segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Choro de Mulher - Nanin faz reflexôes

imagem de Susan Boyle, do Google


O Escrito de Nanin enviado hoje me deu muito o que pensar. Menino que fui no sertão nordestino na época do Regime Militar, imaginava que o fenômeno abaixo descrito fosse comum só em épocas de regime fascistóide (de fascio, espécie de chicote pra bater nas pessoas que fogem à Ordem, enquadrando todo mundo num modelo a ser seguido), mas após a leitura do Escrito de Nanin descobri (!) que o Fenômeno é comum ainda em escolas de criança.

A Mulher que eu vi, cujo nome não devo revelar, era uma professora amiga das freiras e de pessoas do Poder, e que morava na Capital do Estado e tinha fama de grande oradora; era uma autoridade educacional do Estado. Ela se antecipava às datas importantes e ia fazer seu discurso em louvor à Pátria e à Moral, e tome choro; mas tinha dias sem importância alguma em que Ela chegava e de repente aquele dia se tornava singular - A Mulher ia falar, e todas as aulas eram interrompidas e os alunos obrigados a "formar", asim como soldados num quartel. E tome louvores à Pátria e à Moral, encharcados em lágrimas de muito choro...

Sendo a Mulher solteira e baluarte da moral e dos bons costumes, fico pensando se talvez não fosse aquela a única forma de fazê-la chorar, extraindo ela dali algum prazer? Recomendamos pois respeito no recinto durante a leitura.

Abraços,

Antônio Adriano de Medeiros



IMPRESSÕES S0BRE CHORO DE MULHER


A mulher é, antes de mais nada, um animal que chora.

O choro da mulher é mais que uma arma, é um brinquedo.
É como um revólver pra gente, sabe?
Elas gostam de chorar.
Já vi mulheres que começam a rir, bem felizes,
e de repente desabam em choro - coisa mais estranha!

Outro dia, - não, já era noite e bem tarde -, ouvi mamãe chorando;
ela e papai estavam trancados no quarto,
tinha me levantado pra ir beber água.
Eu gosto muito de mamãe e também gosto de papai,
mas não gostaria de que ele a fizesse chorar daquele jeito,
naquele "ai, ai, ai, não, pára!",
e então bati na porta do quarto e tentei abri-la: estava trancada!

Logo o choro passou, e gritei: "Mamãe, tudo bem?"
Dali a pouco a porta se abriu e os dois brigaram comigo
muito bravos, mamãe tinha os olhos cheios de lágrimas
mas também era a mais zangada dos dois;
foi quando eu descobri que elas gostam de chorar,
e nunca mais vou me meter em choro de mulher.

O choro delas tem mais valor que o nosso, descobri.
Rosinha, a minha irmã, sempre consegue as coisas quando chora,
principalmente se chorar sentada no colo de papai.
Mas nem precisa: ela também pode correr pro seu quarto chorando
que sempre vai um deles atrás dela, papai ou mamãe,
e ficam lá se abraçando, consolando ela,
e na maioria das vezes dão o que ela quer,
ou prometem apenas adiar a satisfação de seu desejo.
Comigo, não é assim: posso chorar à vontade
que não adianta muito, mesmo que esbraveje:
dizem apenas: "vontade é coisa que dá e passa".

Mas a maior comprovação de quanto é importante choro de mulher
é uma senhora chamada Áurea Bandeira da Pátria.
Ela é amiga lá das freiras, da diretora e das professoras do colégio,
e parece ser uma pessoa muito importante.
Cheia de jóias, muito bem penteada, toda pintada e perfumada,
ela chega às vezes, umas duas, três vezes por ano no colégio.
Também aparece em datas importantes,
dias da independência, da bandeira ou da república,
ou simplesmente quando quer.

Nesses dias em que chega quando quer e sem avisar ninguém,
é que vejo como ela é importante:
todas as aulas são interrompidas, e os alunos devem "formar".
Formar é ficar todo mundo em forma, sério, em frente ao mastro da Bandeira.
É que a Áurea Bandeira da Pátria chegou e quer chorar,
e todos devemos ouvir o que ela vai dizer: precisaríamos chorar com ela?
Não, decerto, porque ninguém nunca chora, só ela, sozinha.

Pois bem, depois de que todo mundo está formado,
ela começa a falar. Fala da grandeza da pátria, da importância da família
e de Deus, de Jesus e de outros homens bons como ele,
o presidente da república, qualquer um, o governador, qualquer um,
o prefeito, um deputado, qualquer um, todos são bons,
importantes, grandes e bons. Sendo grande é bom,
pra mulher que gosta muito de chorar.

Ela também fala muito de uma coisa chamada moral,
que ela diz ser muito importante e coisa que só gente grande tem,
porque a gente ainda precisa aprender a ter a tal da moral.
Então volta às grandezas da Pátria, o berço esplêndido,
e é quando começa a Coisa:
primeiro ela se torna muito brava, zangada mesma, emocionadíssima;
depois bota pra tremer, estrebuchando;
à primeira vez que eu vi, tive medo que ela tivesse um Ataque completo
e caísse babando e se batendo como uma vez vi uma menina fazer,
mas não: ela nunca cai, fica só tremendo e grunhindo palavras fortes,
e se a gente olhar direito ela está quase babando naquelas horas.
Daí a pouco, depois dos estremecimentos, dos grunhidos, contorções
e da discreta baba grossa que se forma em sua boca,
ela começa a chorar.

Chora e fala do choro, a voz embargada, lágrimas
escorrendo pela face, diz que chora pela grandeza da Pátria.
Depois que chora ela se acalma,
alguém é chamado pra hastear a bandeira, cantamos o hino,
e logo todos voltam à rotina das aulas.

Deve haver aí um significado importante sobre choro de mulher,
que ainda não descobri qual.
Mas que é importante, isso é, sem dúvida.
Do contrário, por que interromper todas as aulas
só pra ver aquela mulher chorar?


Nanin

PRIMEIROS ESCRITOS DE NANIN - E NOTÍCIA DE ALGUNS AMIGOS INFLUENTES

Imagem encontrada em www.google.com.br/images?hl=pt-BR&source=imghp&biw=1024&bih=521&q=menino+escritor&btnG=Pesquisar+imagens&gbv=2&aq=f&aqi=&aql=&oq=&gs_rfai=

Vez que enviei escritos do Nanin adolescente, vou postar seus primeiros escritos, e contar como surgiu o Menino. Bom, na verdade Nanin nasceu de uma frustração: tentei fazer uma homenagem a uma colega de lista a quem prezava (e ainda prezo, embora a mesma não esteja mais nas listas que frequento) e a mesma reagiu com raiva (hoje reconheço que "homenagem", a qual não lembro direito, era estranha mesmo, parece que tinha duplo sentido). Fato que eu, frustrado mas orgulhoso, cismei de escrever como criança para assim ser sempre entnedido...
Foi aí que surgiu o Nanin, que era meu apelido quando menino. Portanto, se ele tem pai, sou eu, e se tem uma mãe, deve ser Silvana Guimarães, quenem sabe disso; Nanin é o primeiro caso de paternidade conhecida e maternidade meio ignorada. Mas ele deve ter também outros pais açém dos,digamos, autores intelectuais, parece que o pai dele, o outro, trabalha em banco; da mãe, a outra, a profissão não aparee nos escritos.Explica-se talvez o suposto talento do Menino pela origem literária, não existencial: Guimarâes Rosa era tio de Silvana. Alem disso, o Menino é afilhado de Di Cavalcanti e Soledade Santos, poetas, e sua pediatra, "A doutora Mágica", é na verdade Márcia Maia, também poeta. Ele ainda é protegido de Amélia Pais, peota e professora portuguesa.

Se um Menino assim for menor que Chico Buarque, deixa a desejar! Chico era filho de Aérgio, sobrinho de Aurélio, e desde menino convivia com Vinicius de Moraes e semelhantes em sua casa.

Te cuida, Nanin!

Seguem alguns escritos, sendo o primeiro o que explica seu nascimento: um susto. Depois, menino intelectual, vem a professora e o Capeta, que era uma das coisa que assustava pessoas queridas naquele tempo. Mãe, Pai, e outras coisa vêm depois.
Uma coisa interessante em nanin: é uma criança que escreve para adultos! "A Mentira", desses abaixo, julgo que seria o mais interessante, porém o Bônus com um haikai do Menino e uma resposta também em haikai do saudoso poeta amazonense Anibal Beça é coisa rara.

Abraço,

Antônio Adriano de Medeiros


UM POEMA ASSUSTADOR

Eu tava brincando em casa,
assim, soletrando:

Bê com A, Bá;
Bê com E, Bé;
Bê com I, Bi;
Bê com O, Bó;
Bê com U, BUUUUU!

Aí apareceu um fantasma
e eu quase morria de medo...
Vou pedir à professora
me desensinar a ler.

Nanin,
Ntl, 21.03.02


TIA MARIA E O CAPETA

Minha professora, Tia Maria,
disse que eu não posso mais desaprender
a escrever, e que aquilo que eu fiz foi poesia,
coisa onde, ela diz, vez em quando anda o Capeta.
O Capeta ela disse ser um anjo brincalhão
que Deus mandou embora do céu
por causa de que ele não levava Deus a sério,
e hoje o pobrezinho só sai do Inferno vez em quando
e continua fazendo arte.
Eu gostei do Capeta porque ele é brincalhão
como eu, gosta de traquinagem.
Ela disse que eu escrevesse mais,
e aí ia perder o medo de fantasmas,
pois eles não existem, mas que eu não dissesse
nada à Madre do colégio porque ela é como Deus,
não gosta do Capeta e pode me botar de castigo.

Nanin,
Natal, 22.03.02



A RUA

A Casa é o lugar pra onde a gente vai
depois da Escola, mas aí entre uma e outra
tem a Rua. Na Rua tem muitos carros
e sujeira, e muita gente também,
e mamãe diz que ela é perigosa,
mas eu gosto de olhar a Rua,
pois me lembra o Circo, com palhaços,
trapezistas, moças de pouca roupa, e os bichos.
Os palhaços da Rua andam sempre de paletó.
Os trapezistas ora passam rápidos entre os carros,
ora pedem dinheiro no sinal, eles são corajosos.
Como as roupas são muito caras, as moças
só têm dinheiro pra comprar pouca roupa,
e sempre andam na Rua quase nuas, tadinhas!
Não entendo por que uns homens mal educados
assobiam quando elas passam, deve ser
zombando da pobreza das moças;
papai é bom, ele gosta de dar dinheiro às moças
pra elas comprarem mais roupas.
Os bichos da rua são mais magros e sujos
que os lá de casa, mas eu também gosto deles.

Nanin,
Natal, 21.03.02


MAMÃE

Mamãe é muito boa, me perfuma
e me dá banho e troca minha roupa,
além de amarrar o cadarço de meus tênis.
Só quando eu me sujo ou me firo
ela se zanga e briga comigo, ou quando
demoro a me levantar pra ir pra aula.
Não entendo por que papai às vezes dá nela,
pois escuto seus gritos de "Ai, tá doendo!",
mas logo no dia seguinte o perdoa
abraçada a ele, e o beija quando vai trabalhar,
porque mamãe é assim, muito boa.
Até os vizinhos e os pais de meus amigos
dizem que mamãe é muito boa.

Nanin.
Natal, 21.03.02


PAPAI

Papai também é bom, mas parece
que gosta mais do Trabalho que da Casa,
pois passa mais tempo lá, ô lugar mais sem graça!
Ele á amigo dos palhaços, mas é mágico
porque sempre consegue um tal de Dinheiro,
coisa que parece ter muita importância
para as pessoas, já vi gente grande
chorar pra papai dar dinheiro,
mas ele só dá de acordo com Os Papéis,
umas cartas só com números e sem figuras,
tudo sem qualquer graça. Também vai lá
um povo sorridente, e pra eles papai sempre dá
dinheiro, e ri muito também quando eles vão lá.
Papai parece que não sabe que quem manda
lá em casa sou eu, pois quando chega reclama
se eu não estudei e tal, mas mamãe arranja
sempre uma desculpa e me defende.
Ele também briga com minha irmãzinha,
mas é só ela chorar ou sentar no colo dele
que ele fica bem mansinho. Eu aprendi que
quando quero algo que ele não quer me dar,
é só mandar minha irmãzinha chorar,
ou mamãe pedir que ele acaba me dando.
Quando eu crescer vou gostar mais
da minha Casa do que do Trabalho.

Nanin.


A MENTIRA

A mentira é uma coisa que a gente diz
pra o mundo ficar mais bonito,
quando precisa esconder algo feio que fez.
Ela acalma muito as pessoas zangadas,
principalmente pessoas grandes e velhas.
Todo mundo diz que a mentira é feia
e que as pessoas grandes que dizem
muitas mentiras não merecem confiança,
e mamãe me diz pra eu nunca mentir
pra ela nem pra papai, mas ela mesma
mente pra papai quando precisa esconder
algo que eu fiz e que o deixou raivoso,
por isso que eu descobri que a mentira
também é prova do mais verdadeiro amor.

Nanin


HAICO DE NANIN

Trabalham à noite;
suam, correm, miam alto.
Fábrica de gatos.

Nanin


----- Original Message -----
From: "Anibal Beça"


Grande Adriano!

Gato no telhado:
são de Tarzan desafinado
os gritos de gozo

Nibin

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

DOIDOS, PAIXÃO E ARTE - NANIN, UM PEQUENO ESCRITOR

Imagem retirada de www.infojovem.com.br/agendacultural/biblioteca-viva-abre-suas-portas/


Eu, "agregado infeliz de sangue e cal", tive a alegria de perceber que os Escritos de Nanin enviados hoje têm um elo de ligação: a Loucura (ou "Doidice" como diz o Menino), a Paixão e a Arte têm algo em comum: o homem médio (eu disse apenas "médio"; se o leitor vir aí um "c" a mais, ou ainda um "c", um "r" ou um "e", é interpretação sua) tende a desvalorizar tais "estranhos estados do ser" (coloque "artista criador" no lugar de arte, viu?), pra usar uma expressão de Antonin Artaud, citado em Os Doidos, embora sejam tais experiências limítrofes talvez só permitidas aos Iluminados laicos (sim, o êxtase religioso, dizem, também o é, e talvez seja mais democrático: há quem entre em êxtase rezando, dançando num terreiro de macumba - Xangô, meu pai! - ou ainda incorporando espíritos, mas, sem querer ferir ninguém, acho que usar de tais artifícios é apelação: conheci várias religiôes que prometiam me fazer ascender a estágios mais elevados, mas na verdade percebi que precisava era baixar a um nível de pensamento meio inferior para aceitar seus dogmas; uma exceção, porém: a Cabala Judaica, em sua linha teúrgico-teosófica, a qual só conheço de leitura - mas estou satisfeito, ressalvo: não quero "praticar", obrigado! - me surpreendeu, pelas releituras da Torá - que é o inconsciente do povo judaico - e a necessidade de trocar idéias com alguém mais experiente sobre esse inconsciente - daí, dizem, Freud tirou a Psicanálise).

Que coisa boa você entrar numa espécie de êxtase que não é sexual nem religioso... Deve ser isso o que de mais tipicamente humano existe (mas sem fazer muito alarde nem exigir rituais demais, se não se aproxima da obrigaçõa religiosa).


Nanin teve sorte! Também eu tive o indizível prazer de ver a peça ARTAUD!, com Rubens Correia, no final dos anos 80, lá no porão do Teatro Ipanema, e lembro que saí meio tonto: era médico recèm-formado e estudava psiquiatria, os inimigos número um de Artaud, que foi internado na Era do Eletrochoque e sofreu o diabo... Também inventou de criar o Teatro da Crueldade...

No fim das contas foi algo que me enriqueceu muito (e também ao Menino, como veremos): criei uma autocrítica interessante em relação à profissão que, se me impediu de ficar rico, também me manteve vivo até aqui e me fez diagnosticar o que chamo de "neurose médica", um estranho fenômeno que acomete via de regra tais profissionais - decerto também eu - e que tem, entre outros sintomas, narcisimo exagerado (com tudo que daí pode derivar, e que Silvia Plath, em "Morgue", diz, falando de um médico bem jovem, galanteador e "saudável", que ele chega "masturbando um brilho, só pensando em ser amado" (!); essa coisa de querer obrigar os outros a gostar de você, admirá-lo e respeitá-lo só porque você tem uma profissão "nobre"... Além disso, tem o conservadorismo exagerado (herança também do narcisimo: querer ficar sempre do lado de quem tá no poder, por se identificar com tais pessoa e se julgar querido por elas), uma tendência a sobrevalorar as próprias idéias, um amor patológico pelo dinheiro, uma necessidade de aparentar sempre ser moderno e ter bom gosto... a racionalização é o mecanismo de defesa principal da neurose médica. Foi lendo Jung, sua Teoria da Personalidade, que percebi que, via de regra, o profissional mata o homem, desumaniza a criatura; é essa desumanização do homem-médico que chamo de neurose médica.


Bom, vou parar por aqui, porque Os Doidos tão logo aí pertinho e eu sei onde moro e ondeestou pisando...


Cabe ressalvar que há profissões também "nobres" (ouvi risos?) nas quais a síndrome é mais grave que uma neurose: são aqueles que mentem demais por dever, se pavoneiam literalmente
ad nauseam, cobram muito caro pra mentir, e no fim não fazem quase nada...

Mas o Menino, em Fazer Arte, se superou: há o que chamo de frases opcionais: uma mesma frase pode ser lida de duas ou mais maneiras; vou citar só a primeira do Escrito, pra não dizerem que tô querendo aparecer às custas de uma criança: "Descobri que fazer arte é brincar ainda mais"
.

Bom, como são os primeiros Escritos de Nanin que vão pro meu blog, devo dizer que esse Menino Nanin é, na verdade, um menino a quem dei cria, mas ele não é meu filho, é apenas cria minha. Crê? Ele nasceu, digo, surgiu na lista de poesia lusobrasileira Encontro de Escritas (
www.br.groups.yahoo.com/group/Escritas/ ), no ano de 2002, e em verdade vários bons amigos poetas contribuíram para o surgimento e o crescimento desse pequeno escritor, o Menino Nanin, mas eu sou Mãe e Pai dele sem que ele seja meu Filho, e assim está explicado quem é Nanin, e que ninguém seja doido de duvidar da Trindade.

Falar em doido, Nanin, em Os Doidos, fala de algumas pessoas que certamente conheceu numa cidade do sertão da Paraíba, Santa Luzia, patrimônios públicos da comunidade, instituições humanas que ele quis homenagear.

Devo aavisar a uma eventual leitora que apareça por aqui que esses Escritos de Nanin são já de uma fase em que o Menino estava bem crescido, adolescente, crescido não só na idade, mas também na escrita. E que Nanin é uma criança que escreve para adultos, pretensioso... Algo me diz que terminará sendo médico.



Com um abraço,

Antônio Adriano de Medeiros


OS DOIDOS

Os doidos são pessoas que, dizem, perderam o juízo.

O juízo é uma bola que a gente tem dentro da cabeça
e que ora cresce, ora diminui, assim como a lua,
e os doidos fingem ter sua lua minguante na cabeça,
mas na verdade eles vivem na lua cheia,
prisioneiros que são da procela de seus sentimentos.

O juízo existe pra que a gente aja com honestidade,
que é apenas a capacidade de ser verdadeiro e bom.

Simples assim? Não muito...

O juízo e a honestidade nem sempre andam juntos,
mas deveriam andar. Os doidos, me parece, são muito
honestos, e quando em contato com pessoas desonestas
fingem perder o juízo pra não perderem a delicadeza.
Andam maltrapilhos, exagerados, quase nus às vezes,
e falam coisas sem sentido só pra convencer os outros
que estes são mais importantes que eles, mas não são,
não: os loucos são a reserva de humanidade que nos resta.

Tem coisas que só um Menino pode dizer, por isso eu digo
que é muito perigoso esse negócio de algumas pessoas poderem
decidir quem tem ou não juízo, porque papai diz
que a vida é um comércio e, penso eu que sou Menino,
que as pessoas podem, se tiverem raiva de alguém
ou se alguém estiver atrapalhando seus negócios,
inventar que esse alguém perdeu o juízo...

Porque quando dizem que alguém perdeu o juízo
tomam tudo dele, às vezes as próprias pessoas que dizem.

Imaginem se alguém estiver atrapalhando o comércio
das pessoas que decidem quem é doido, e essas pessoas
que decidem quem é doido claro que não vão gostar
do alguém (não pessoa), e podem se reunir, três ou quatro,
e escreverem algo dizendo que o alguém é doido...

Não é perigoso?

A palavra Doido vem de Doído, é um sofrer que finge
apatia por delicadeza, qualquer pessoa hoje sabe disso,
mas isso só pode ter sido dito por outro doido,
porque só os os doidos criam, os que não são
doidos só fazem repetir ou querer explicar as coisas
que os doidos inventam, eles não têm coragem
ou talvez sua imaginação seja bem pequenininha,
porque o pensamento deles não é casa de passarim.

Já notou que todo artista de verdade é meio doido?

Muliquim era um doido que todo mundo tinha medo,
mas me tratava bem só porque eu chamava ele
de senhor; Xixica Doida, coitada, era uma doida
burra e tirava a roupa quando os outros meninos
a insultavam na rua, mas eu só fiz olhar pra ela
uma vez e ela se vestiu, envergonhada com meu olhar;
João Doido vivia calado e parecia raivoso, mas
um dia eu fui conversar com ele e descobri que
ele era um filósofo muito inteligente; Macho Cano,
que endoideceu cantando o forró "Machucando, Sim",
era um doido verdadeiramente lunático, tinha fases
que ficava alegre demais, outras raivoso, decerto
algumas triste, mas tinha tempo que deixava de fingir
que era doido e passava a fingir que era normal.
Celestino fingia ser doido mas era um poeta que inventava
palavras muito interessantes, mas vez em quando dizia
coisas bonitas também com palavras já usadas, e um dia
ele estava com raiva dos santos (Santos era o sobrenome
dele) e, quando lhe perguntei a razão de tanta revolta,
ele disse que não precisava do nome Santos, porque
- "Nanin, anjos somos nós!" Tinha razão.

Normal é ser anão de sentimentos, é fazer tudo
igualzinho ao que os outros fazem. O doido mais doido
que eu já vi foi um velho num teatro, um doido da gema,
ou seja um doido até no nome: seu nome por certo
era pra ser Arthur, mas ele se chamava de Artô,
acho que porque ele fez muita arte, artou demais,
Antoín Artô, o doido mais arteiro que já vi. Ele disse
uma vez algo que as pessoas não têm coragem
de dizer, falando de certas profissões respeitáveis:
que era quase impossível ser um médico
e uma pessoa honesta ao mesmo tempo...

Já notei que ele poderia ter alguma razão,
mas toda regra tem exceção, e você pode tentar, viu?

Ah, vou parando por aqui, esse escrito tá muito longo,
e meio solto, parece até meio doido, mas deve
ser assim mesmo, pra poder ser verdadeiro.

Nanin


A PAIXÃO

A primeira vez que eu ouvi essa palavra,
Paixão, foi da boca de Cristina,
aquela boca tão bonita que ela tem,
conversando lá com Rosa e outras amigas.
Falavam baixinho, cochichando, mas ouvi
escondido fingindo não ouvir nada.
Diziam que a paixão era uma coisa
que cegava as pessoas, ou as obrigava
a fazer coisas impensadas, como uma doença.

Aí fui pensar e descobri que eu já tinha
sido acometido também por aquela doença
algumas vezes, mas em mim era diferente:
ao invés de cegar, me fazia ver mais,
pois tinha a impressão de ver a minha preferida,
aquela que causara a doença,
aparecendo em todos os lugares
para logo desaparecer, digo, se trasnformar
em outra, quando eu olhava direito.

A paixão não cega, na verdade engana
porque deixa o mundo mais bonito,
e a gente até acorda mais cedo e disposto,
com mais vontade de viver.
Ao mesmo tempo em que é uma doença
ela é também um remédio,
o que confirma que remédio mata e cura...

Há pessoas que morrem ou matam de paixão.
Morrer é deixar de existir aos nossos olhos,
ir pra outro lugar bem longe onde ninguém vê,
mas deixando aqui os retratos e a saudade.
Matar é fazer morrer alguém, coisa
que não bonita mas todo mundo tem vontade
de fazer de vez em quando, mas depois passa
e a gente pode até vir a gostar de quem teve raiva,
e assim a gente vai crescendo.

As Danadas sabem fazer
a gente se apaixonar por elas.
Primeiro é o rosto, o rostinho bonito,
que finge ficar triste se contrariadas,
que abre no sorriso um mundo multicor,
que nos deixa muito preocupados
se a gente fizer ou disser o que não gostam
porque o rosto deve ser sempre sorridente,
que tem nariz, cabelos, lábios e promessas,
e que nos molham com boca e olhos,
lubrificantes que são do motor da vida.

Tem outros melhores? Eu não conheço!

Notei que é sinal de burrice matar ou morrer
pela paixão, porque ela só finge ser uma doença
mas é a favor da vida, ela que a nutre
com a agua que escorre da boca e dos olhos.
A vida é como uma planta.
Daí que as pessoas que morrem de paixão
podem até ser respeitáveis, mas nunca aquelas
que matam: eis a diferença entre gente e bicho.

Agora só falta dizer que se a paixão vem
pelos olhos, é no toque da pele que reside
toda a magia, pois a amada fica sendo nossa.
Mas ela tem que deixar, viu?

(Não diga a ninguém, mas descobri
que elas sempre deixam, é só saber chegar.)

Nanin

FAZER ARTE

Descobri que fazer arte é brincar ainda, mas
já com certo conhecimento de como são
as brincadeiras, inventando os próprios brinquedos.

Você pode traçar um risco, inventar
uma história, ou dançar, cantar, gritar,
sair correndo, pode até grunhir impropérios,
mas deve fazê-lo minimamente para
entendidos. Não obrigatoriamente os que sabem,
mas os que desejam saber, precisamente.

Admiras porventura um farrapo humano?

- Sim, mas não minto ao ponto de dizer
que toda arte é admirável, é preciso talvez
uma certa classe, mesmo na miséria mais
absoluta, aprendi com a amiguinha Antoinette,
personagem principal de um quadro pintado
ao som de cabeças que caem, riscando o chão
numa dança de todas as cores, latidos, uivos;
é correr com gato e cachorro, olhando pra trás
pra ver o astro que esse céu doura,
do próprio corpo uma sombra sutil.

Imagem muda, pra poder melhor falar aos sentimentos.

Por tudo isso é que, mesmo penso e sufocado
como soem ser os seres pequenos e doentes
entre os gigantes tribais, ainda respira, rei,
o ar das alturas, pois lá do alto sei-o,
e não sem muita certeza porque sou Menino,
que talvez toda arte se estruture qual poesia.

- És cultura verdadeira, se estrutura de palavras.

Nanin


Com a modestíssima contribuição de Antônio Adriano de Medeiros

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A CONFERÊNCIA DOS BICHOS



É ano eleitoral e, mesmo não estando engajado em qualquer campanha e sendo o voto secreto, não posso deixar de lembrar que "quem desconhece a História está fadado a repetir seus erros".

A CONFERÊNCIA DOS BICHOS


Toda a vida apreciei
as coisas da natureza,
porém sempre procurei
evitar a malvadeza:
desde pequeno escolhi
agir com delicadeza.

Se tenho acesso à nobreza
e a todo o reino animal,
é porque já me foi dado
o passaporte de pau
pelo altivo Conde Bode
da Corte do Bacurau.

- O leitor me leva a mal
se eu lhe disser que, hoje em dia,
considero superior
à nossa diplomacia
aquela dos animais
que conheci certo dia?

Já nem preciso de guia
para adentrar nas florestas.
Seja de noite ou de dia,
sou convidado pras festas,
e aos bichos deixo felizes
quando conto suas gestas.

As bactéria funestas
convivem em meus intestinos
em harmonia com as raças
dos seres mais pequeninos
- foi num zoológico fantástico
que cruzamos os destinos.

Corri com bichos meninos
nas montanhas das manhãs,
ouvi em noites chuvosas
as serenatas das rãs,
me agarrei com as oncinhas
como a brincar com as irmãs.

Das belíssimas faisãs
eu sou amigo do peito,
na Corte do Rei Leão
sou tratado com respeito,
e até mesmo a macacada
tem-me achado bom sujeito.

Estou em alto conceito
no reino da bicharada,
e a confiança que vejo
a mim hoje dispensada,
juro a meus amigos bichos
que jamais será frustrada.

Soube que estava marcada
- com bastante antecedência -
de toda a bicharada
que tem sua residência
nas hostes desse país,
uma grande conferência.

Foi com certa impaciência
que aguardei chegar a data,
e então segui pra Minas,
para uma serra na mata.
Já subi o São Francisco
de carona com a Pata.

Como não há gente ingrata
no grande reino animal,
demoramos na viagem
mais que o tempo natural,
pois sempre havia algum bicho
com um lanche e coisa e tal.

E conosco um Pica-pau
seguiu pra reunião,
por isso já fui sabendo
que naquela ocasião
os bichos discutiriam
os destinos da nação.

E logo o Bicho Papão
no caminho a gente viu,
Jegue ia pela margem
porque tem medo do rio,
a gigantesca Jibóia
quase que nos engoliu.

E quem primeiro nos viu
foi Araponga, cantora.
Coruja nos recebeu
com ares de professora,
a Onça olhava pra mim
com olhos de caçadora.

Uma elegante Pastora,
dessas da raça alemã,
prestou-se a me proteger,
tarde, noite e de manhã:
dividiria meu quarto
com grande mestre Acauã.

Do Sapo a esposa, Rã,
com a peruca alourada,
travava com o Veado
uma conversa animada,
quando em traje verde-oliva
adentrou a macacada.

Gorila estava zangada,
Tucano muito nervoso,
Um Arara azul de raiva,
Cachorro também raivoso,
o elegante Pavão
sempre muito vaidoso.

Um Urubu majestoso
- sim, da família real -
criticava à alta voz
o poder batraquial,
dizendo que a nação
com ele ia se dar mal.

Apareceu Bacurau,
Preguiça mandou Bahia,
Sereia veio do Rio,
de Brasília a porcaria,
Tatu, lá do Maranhão,
trouxe um presente pra Jia.

Trajada para a folia,
chegou a pernambucana:
era uma Carangueja
com a sombrinha bacana.
Muito séria a operária,
a Formiga paulistana.

Também veio a Caninana,
o Gato, o Tejuaçu,
a boiada de Goiás,
as grande Éguas do Sul,
e a família todinha
do Maestro Cururu.

Um ricaço Boi Zebu
se chegou do Mato Grosso,
Seriema do Sertão
era só couro e o osso,
Maroca de vez em quando
esticava seu pescoço.

O Sapo está bem mais moço,
disposto e bem animado,
seguido sempre de perto
por Gavião Encarnado,
Mestre Condor lá do Chile
era deles convidado.

Papagaio bem trajado
começa a reunião,
mas as Araras Vermelhas
obstruem a votação,
irritando o poderoso
ministro Dom Gavião.

Eis que falam em cassação,
mas radicais não recuam,
logo chegam os Carcarás
que contra o Sapo atuam,
e alguns cachorros zangados
mostram os dentes e acuam.

Bichos moderados suam
mas não se chega a bom fim,
é preciso que o Sapo
- que estava bem junto a mim -
faça uso da palavra;
e bom Sapo diz assim:

- "Vocês andam achando ruim
nosso modo de ação,
porém nunca antes houve
na história dessa nação
um governo como o nosso,
de um líder pé no chão.

Têm saudades do canhão,
da prisão, da ditadura?
Querem voltar pra cadeia,
mergulhar na noite escura?
Aprovem nossa Reforma,
bichos da cabeça dura!

Eu não sou caricatura,
sou um bicho consciente,
é só votar a Reforma
qu'esse país vai pra frente.
Escutem bem o que digo,
se vocês querem ser gente!"

Finaliza o Presidente,
e começa a votação,
Carcarás e as araras
tentam sempre obstrução;
a tudo que o Sapo quer,
insistem em dizer "Não!"

Grita o Carcará mandão:
- "Esse Sapo é comunista!"
Araras Vermelhas gritam:
- "Sapo virou direitista!"
Araras Azuis discordam:
- "Um perigoso anarquista..."

De oradores a lista
é grande, descomunal.
Desse jeito a tal Reforma
só no Juízo Final,
mas Rei Leão se levanta:
- "Acabem esse Carnaval!

Eu mando baixar o pau,
ô magote revoltoso:
afinal o nosso Sapo
foi grande vitorioso
nas eleições derradeiras,
e é bicho escrupuloso.

Esse Carcará raivoso
sempre mandou na Nação
junto com Arara Azul,
que em verdade é seu irmão,
e as Araras Vermelhas
nunca foram nada não.

Só vivem pra confusão,
pra baderna e bandalheira.
Falam, berram, estrebucham,
porém só fazem besteira:
querem levar o país
ao caos, à quebradeira.

Isso aqui não é mais feira,
é congresso de respeito,
por isso obedeçam a Sapo,
ele que é um bom sujeito.
Advirto à bicharada:
votem a Reforma direito!"

E quando acabam o pleito,
a Reforma é aprovada.
O Sapo abraça o Tucano,
começa alegre noitada.
- Quando eu vejo, tô dançando,
alegremente sambando
no meio da macacada.


Antônio Adriano de Medeiros

sábado, 14 de agosto de 2010

DANÇA ESPANHOLA



DANÇA ESPANHOLA

Aquelas pernas ágeis,
belas e precisas pernas
habituadas á dança flamenca,
já não querem imolar touros na arena
pois agora sabem como encantar o mundo
no palco onde antes reinava o samba:
brincando com uma bola.

Foi depois do tiro fatal
que deram nos holandeses
na Guararapes da África.

E do goleiro se recusando
a receber sozinho a taça,
e da explosão de alegria
de um time e de um povo inteiros.

E do beijo do capitão na amada,
capitão vitorioso que teve a grandeza
de curvar-se perante algo maior,
estufando as redes de televisão
e a bola pulsante no peito da humanidade.


Antônio Adriano de Medeiros


Interessante que a Poesia ás vezes pode ser dita (escrita) de forma simples, sem rebuscamento.
Já vi o Brasil ganhar três copas (a de 1962 não conta, tinha eu só quatro meses de idade), e não posso deixar de louvar a beleza do gesto de Casillas obrigando Joseph Blatter, presidente da Fifa, a ir até ele entre todos os jogadores para que recebessem todos juntos a Copa do Mundo.

Comparando-se a cena com a protagonizada por Cafu em 2002, quando quis erguer sozinho a Copa e ainda sobre uma mesa à guisa de pedestal, dá muito o que pensar.

Como sou um poeta listeiro, tive a alegria de ver o poeta recifense Walter Cabral de Moura comentar meu escrito, com nota pertinente sobra a Batalha dos Guararapes, esse mesmo Walter aí do lado louvando nosso modesto blog. Por isso, acrescento seu comentário ao escrito:

"Gostei deste poema, caro amigo AAM,
assim como tenho gostado de vários outros de sua exuberante lavra, e se outros comentários não tenho feito é porque nem sempre calha.

Deste chamou-me a atenção sobretudo a comparação que faz, com relação aos holandeses, da África com os Guararapes :)

Sendo provável que nem todos aqui conheçam o significado desta última palavra, tomo a liberdade de explicar que se trata do monte, nos arredores da cidade do Recife, onde os holandeses foram definitivamente derrotados em combate, pelos luso-brasileiros, em janeiro de 1654, o que os levou a capitular, encerrando a aventura de 24 anos levada a efeito, no Nordeste do Brasil, pela Companhia mercantil das Índias Ocidentais. Foi o Waterloo dos batavos, digamos assim.
Por essa ocasião, seu domínio reduzia-se ao Recife, onde finalmente entrincheiraram-se, após sucessivas expulsões de territórios anteriormente conquistados. No auge de sua expansão, controlaram um território que se estendeu desde a margem norte do rio São Francisco (Penedo) até o Maranhão (São Luís).

Tendo expulsado os holandeses praticamente sem ajuda do rei, e devolvido-lhe fielmente o território, os barões do açúcar e comandantes pernambucanos passaram a dizer-se súditos de Sua Majestade por opção política, e não por obrigação. Essa ingênua presunção viria a custar-lhes muito caro - ou aos seus descendentes - cerca de 60 anos mais tarde, por ocasião da chamada Guerra dos Mascates, que entre 1710 e 1715 misturou nativismo e luta de classes no Brasil colônia, contrapondo "nobres" olindenses a "mascates" reinóis que habitavam o Recife, e que terminou com a morte, na cadeia do Limoeiro, em Lisboa, de vários dos principais do partido de Olinda.

Mas essa já é uma outra história, que tem a ver com os holandeses apenas ter sido talvez o último desdobramento de sua chegada a estes trópicos.

Grande abraço,

Walter"


sexta-feira, 13 de agosto de 2010

SEXTA-FEIRA 13 DE AGOSTO




De OS DEZ TENTAMENTOS DE TONHO DA SANTA


IX


Aprisionados no Tártaro sombrio, gigantescos Titãs
do engenho da Destruição, das forças sombrias que Terra
guarda em seu íntimo. foram libertados quando o porta-raios
precisou pôr um fim ao cruel reinado de seu pai Cronos
- para tal contando com ardis da própria Géia - por serem úteis
aos desígnios do Rei dos deuses quando precisou impor
seu reinado. Tão logo vencido o cruel devorador de filhos
mostraram-se os violentos Titãs perigosos para Zeus
e que o combatiam, precisando ser derrotados para que de novo
e em definitivo ficassem acorrentados no Tártaro escuro e tão frio.
Mas existe outro deus condenado às trevas eternas dos Infernos
de quem Tonho da Santa não gosta e de quem morre de medo
mesmo quando apenas lhe mostro belos poemas
que alguns poucos Lhe dedicaram. Tonho sentiu-se mal no dia
em que lhe perguntei se, também quando se precisou implantar
o Reinado de Jesus, Aquele a Quem Seu Pai Escondeu nas Trevas
não fora novamente chamado a combater a Seu lado,
já que tantos homens foram queimados, degolados, mortos,
empalados - coisas que não parecem muito adequadas
a quem prega o amor e o perdão. Será que aquele estremecimento
mal mascarado de Tonho não escondia a dúvida da contradição,
do paradoxo que reside no fato de um Deus que se diz Único,
Bom, Justo e todo-poderoso, permitir e mesmo aliar-se à existência
logo de Satã, a Sua Mais Completa Negação?
Ou será que a Maldade de Ahriman não seria de todo má?


Antônio Adriano de Medeiros

sábado, 7 de agosto de 2010

O grande debate na corte dos bichos


Nunca mais haverá um debate como aquele!

Na Fuloresta Encantada,terra do Zoológico Fantástico, em 2002, para a sucessão do Professor Tucano, reuniram-se Sapo Barbudo, o bizarro Morcego Tucano. e ainda o Jegue Biônico e o jovem bezerro de ouro de tolo chamado de Garrótinho para o Grande Debate na Corte dos Bichos.

Sim, no Brasil daquele ano, para a sucessão de FHC reuniram-se Lula, Serra, Ciro Gomes e Anthony Garotinho para um debate também, mas quem liga para isso? Eu só sei que nada sei!

Quanto ao Debate dos bichos, reza o Zoológico Fantástico o seguinte:

"É então que acontece - felizmente, pois havia já longo tempo que o poder não mudava, daí que aqueles bichos estranhos começavam a aparecer, acredito - um fato fenomenal na história da nação zoológica: O Grande Debate na Corte dos Bichos. É que ia haver outra eleição, e dessa vez em dois turnos: nesse primeiro debate, quatro animais de cacife disputavam os votos do eleitorado animal, a saber: o veterano Sapo Barbudo, o estranho Morcego Tucano, o Jegue Biônico, e um certo Garrótinho. Informo ao leitor que após tal debate, ficaram para disputar a eleição final o Sapo Barbudo e o Morcego Tucano. Sendo esse um grande debate, ele só poderia ser dedicado a um grande amigo. Por isso, dedico-o a Oswaldo Ribeiro Filho, inseparável companheiro das hostes natalenses."


O GRANDE DEBATE NA CORTE DOS BICHOS



Para Oswaldo Ribeiro Filho



Não pense o leitor que deixo
de tomar chá na floresta,
a amizade dos bichos
é a única que me resta,
pois na raça dos humanos
muito pouca gente presta.

De novo pra grande festa,
é claro, fui convidado:
um debate federal
seria realizado;
o sabiá me chamou;
- Vige, fui muito animado!...

Vi velho Sapo Barbado
aliado a nobre Lula;
um Jegue modernizado
montando a mais bela mula;
e com Morcego Tucano
Sereia fazer firula.

E vi outra criatura:
um falante Garrótinho
ostentando sua bíblia
e crucifixo novinho:
- "É o Bezerro de Ouro?" -,
perguntei a um fradinho.

Disse o frade, bem baixinho:
- "É bíblia de mentirinha...
Promete que faz milagres
e cultiva uma rosinha,
mas sempre depois do culto
manda passar sacolinha...”

Pois saiba, leitora minha,
que tais eram os candidatos;
cada qual de suas obras
queria fazer relatos:
um deles seria eleito
para o Palácio dos Patos.

Ocultarei alguns fatos
para o poema encurtar,
quem dirigia o debate
era o nobre Carcará:
ele a cada um dos bichos
dava a ordem de falar.

Sempre atento a escutar,
meu amigo, Rei Leão:
sério e bravo como é,
mostrava satisfação
por ver a bichocracia
reinando em toda a nação.

Segundo a convenção,
cada bicho era obrigado
a fazer logo um discurso,
resumido e bem narrado,
mostrando sua proposta
ao grande eleitorado.

E disse Sapo Barbado:
- "Quero felizes as rãs!
Serenata cada noite,
trabalhos pelas manhãs!
Saúde, estudo, alegria,
todas as raças irmãs!

Quero novos amanhãs
pra todo o reino animal;
cada filhote na escola,
dieta mais vegetal:
não podem sonhar os bichos
com justiça social?"

Seguindo o convencional,
diz Morcego, dos Tucanos:
- "Não mais podemos viver
isolados dos humanos,
devemos mais abraçar
europeus, americanos!

Os outros fazem seus planos,
porém eu mais estudei
e, por toda a minha vida,
muito mais me preparei;
e se isso não bastasse,
tenho o apoio do Rei."

Depois então escutei
Jegue Biônico falar:
- "Todos sabem que eu, quando
governei o Ceará,
fui, de todos da nação,
eleito o mais popular.

Coices e zurros sei dar,
vi sertão e maresia;
mais escolas implantar
do Acre até a Bahia;
promover de Norte a Sul
segurança e economia."

Nessa hora a gata mia,
todo mundo vem olhar:
é de raça muito nobre,
muito bela a angorá;
ela ao Jegue Biônico
costuma acompanhar.

Vamos agora escutar
a fala do Garrótinho:
- "A todo mundo que diz
qu'inda sou pequenininho,
lembro ser filho de Touro:
com chifre, não tem carinho!

Pois saibam que não me alinho
com seres sujos de pus,
sozinho sei o caminho
pois no livro vi a luz:
para cada pobre quero
casa, polícia e Jesus!"

Elegantes urubus
garçons falando francês,
iam sempre a cada mesa;
muito mais que uma vez,
carne crua ou fruta fresca,
tudo a gosto do freguês.

E quando chegou a vez
de interrogar concorrente,
os bichos mais questionados
foram os que estavam na frente;
tinha um Sapo e um Morcego
cotados pra presidente.

Jegue diz assim: - "Ôxente!
Morcego, mentirosão,
oito anos no poder
com o professor ladrão,
e só agora promete
empregar oito milhão?"

Feioso que só o Cão,
diz o Morcego, zangado:
- "Como criar tais empregos,
Jumento, tenho provado:
com lápis e no papel
eu muito tenho explicado.

Já você, cabra safado,
tira onda de elegante;
vive cercado de belas
por também ser bem falante,
mas o segredo de tudo
tá em teu membro gigante."

- "Não seja deselegante:
isso é golpe desleal;
você é que é farsante,
Morcego falso, afinal
é bicho muito ligado
à tal quadrilha real..."

Quase os dois saem no pau,
porém o Sapo interveio:
- "Companheiros, por favor!
Isso tudo é muito feio:
um debate de valor
nosso povo escutar veio."

Garrote não estava alheio
e a palavra tomou:
- "Barbudo, todos sabemos,
muita surra já levou:
subiu, subiu nas alturas,
mas depois se espatifou..."

- "Garrote, você chegou
mais longe do que podia,
desconfio que para tanto
usou de patifaria,
bíblia misturada a bicho
me cheira a feitiçaria...

Dessa vez sabedoria
me mandou se misturar;
ando em terra e água doce,
mas dessa vez soube ousar:
na aliança com Lula,
uni-me aos bichos do mar!"

Jegue volta a atacar:
- "Derroto a tropa todinha:
os índios do Ceará
gostam de comer farinha;
no banquete como sapo,
morcego e bispo sardinha!"

Diz o sapo: "À patricinha
você sabe convencer,
mas os bichos da favela
agora já sabem ler:
será com o voto deles
que eu vou-me eleger."

Ouvi Morcego dizer:
- "Reconheces que Tucano
algo de bom aqui fez?
Letrou fulano e sicrano,
saneou economia
e civilizou beltrano..."

- "E viajou mais de ano..."
- o Sapo ouvi responder -
"Muito título de doutor
a gente o viu receber,
mas o Brasil de verdade
Professor não soube ler..."

O debate a transcorrer,
cada um a se gabar,
Morcego foi aplaudido
pois conseguiu derrubar
patente do coquetel
e bicho aidético salvar.

Também devo elogiar
o Jegue de Fortaleza,
fez chegar no Ceará
água limpa pra pobreza;
e, como poeta é,
soube se unir à Beleza.

Só vejo com estranheza
o tal touro juvenil,
com sua bíblia na mão
e sua postura hostil:
uma estranha Inquisição
ameaçando o Brasil.

O nobre Sapo, se viu,
soube fazer aliança,
unido a bons companheiros
de estrita confiança:
dessa vez a estrelinha
brilha com mais esperança.

Rei Leão encheu a pança
e o debate encerrou,
a nem um dos candidatos
falar mais ele deixou,
um batalhão de cachorros
por segurança chamou.

E foi assim que chegou
o debate a seu final,
e na minha opinião
Sapo foi o maioral;
mas sei que o mais preparado
nem sempre é o mais votado,
e viva o reino animal!


Antônio Adriano de Medeiros