segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Choro de Mulher - Nanin faz reflexôes

imagem de Susan Boyle, do Google


O Escrito de Nanin enviado hoje me deu muito o que pensar. Menino que fui no sertão nordestino na época do Regime Militar, imaginava que o fenômeno abaixo descrito fosse comum só em épocas de regime fascistóide (de fascio, espécie de chicote pra bater nas pessoas que fogem à Ordem, enquadrando todo mundo num modelo a ser seguido), mas após a leitura do Escrito de Nanin descobri (!) que o Fenômeno é comum ainda em escolas de criança.

A Mulher que eu vi, cujo nome não devo revelar, era uma professora amiga das freiras e de pessoas do Poder, e que morava na Capital do Estado e tinha fama de grande oradora; era uma autoridade educacional do Estado. Ela se antecipava às datas importantes e ia fazer seu discurso em louvor à Pátria e à Moral, e tome choro; mas tinha dias sem importância alguma em que Ela chegava e de repente aquele dia se tornava singular - A Mulher ia falar, e todas as aulas eram interrompidas e os alunos obrigados a "formar", asim como soldados num quartel. E tome louvores à Pátria e à Moral, encharcados em lágrimas de muito choro...

Sendo a Mulher solteira e baluarte da moral e dos bons costumes, fico pensando se talvez não fosse aquela a única forma de fazê-la chorar, extraindo ela dali algum prazer? Recomendamos pois respeito no recinto durante a leitura.

Abraços,

Antônio Adriano de Medeiros



IMPRESSÕES S0BRE CHORO DE MULHER


A mulher é, antes de mais nada, um animal que chora.

O choro da mulher é mais que uma arma, é um brinquedo.
É como um revólver pra gente, sabe?
Elas gostam de chorar.
Já vi mulheres que começam a rir, bem felizes,
e de repente desabam em choro - coisa mais estranha!

Outro dia, - não, já era noite e bem tarde -, ouvi mamãe chorando;
ela e papai estavam trancados no quarto,
tinha me levantado pra ir beber água.
Eu gosto muito de mamãe e também gosto de papai,
mas não gostaria de que ele a fizesse chorar daquele jeito,
naquele "ai, ai, ai, não, pára!",
e então bati na porta do quarto e tentei abri-la: estava trancada!

Logo o choro passou, e gritei: "Mamãe, tudo bem?"
Dali a pouco a porta se abriu e os dois brigaram comigo
muito bravos, mamãe tinha os olhos cheios de lágrimas
mas também era a mais zangada dos dois;
foi quando eu descobri que elas gostam de chorar,
e nunca mais vou me meter em choro de mulher.

O choro delas tem mais valor que o nosso, descobri.
Rosinha, a minha irmã, sempre consegue as coisas quando chora,
principalmente se chorar sentada no colo de papai.
Mas nem precisa: ela também pode correr pro seu quarto chorando
que sempre vai um deles atrás dela, papai ou mamãe,
e ficam lá se abraçando, consolando ela,
e na maioria das vezes dão o que ela quer,
ou prometem apenas adiar a satisfação de seu desejo.
Comigo, não é assim: posso chorar à vontade
que não adianta muito, mesmo que esbraveje:
dizem apenas: "vontade é coisa que dá e passa".

Mas a maior comprovação de quanto é importante choro de mulher
é uma senhora chamada Áurea Bandeira da Pátria.
Ela é amiga lá das freiras, da diretora e das professoras do colégio,
e parece ser uma pessoa muito importante.
Cheia de jóias, muito bem penteada, toda pintada e perfumada,
ela chega às vezes, umas duas, três vezes por ano no colégio.
Também aparece em datas importantes,
dias da independência, da bandeira ou da república,
ou simplesmente quando quer.

Nesses dias em que chega quando quer e sem avisar ninguém,
é que vejo como ela é importante:
todas as aulas são interrompidas, e os alunos devem "formar".
Formar é ficar todo mundo em forma, sério, em frente ao mastro da Bandeira.
É que a Áurea Bandeira da Pátria chegou e quer chorar,
e todos devemos ouvir o que ela vai dizer: precisaríamos chorar com ela?
Não, decerto, porque ninguém nunca chora, só ela, sozinha.

Pois bem, depois de que todo mundo está formado,
ela começa a falar. Fala da grandeza da pátria, da importância da família
e de Deus, de Jesus e de outros homens bons como ele,
o presidente da república, qualquer um, o governador, qualquer um,
o prefeito, um deputado, qualquer um, todos são bons,
importantes, grandes e bons. Sendo grande é bom,
pra mulher que gosta muito de chorar.

Ela também fala muito de uma coisa chamada moral,
que ela diz ser muito importante e coisa que só gente grande tem,
porque a gente ainda precisa aprender a ter a tal da moral.
Então volta às grandezas da Pátria, o berço esplêndido,
e é quando começa a Coisa:
primeiro ela se torna muito brava, zangada mesma, emocionadíssima;
depois bota pra tremer, estrebuchando;
à primeira vez que eu vi, tive medo que ela tivesse um Ataque completo
e caísse babando e se batendo como uma vez vi uma menina fazer,
mas não: ela nunca cai, fica só tremendo e grunhindo palavras fortes,
e se a gente olhar direito ela está quase babando naquelas horas.
Daí a pouco, depois dos estremecimentos, dos grunhidos, contorções
e da discreta baba grossa que se forma em sua boca,
ela começa a chorar.

Chora e fala do choro, a voz embargada, lágrimas
escorrendo pela face, diz que chora pela grandeza da Pátria.
Depois que chora ela se acalma,
alguém é chamado pra hastear a bandeira, cantamos o hino,
e logo todos voltam à rotina das aulas.

Deve haver aí um significado importante sobre choro de mulher,
que ainda não descobri qual.
Mas que é importante, isso é, sem dúvida.
Do contrário, por que interromper todas as aulas
só pra ver aquela mulher chorar?


Nanin

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