domingo, 4 de novembro de 2012

ás belas o que é das belas




                                                                                  

Taí um soneto - com estrambote, um verso a mais, um soneto de quinze versos; nesse caso, o estrambote caiu com perfeição, pois há algo que extravasa no soneto a seguir, é a inflação da Beleza, beleza do poema em si, beleza dos seres citados, beleza da idéia final, da moral do soneto - pois bem, taí um soneto que, se fosse o único poema que tivesse escrito, só ele (e mais alguns, reconheço, só mais alguns) me daria por satisfeito. Ele estava lá atrás, lá nos primeiros poemas do blogue, mas julguei que já era hora de tal soneto se mostrar de novo - tava muito escondidinho ali, e um poema desses tem que se mostrar.

- Ei, cadê a modéstia que devia estar aqui? - Nesse caso, seria falsa, por isso foi-se embora

Há quem classifique os humanos de várias formas, animais racionais, socais, simbólicos... O poema fala de "animais sentimentais".O mais interessante dos sentimentos é que são os afetos que podem ser modificados pela inteligência, tornando-nos pessoas melhores. Toda educação verdadeira é sentmental, ou nula, só informação; também pode ser adestramento. Os sentimentos, quando se tornam paixões, podem ser considerados patológicos, de tão intensos, pois distorcem a realidade; de certa forma, o poema defende que todo sentimento distorce minimimamente a percepção objetiva da realidade, o que talvez também seja verdade.

Deu um trabalhozinho escrever tal soneto, e o início ás vezes pode ser difícil de ser plenamente apreendido pelo senso comum. Mas eu tô bonzinho hoje, vou facilitar as coisas  O poema defende em seus primeiros oito versos que exisre um Reino dos Sentimentos. cujo soberano - o Rei - é um velho mágico chamado de Amor, e que os demais membros de tal corte, sendo citadas Dona Fé, a Senhorita Amizade,  o Senhor Ódio e Madame Amargura - havendo muito outros no Grande Reino - não nos permitem perceber, por bondade, caridade ou outra razão, que nosso existir é, digo, melhor dizendo, talvez seja - poderia ser -  sem razão e trágico, e, com a ajuda da Lady Esperança (a quem um Poeta chamou certa vez de "une folle charmante", uma louca encantadora), infla os ventos que empurram a caeravela de nossa vontade, ou seja, nos dão ânimo e força para viver;

Fui advertido agora pelas Musas de que não devia prosseguir mais  em dissertações ou tentativas de explicações a mais sobre o soneto Animais Sentimentais, entregando ao leitor o leme da caravela de sua imaginação para melhor navegar o poema.

Há ainda um segundo poema, daquele poeta da Louca Encantadora, Charles Baudelaire, Mulheres Malditas, cujo tradutor não foi informado onde o encontrei; sei que não foi Ivan Junqueira, pois conheço a tradução dele, mas gostei muito também dessa outra. Baudelaire tem dois poemas com o título Femmes Damnées, um deles, com o subtítulo Delfina e Hipólita, também belíssimo e extremamente erótico, é sobre duas lésbicas, uma experiente cantando uma neófita.Este poema Mulheres Malditas, a perdição é mais completa, a maldição aí também se dá por outras razões, alcoolismo, e até sadomasoquismo;  As duas últimas estrofes do poema de Baudelaire trazem alguns dos versos mais belos que já li sobre as mulheres, e acredito que ali ele fala do gênero em si, das mulheres em geral. No início do poema, porém, elas deitadas na areia qual rebanho de bichos, me lembra claramente a Ilha de Lesbos. Mas hoje em dia em qualquer festinha a gente vê muita coisa semelhante do poema do Mestre, as malditinhas se acabando por amor, qualquer forma de amor, que elea têm esse fraco: não vivem sem isso... O original compareceu, acompanhado.

absaam



ANIMAIS SENTIMENTAIS

Viver é se iludir! A grei dos Sentimentos
– Reino do grande Amor, o velho mágico –
transforma tudo que em nosso pensamento
nos mostre ser o existir inútil e trágico.

A força que há na Fé, o mel da Amizade,
o veneno do Ódio, o fel da Amargura,
empurram a caravela de nossa Vontade
com o ar da Esperança – mais saudável loucura!

E quais são dentre nós, caros irmãos insanos,
os que mais se iludem, os loucos mais humanos?
– As mulheres, leitor, de soluçante peito!...

Seus corpos são a forma e o barro da Beleza,
em cuja alma medra um sonho de nobreza
tão grande que a ilusão deixa de ser defeito.

E o Poeta as ama com profundo respeito!


      
                    Antônio Adriano de Medeiros






MULHERES MALDITAS


                 Charles Baudelaire


Como um gado pensante e na areia deitadas,
Voltam os olhos seus ao mais longe do mar,
E seus próximos pés e suas mãos coladas
Têm langor de sorrir e tremor de chorar.

Umas, o coração cheio de confidência,
Num bosque em que a cantar os ribeiros se movem,
Vão soletrando o Amor da ingênua adolescência,
O ramo a descascar de algum arbusto jovem;

Outras, são como irmãs, andam lentas e flavas
Das rochas através, plenas de aparições,
Onde viu Santo Antônio arderem como lavas
Os rubros seios nus de suas tentações;

Outras há, que ao fulgor da líquida resina,
No silêncio abissal de velho antro pagão,
Chamam para aliviar a febre que alucina
Baco, o deus que adormece o remorso e a ilusão!

E outras, cuja garganta ama os escapulários,
Sabem em sua roupa um chicote esconder,
E misturam na noite, em bosques solitários,
As lágrimas da dor e a espuma do prazer.

Ó monstros do martírio, ó sombras virginais!
Almas a desprezar a pobre realidade,
Com sexo e devoção, o infinito buscais,
Estrangulada a voz de lamento e saudade,

Que na cripta infernal tanto buscou minha alma,
Pobres irmãs a um tempo eu vos amo e respeito
Por vossa sede em vão e por vossa dor calma,
E estas urnas de amor que vos inundam o peito.

               Charles Baudelaire.
               flores do mal              
               tradução não informada
               http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/charles-baudelaire/mulheres-malditas.php

Femmes damnées


Comme un bétail pensif sur le sable couchées,
Elles tournent leurs yeux vers l'horizon des mers,
Et leurs pieds se cherchant et leurs mains rapprochées
Ont de douces langueurs et des frissons amers.


Les unes, coeurs épris des longues confidences,
Dans le fond des bosquets où jasent les ruisseaux,
Vont épelant l'amour des craintives enfances
Et creusent le bois vert des jeunes arbrisseaux;


D'autres, comme des soeurs, marchent lentes et graves
À travers les rochers pleins d'apparitions,
Où saint Antoine a vu surgir comme des laves
Les seins nus et pourprés de ses tentations;


II en est, aux lueurs des résines croulantes,
Qui dans le creux muet des vieux antres païens
T'appellent au secours de leurs fièvres hurlantes,
Ô Bacchus, endormeur des remords anciens!


Et d'autres, dont la gorge aime les scapulaires,
Qui, recélant un fouet sous leurs longs vêtements,
Mêlent, dans le bois sombre et les nuits solitaires,
L'écume du plaisir aux larmes des tourments.


Ô vierges, ô démons, ô monstres, ô martyres,
De la réalité grands esprits contempteurs,
Chercheuses d'infini, dévotes et satyres,
Tantôt pleines de cris, tantôt pleines de pleurs,


Vous que dans votre enfer mon âme a poursuivies,
Pauvres soeurs, je vous aime autant que je vous plains,
Pour vos mornes douleurs, vos soifs inassouvies,
Et les urnes d'amour dont vos grands coeurs sont pleins


Charles Baudelaire, Fleurs du Mal


Damned Women

                Baudelaire

Lying on the sand like ruminating cattle,
They turn their eyes toward the horizon of the sea,
And their clasped hands and their feet which seek the other's
Know both sweet languor and shudders of pain.


Some, whose hearts grew amorous from long confessions,
In the depth of the woods, among the babbling brooks,
Spell out the love of their timid adolescence
By carving the green wood of young saplings;


Others, like sisters, walk gravely and with slow steps
Among the high rocks peopled with apparitions,
Where Saint Anthony saw the naked, purple breasts
Of his temptations rise up like lava;


There are some who by the light of crumbling resin
In the silent void of the old pagan caverns
Call out for help from their screaming fevers to you
O Bacchus, who lull to sleep the ancient remorse!


And others, whose breasts love the feel of scapulars,
Who, concealing a whip under their long habits,
Mingle, in the dark woods and solitary nights,
The froth of pleasure with tears of torment.


O virgins, O demons, O monsters, O martyrs,
Great spirits, contemptuous of reality,
Seekers of the infinite, pious and satyric,
Sometimes full of cries, sometimes full of tears,


You whom my spirit has followed into your hell,
Poor sisters, I love you as much as I pity you,
For your gloomy sorrows, your unsatisfied thirsts,
And the urns of love with which your great hearts are filled!


— William Aggeler, The Flowers of Evil (Fresno, CA: Academy Library Guild, 1954)