que sentimos quando o amor a morte encontra.
Não sabemos o que dizer quando o amor a morte frustra.
Ora da esperança duvidava ele, ora sua esperança duvidava;
Ora o que seu desejo sonhava, a razão do sonho na realidade dele escarnecia.
E congelava a avivam um exasperado vazio.
Por outro lado, avivam os deuses do amor o escuro brilho.

- “Vossa morte uma sensualidade mais elevada me concedeu -
Uma fulminante licenciosidade para a eternidade vociferando.
No meu destino imperial minha confiança deposito
A fim de que os altos deuses, que imperador me fizeram,
De mais autêntica uma vida não me negarão
O desejo de que vós devíeis viver para sempre e permanecerdes
Uma fresca presença no mundo deles melhor,
Mais encantadora e no entanto não mais sedutora,
Coisas impossíveis não há que destruam nossos desejos,
Nem nossos corações aflijam com mudança, tempo e luta.

Amor, amor, amor meu! Sois um deus completo.
Este pensamento meu que, creio eu, seja um desejo,
Não o é , mas uma visão a mim concedida
Pelos grandes deuses, os quais amam de verdade e podem dar
Aos corações mortais, sob a forma de desejos –
De desejos contendo limites ocultos –
Das coisas genuínas uma visão além de
Nossa vida emparedada, de nossa percepção aos sentidos presa.
Sim, o que vos desejo que sejais já o sois.
Agora. Já no solo Olímpico.
Caminhais e sois perfeito, sois, todavia, o que sois,
Porquanto de nada mais necessitais para vos assumirdes
Perfeito, de vez que a perfeição sois.

Canta meu coração qual um pássaro matinal,
Nos deuses chega até mim uma grande esperança
E a meu coração pede que animado seja pelo mais sutil sentimento
E que maldade estranha alguma vos atinja
Pois pensar assim de vós mortal seria.

Meu amor, meu amor, meu deus-amor! Deixai-me beijar
Vosso frígidos lábios ferventes, imortais agora,
Saudando-vos ante a ventura do portal da Morte.

Não houvesse ainda nenhum Olimpo para vós, meu amor
Dar-vos-ia um, no qual o único deus poderia domínio ter
E eu vosso único adorador alegremente seria.
Vosso exclusivo adorador por toda eternidade.
Que um divino universo suficiente fosse
Para o amor e para mim e o que para mim sois.
Ter-vos é algo feito da matéria dos deuses.

Esta, contudo, é a verdade, e a minha própria arte: o deus
Que agora sois corpo é por mim criado.
Porque, se agora sois da carne realidade
Além da qual os homens envelhecem e a noite ainda desce,
É graças ao meu grandioso poder de criar o amor que vós deveis
Essa vida que infundistes em vossa memória
E a tornastes carnal. Não tivesse meu amor
Possuído um império feito de minha poderosa vontade legionária,
Não teríeis sido enviado à companhia dos deuses.

Descobriu-vos meu amor no momento em que vos
Acháveis apenas no vosso próprio corpo e natural aparência.
Portanto, quando agora invoco vossa lembrança,
Eu apenas ascendo
Ao topo da altaneira coluna da morte na forma que assumiu
E a ponho lá como uma visão de todos os amores.

Ó amor, meu amado, com a minha firme amorosa vontade, juntai-vos
Ao Olimpo, e lá sede o último dos deuses, cujos cabelos da cor de mel
Revelem divinos olhos! Assim como fostes na terra, ainda
No céu vos mostrais em forma física e vos movimentais,
Daquela felicidade do lar, um prisioneiro
Junto aos deuses mais antigos, enquanto eu na terra farei, sim,
Uma estátua em louvor à vossa viva imortalidade.

Entretanto, vossa verdadeira estátua viva hei de construir.
Não será de pedra somente, porém daquela mesma tristeza
Ditada pela vontade do eterno amor.
Sois um lado dela, consoante vos veem os deuses
Agora, e o outro, aqui, fala da memória vossa.
O deus daqueles homens meu lamento tornar-se-á e porão
No parapeito vossa nua memória
A qual dá para os mares dos tempos pósteros.
Dirão alguns que todo nosso amor não foi senão nossos crimes;
Outros afiarão contra nosso nomes os punhais
De seu ódio feliz contra a beleza da beleza e farão
Com que nossos nomes uma base de apoio sejam com a qual apaguem
Com desprezo total os nomes de todos os nossos irmãos.
Contudo, nossa presença, como eterna Manhã,
Haverá sempre de retornar à hora da Beleza e cintilar
Do Leste do Amor, como luz em relicários engastando
Novos futuros deuses, com o fim de adornar o mundo carente.

Tudo que agora sois somos eu e vós.
Contém sua unidade nossa dual presença
Naquela perfeição do corpo em que meu amor,
Por vos amar, se tornou e na verdade da vida
Fez-se deusa, em paz superior à luta
Dos tempos, e das muito superiores cambiantes paixões.

Dado que, porém, os homens veem mais com os olhos do que com a alma,
Imóvel eu, na condição de pedra, confessarei esta grande dor;
Imóvel, desejosa de que anseiem os homens por vossa presença,
Este pesar conduzirei até ao mármore
Que, em meu coração, se incrusta qual uma estrela especial.
Destarte, mesmo na pedra, nosso amor
Há de tão grandioso permanecer
Em vossa nossa alma, como, destino dos deuses,
De nosso amor encarnado e desencarnado a essência,
O qual, à semelhança de uma trombeta pelos mares ressoando
E atravessando de continente a continente
Sua alegre tristeza, com o sabor da morte nosso amor há de exclamar
Por sobre infinidades e eternidades.

E aqui, memória ou estátua, continuaremos,
Ainda unidos, de mãos dadas, sempre.
Simplesmente por sentir, não sentimos a mão um do outro.
Ainda me compreenderão os homens quando perceberem o vosso sentimento.
Poderiam todos os deuses passar pela enorme rotação dos
Tempos terrestres. Se, a não ser por vossa causa, e sendo vós um deles, foi
Que vós havíeis acompanhado a partida daqueles deuses.
Ainda assim, retornariam eles, porquanto, para despertarem, dormido haviam.

Então, no fim dos dias, logo que Júpiter renascesse
E Ganimedes outra vez início desse a seus dias festivos,
Veria nossa dual alma da morte libertada
E renascida para a alacridade, o medo, a dor –
Ou seja, tudo que no amor se encerra;
A vida – toda a beleza que realmente em lascívia se torna .
Do lídimo amor propriamente dito do amor com o encanto surpreso;
E, se nossa própria memória por inteiro se apagasse,
Mercê da raça de alguns deuses do final dos tempos, ressuscitar
Deveria nossa dual unidade.”

Prossegue a chuva. Todavia, noites com passos lentos caíam,
Fechando as pálpebras de cada sentido cansadas,
A consciência própria de si mesmo e da alma
Aumentou, tal qual uma paisagem em que pouco chovia, pouco mesmo.
Imóvel se encontrava o Imperador, tão imóvel que, agora,
Com que meio olvidara onde agora estava, ou
De onde vinha aquele lamento que era ainda sal para seus lábios.
Fora tudo algo muito distante, um pergaminho
Fechou-se. Aquilo que sentia era igual a um círculo
Que a lua aureola assim que chora a noite.

Curvada estava sua cabeça sobre os braços, e eles, deitados,
Sobre o baixo leito repousavam, aos seus sentidos alheios.
Seus olhos cerrados se lhe figuravam abertos e vendo
O chão vazio, escuro, frio, triste e sem sentido.
Seu arfar doente era tudo o que sua percepção saber podia.
Da escuridão que descia o vento levantou-se
E caiu.Nos pátios inferiores uma voz sumiu;
O Imperador dormia.
Os deuses, agora, surgiram
E consigo alguma coisa levaram - não há como saber o que fosse –
Nos invisíveis braços do poder e do descanso



                                                  Fernando Pessoa
                                                  Poemas Ingleses

                                                  Trad. de Cunha e Silva Filho