sábado, 4 de dezembro de 2010

sonetos do Outro



I

Será que vem de mim mesmo esse marasmo,
esse mutismo, esse tédio, essa apatia?
Quando medito sobre isso fico pasmo:
há um Outro em mim que se entedia.
Um que cala e que se queda catatônico.
Eu fico atônito enquanto ele só dorme;
eu quero a vida, mas ele não morre;
eu sou só agudo, mas ele já é crônico.
Fico de pé, mas logo penso. Existo
assim desmoronando. Diante Cristo
e atrás de Lúcifer, anjo que se perdeu:
um, homem imortal; o outro, deus que morreu.
- Jamais pensei que isso fosse terminar assim:
Eu nada sei desse Estranho que há em mim!

Antônio Adriano de Medeiros
dez 2010

II

Sinto muito, mas já o sinto: é Ele de novo,
o Outro, esse estranho que mora em mim
e que eu não conheço bem, um estorvo,
uma tendência que tenho pra ser ruim.
Chega! Não chega, Ele nunca se vai.
Mergulha em mim como num precipício.
Eu abro as portas mas Ele não sai.
Pensa que gosto - pensa que é um vício!
Meu Deus: o que é que esse Outro quer?
Será que pensa eu ser sua mulher
para aturar tanta vagabundagem?
Quero expulsá-lo, mas cadê coragem?
- E uma questão agora me excita:
qual de nós dois que é o parasita?

Antônio Adriano de Medeiros
dez - 2010

III

Por que falar do lá fora se em mim
palpita todo esse imenso oceano?
Por que falar de Deus ou de Caim
se crio e mato em mim mesmo um Tirano?
Que o Outro dê as cartas, faça seu jogo.
Porque seu pôquer é porcaria, e ali ás
sou eu - um mar que trago em mim o fogo.
Tudo é uma questão de maré, aliás.
Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão de amar.
Agora vaga, rindo, achando pouco:
Venham, procelas, me acariciar!
- Que o Outro não se vá: tenha piedade!
Tanto me torturou... Deixou saudade!

Antônio Adriano de Medeiros
dez 2010

IV

Meu coração é um almirante morto
que os urubus teimam em não devorar.
É ele o Outro, um reles anjo torto...
Mas não sou Deus para o condenar.
Eu sou um ser misericordioso
e até gosto já desse mau hálito
que de um ser pútrido, vil e asqueroso
se exala - É só uma questão de hábito!
O Outro agora dorme, e nem finge dor.
Está feliz, se sentiu importante
com os sonetos onde foi o ator
principal - a sua presunção é revoltante!
- Acalentar um verme é meu destino:
Padeço e gozo - Ai coração ferino!

Antônio Adriano de Medeiros
dez - 2010

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