segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O Soldado Perfeito de Stálin e o fim do Zoológico Fantástico



Haverá algo de inconsciente na demora da aceitação de uma obra como completa pela mente complexa de um poeta, de um pintor, um músico, compositor, de um artista - um esteta?

Pois não é que decidi - melhor dizendo, precisei! - de última hora, quando se está a fazer a revisão ortográfica do Zoológico Fantástico, modificar o seu final, incluindo ali um último poema?

Foi lendo a revista Playboy de julho de 2012 que fiquei sabendo do Soldado Perfeito de Stálin. Que na Década de 20 do Século XX, na União Soviética, logo depois da Revolução Bolchevique, Stálin encomendou ao biólogo Ilya Ivanov a criação de um soldado perfeito, "insensível á dor, indiferente à qualidade daquilo que vai comer", e que fosse consciente de seu dever e completamengte obediente a seus superiores por uma determinação biológica, genética, constitucional. E que tal Homem Novo seria possível do cruzamento do ser humano... com o macaco!

Ilya Ivanov primeiro emprenhou três macacas por inseminação artificial. Mas deu trabalho! As macacas queriam carinho... Tá pensando o quê? Mas as pobres macacas prenhes de humanidade acabaram morrendo, doentes, parece,  ou uma morreu de acidente... Mas não vem ao caso, sei que morreram as grávidas do Homem Novo. Ilya Ivanov então desistiu de emprenhar mães descuidadas e, armado com um Oragotango atlético e decerto bem dotado e inteligente, quis engravidar mulheres patriotas para criar o Novo Homem... Não é que algumas felizes candidatas se ofereceram para criar um ser que acabasse com a "burguesia cristã"? Não se sabe ao certo como seria a fecundação, se por meio artificial (mais provável, reconheço), ou natural... No poema a seguir, um cordel satírico, a coisa seria pelo meio natural...

Também, em um certo momento do poema, é como se o própio cientista soviético Ilya Ivanov tomasse a palavra, ora empolgado, ora aflito, ora raivoso contra a birguesia cristã...

Quis incluir o poema como final do Zoológico Fantástico pelo seguinte: o livro assim não toma partido, ou, se o faz, é pelo mundo civilizado, onde há. decerto, Esquerda e Direita.  É que, do pouco que li até hoje, sei que a palavra francesa "bourgeois", burguês, quando surgiu para designar o burguês, habitantes dos burgos, das primeiras cidades, designava assim o homem urbano, aquele de maneiras e gestos educados, o civilizado. E não é que "peuples policés", em oposição a "peuples nom policés" (não lembro se tem hífem), para designar a povos policiados e não-policiados, na verdade designavam os povos civilizados e os selvagens? Pois só é civilizado quem dispõe de Estado capaz de proteger seus cidadãos e suas instiruições. Tal Revelação me foi feita no livro Reflexões Sobre a Tortura, um marco da Filosofia e do Direito, que derrubou a ideia de que provas cosneguidas sob tortura seriam aceitas pela Justiça, livro escrito pelo filho de um Juiz Inquisidor e que só foi piblicado após a morte de seu autor, por razões bem óbvias.

Pois que o Zoológico Fantástico surja portanto com tal lembrança e advertência final, que não vale a pena mais retornar a ele. Nem pro leitor, nemm para mim, certamente, porque, enfim, "demorou!" (com sotaque carioca).

Abraços,
Antõnio Adriano de Medeiros


ZOOLÓGICO FANTÁSTICO



O SOLDADO PERFEITO DE STÁLIN


No Século Vinte o homem
teve um sonho muito estranho,
uma ovelha diferente
criar no próprio rebanho.
E se convenceu o povo
que viria um Homem Novo,
maior que o próprio tamanho.

De sangue um terrível banho
a humanidade viu,
pois Hitler na Alemanha
ao seu povo iludiu,
e agiu de forma indecente
destruindo o diferente
conforme um louco perfil.

Na Rússia outro sonho vil
enganou a sua gente:
se jurou criar um Homem
frugal e eficiente.
Ser digamos mais barato,
que aceitasse qualquer prato;
feliz e obediente.

Stálin, seu Presidente,
com o Homem insatisfeito,
julgava que a Liberdade
era um terrível defeito,
e chamou um cientista,
lhe dando a completa lista
de um tal "soldado perfeito".

E seria tal sujeito
ser meio anestesiado.
Sentiria menos dor,
comia qualquer bocado.
Só do dever consciente,
satisfeito e obediente
- um escravo retardado!

Para o Perfeito Soldado
o Homem, só, era fraco,
e assim ao cientista
Stálin deu um pitaco:
"- Ele só será possível
do cruzamento incrível
do Homem com o Macaco!"

Cabra do balacobaco!
Grande líder genial!
Corrigir o grande erro!
Reparar o Grande Mal!
Voltar na evolução
seria a Revolução:
o novo era o ancestral!

Pois se a família real
já foi toda assassinada,
destruamos de uma vez
a raça civilizada:
Burguesia é um acinte!
Nobreza não tem requinte!
Voltemos à Macacada!

- "Macaca foi emprenhada
por meio artificial.
Outra macaca também.
Uma terceira... Legal!
Vem macaco como o diabo!
Em pouco tempo eu acabo
com o Homem - Grande Mal!

Oh, como esse mundo é mau!
Tão bem que a coisa ia!
As três grávidas estão mortas...
Traição... Feitiçaria...
Não restou nem uma só!
Só pode ser catimbó
da tal da Virgem Maria!

Mas sempre há outro dia...
Da Providência eu mango!
Pensam que sou cientista
que tem cérebro de calango?
- Para acabar com o burguês,
mulheres, só se vocês
derem a um oragotango!"

Uma quis dançar um tango.
Outra diz - "Ele é bonito!"
Uma terceira o beijou.
Outra diz: "Pau de granito!"
E mais uma: - "Que orgia!
Pra acabar com a burguesia
eu sacrifico o priquito!"

Mas que azar infinito!
Veja, camarada meu:
A Trepada Elo Perdido
brochou, não aconteceu.
Qual vítima de Maldição,
Gutango, o garanhão,
adoeceu e morreu...

Uma chora. Enlouqueceu
outra que o queria tanto...
Umas dez juram fazer
um oceano de pranto...
Outra trai seu coração
e berra: - "Tem nada, não:
Gutango vai ser um santo!"

Mas sob o escuro manto
pesado da Ditadura
não se admite falha,
o governo é linha-dura.
O ditador comunista
condena o seu cientista
ao exílio, à amargura.

Ele fez triste figura,
falhou na sua missão.
O governo soviético
não lhe concedeu perdão.
E o macaco soldado,
se não estou enganado,
só quem viu foi Lampião!

Mas já não lhe dou razão.
Tal verso não é direito.
O soldado nos protege,
merece o nosso respeito.
E eu digo, sem engano,
que sendo honesto e humano
já soldado perfeito.

Sei que o Homem tem defeito,
mas eu o prefiro assim.
Respeito as falhas dos outros,
sei que falhas há em mim.
Que o homem coma a mulher:
é melhor comer filé
que vir a comer capim!



                 Antônio Adriano de Medeiros
                 Natal, 23 de agosto de 2012








domingo, 26 de agosto de 2012

Soneto do Semeador







SONETO DO SEMEADOR


                              "O semeador saiu a semear"
                                           Jesus Peixe, segundo Mateus



O Plantio é trabalho paciente.
Por primeiro o terreno é preparado.
Adubo à terra fofa, lentamente,
se mistura, e depois isso é molhado.
Numa cova se planta uma semente,
escolhida entre muitas com cuidado.
E a cada dia, religiosamente,
o local há de ser limpo e aguado.
Quando enfim dessa terra a planta surge,
mais cuidado se tem: agora urge
combater as vis pragas, as formigas,
e as ervas daninhas, inimigas.
- E depois a tal Planta, com carinho,
um soneto nos dá, bem madurinho.


                 Antônio Adriano de Medeiros
                 Natal, 23 de agosto de 2012

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

sutilíssima Trindade


Não é que o modestíssimo blogue teve uma semana bem produtiva? Quem diria, hein?

Mas eis que daqui a pouco outro dever, mais nobre, me chama, e me afastarei deste querido e temperamental laptop, tendo como destino aquelas queridas e tão acolhedoras hostes norte-riograndenses, para três dias de rotina com almas de poetas mais sensíveis e errantes que o comum dos rapsodos.

Confesso que preferiria que em minha ausência o blog ficasse tendo por página de apresentação aquela de ontem, com A Matéria do Poema. Mas é que ontem à tarde um alguém muito especial se materializou em palavras só para mim, e em respeito à atenção dispensada por ter ele vindo do éter cósmico se apresentar a alguém tão desprovido de talento e virtude, não resisto à tentação de acolhê-lo: não iria deixar ao relento do anonimato por alguns dias o melhor criminalista desse país...

Refiro-me ao Dr. Phil Lantra de Nascença Jr, a quem finalmente tive a honra de conhecer pessoalmente. Sim, porque através de telefonemas já havia travado conhecimento com sua egrégia pessoa, quando solicitou-me os modestos préstimos profissionais para atender a demandas do não menos ilustre senhor Dr. Gall Lombroso Dallalei, e do controvertido Sr. Cockão, cujas autodescrições pessoais e personalíssimas se seguem àquela do Sua Excelência o Dr. Phil Lantra Jr.

Na autoapresentação que o Dr. Phil Lantra Jr. faz de si mesmo ele fez questão de colocar uma epígrafe do poeta Augusto dos Anjos, extraída do soneto o Morcego, cujos versos finais são:

- "A consciência humana é este morcego:
por mais que a gente faça, à noite, ele entra
imperceptivelmente em nosso quarto."

O Dr. Phil Lantra Jr., disse-me ele, fez questão de incluir o terceto final, a moral do soneto de Augusto dos Anjos não apenas para mostrar que tem cultura poética, que seu saber humanístico em muito ultrapassa os vastos conhecimentos jurídicos que domina, mas sobretudo para dizer que felizmente tem a sua consciência limpa.

Acredito que o mesmo valeria para os outros dois, pelo que pude perceber deles.

O Dr. Gall Lombroso Dallalei deve seu pomposo nome a dois baluartes dos primórdios da, digamos, neuropsiquiatria, os Drs. Franz Joseph Gall, médico e anatomista alemão criador da Frenologia, teoria que diz ser capaz de determinar o caráter, características da personalidade e o grau de criminalidade de alguém pelo formato da cabeça, lendo caroços ou protuberãncias ósseas, e do italiano Cesare Lombroso, célebre psiquiatra do Século XIX, criador do conceito do "criminoso nato", inluenciado pela frenolgia de Gall mas que a ampliou bastante, sendo que bastava olhar para uma pessoa que, pelas características físicas da mesma, ele diria se era ou não um "criminoso nato"... Lombroso foi ainda um estudioso e praticante da mediunidade e do espiritismo, tendo ainda o mérito de ter sido o primeiro a defender medidas preventivas para o crime, tais como a educação, a iluminação pública e o policiamento ostensivo; também foram seus estudos que tempos depois deram origem ao que se chama hoje de vitimologia. Eram estudiosos de um tempo muito arcaico, e naturalmente, se hoje algumas de suas idéias parecem engraçadas e mesmo meio loucas, é bom olharmos para o futuro e pensarmos o que vão achar das nossas - e daquelas dos célebres cientistas de hoje - daqui a duzentos, trezentos anos... O Dr. Gall Lombroso Dallalei é poderoso empresário, político, e homem ligado à lei, sendo que, pedido seu, não revelaremos qual a sua relação com a lei, ou seja, qual a sua profissão.


Já o terceiro membro da Trindade, como veremos, não gosta de falar muito, nem mesmo revela o seu verdadeiro nome, apresentando-se apenas como Cockão, o Rei dos Cabeças. Malgrado seja um homem poderoso em seu meio, vive como que nas sombras da clandestinidade. Figura bastante controvertida, o Sr. Cockão comercializa certas substâncias químicas que a lei, a medicina, o bom senso e as tradições da sociedade não recomendam, não aceitam e mesmo abominam e combatem. As ideias do Sr. Cockão são também bastante estranhas e controvertidas, como veremos; aliás, as ideias das três raras personalidades aqui apresentadas são bem sui-generis.

Os poemas em prosa - gênero criado pelo poeta francês Charles Baudelaire em meados do Século XIX, espécie de minicontos com parágrafos ou estrofes bem cheios de idéias inovadoras, surpreendentes, fantásticas e mesmo estarrecedoras; ele chega a reclamar em um de seus poemas ao fato de o Diabo só ter aparecido a ele uma vez, e de tê-lo deixado aqui na Terra, quando o poderia ter levado sabe Deus para onde - pois bem, os poemas em prosa da série Doidos de Mim se caracterizam por sempre serem autodescrições de certas personalidades singulares, caricaturando traços de uma profissão, de um caráter, ou mesmo de personalidades mórbidas para a composição das quais eu emprego e empresto meu pouco conhecimento aplicado a cada caso, razão pela qual chamo, a meus meninos traquinas, de Doidos de Mim.

A imagem que antecede os poemas em prosa e esta longa e cansativa preleção é irônica e inversa: os macaquinhos deuses orientais Nada Ouço, Nada Falo, e Nada sei são exatamente o contrário dos Doidos de Mim, principalmente dos três aqui apressentados, que julgam tudo saber, tudo ouvir, e sobre tudo querem opinar.


absaam

DOIDOS DE MIM


PHIL LANTRA DE NASCENÇA Jr.


              "Meu Deus, e este morcego?"
                     augusto dos anjos


- Eu sou Phil Lantra de Nascença Jr.
Sou o melhor criminalista desse país!
Também tenho outras qualidades, poeta, cantor...

Naturalmente que cobro meus honorários
de acordo com a qualidade de meus serviços.
Se você não dispõe de soma próxima ao milhão de reais
para investir nos trâmites de um Processo,
não deve me procurar.

Tenho várias estagiárias - e também alguns estagiários -
que se esmeram sobretudo no que chamamos
de seleção econômico-natural dos clientes.
Parcelas iniciais abaixo dos Quinhentos Mil
tornam impossível a prestação de serviços
de acordo com nosso padrão de qualidade.

Porque a sinceridade e a honestadidade antes de tudo!

Naturalmente que clientes preferenciais
não precisam perder tempo com estagiárias
- a não ser nos raros casos em que assim o desejem. -
São clientes antigos, ou recomendados previamente
por estes, sempre com contato telefônico prévio.

Porque a questão do crime é muito complexa.
Só há crime quando existe o puro Mal!
E o que chamamos de Mal em nosso comum cotidiano
- e portanto, o que o vulgo julga ser crime -
muitas vezes é uma questão de preconceito,
uma interpretação desvirtuada dos fatos, um erro
de julgamento da comunidade que muitas vezes
não consegue compreender as verdadeiras intenções
do agente da ação, que na verdade pretendia
apenas fazer o Bem.

Vejamos o caso dos bancos, das empresas,
do comércio: não são eles os verdadeiros
agentes do progresso econômico da humanidade?
E ali sempre há um pouco de usura,
o juro, o lucro, ás vezes um monopoliozinho,
uma pequena chantagem, quem sabe até
incluindo uma doce e brincalhona pitada de extorsão...
Mas não são eles que permitem o emprego de tantos,
o desenvolvimento econômico, e sobretudo
o que é mais sagrado, o progresso social?

O puro Mal - o Crime strictu sensu - é raríssimo,
a imensa maioria das vezes tudo não passa de preconceito
ou se deve a um erro de comprensão, de esclarecimento.
Nada que uma boa conversa entre quem se julga vítima
e o suposto algoz não possa resolver.

Amiúde, porém, quando a assim chamada vítima
se mostra totalmente incapaz de compreender
- por doença mental ou patologia de caráter -
as sutilezas da conspiração de fatos que levaram
ao equivocado fenômeno ora nomeado crime,
é perfeitamente natural que o necessário e justo acordo
se faça apenas entre os homens da lei.

Suprema ignorância vemos no conceito,
digo, no preconceito, do que chamam de crime passional
- um crime adjetivado, Sábio e Bondoso Pai!

- Piedade, Senhor, piedade!

Como pode haver crime quando as emoções,
os sentimentos, alterações de humor, a paixão,
tudo que existe de mais belo e tipicamente humano
provocou o ato impulsivo e impensado
que veio a ferir ou destruir o ser mais amado,
ou o suposto ou real rival na suprema,
santa e belíssima batalha do amor?

Na guerra e no amor tudo é permitido,
reza a velha e boa tradição,
e não foi o Supremo Criador que primeiro nos disse:
- "Crescei e mulplicai-vos"?
Ora, se no cumprimento deste primeiro mandamento
- ùnico Mandamento que o homem, por duas vezes,
ora como Adão, ora como Noé, o construtor da Arca,
teve a honra e o privilégio de ouvir da Boca do Pai -
vem a infeliz e pequena criatura humana
a sucumbir à tempestade de emoções
Daquele Mais Elevado oriunda,
que mereça nossa compreensão, nossa compaixão,
e sobretudo o nosso perdão, mas nunca a punição!

Evidentemente que quando aí vêm a ocorrer
os lamentáveis excessos da ocultação de cadáver,
do esquartejamento, da dissolução por meio químico,
da combustão pelo fogo, ou do odiável canibalismo,
aí a coisa é elevada aos parâmetros da patologia mental
- que pode ter sido apenas momentânea
e provocada pela súbita e inesperada visão
da obra do ato impulsivo e impensado
e a aterradora tempestade de emoções daí oriundas,
sendo necessário para isso o laudo preciso e cabal
de respeitado Perito em Psicopatologia Humana,
sendo que também podemos recomendar os melhores,
o que porém acresce aos honorários processuais
valores em torno dos cinquenta por cento.

Fato é que tenho a consciência tranquila
para afirmar que nenhum de meus clientes
- faço questão de afirmar: absolutamente nenhum
de meus clientes - é, foi, ou será, um criminoso!
E que odeio, desprezo, abomino mesmo
a figura para sempre reprovável do delinquente,
com algumas das quais já me defrontei
do lado de lá do embate dos trâmites processuais.

Criminosos são os clientes dos outros!

E nenhum morcego jamais teve a petulância
de vir à noite ao meu quarto incomodar meu justo repouso!

Justiça!

Meu nome é Phil Lantra de Nascença Jr.!



                       Antônio Adriano de Medeiros
                       João Pessoa, 21 de agosto de 2012
                       Para os DOIDOS DE MIM








GALL LOMBROSO DALLALEI


- Eu sou a lei! Alheio a qualquer sofrimento
quero aplicá-la à força, e sob o meu paletó,
se alguém se atrevesse a apalpá-lo!,
encontraria pelo menos um coldre,
sinal de pequeno objeto metálico cheio de balas,
- coisa que posso usar porque só faço o bem! -,
balas que tornam mais doce a nossa vida saudável,
e que plantam nos jardins distantes da cidade
as almas que não merecem o descanso eterno.

Detesto os tempos de hoje,
esses tempos doentes onde os que caíram,
aqueles que infringiram as sagradas normas
- macularam o higiênico papel da lei -,
querem encontrar justificativas para o Hediondo,
minimizando sua predisposição inata para o Crime.

Meu supremo ódio reservo aos drogados.
Uma morte só para eles é pouco.
Sentiram prazer em desrespeitar a Norma
- essa abstração da Virgem Imaculada -,
e ainda ousam dizer que são recuperáveis!

Morte aos vermes! Morte aos anjos caídos!
Morte espiritual antes, morte física depois!
Não permitamos que se recuperem
porque dariam o enganoso exemplo de que seriam homens,
e de que nós, os verdadeiros homens,
não passaríamos de burricos mentirosos e venais;
nós, que temos o direito de confiscar todas as substâncias ilícitas,
porque, além de não as usarmos nunca,
nós, os intocáveis, não as venderíamos jamais...



                   Antônio Adriano de Medeiros
                   Da série DOIDOS DE MIM, remaquiado






COCKÃO, O REI DOS CABEÇAS


- Cara, qualé?

Viver é sentir, não precisamos mais agir,
só usar a substância.
Tudo que nós sentimos é mero efeito de substâncias.
Queira Deus chegará o dia em que tudo dependerá de
substâncias: uma para você se sentir saciado da fome,
outra pra você dormir, uma terceira pra ficar acordado,
aquela outra para você ter prazer.

Sim, mas isso quando a humanidade tiver alcançado
um altíssimo grau de desenvolvimento, saca?

O trabalho ficará então a cargo somente das máquinas,
dos clones humanos, ou de alguma outra espécie
de ser inferior que ainda não consigo identificar.
Quem sabe o fruto do cruzamento do homem com o macaco,
digamos assim, o operário perfeito?

Será que na prática já não é assim?

Não brinque com a sutilíssima e sorrateira Química,
que a Química pode tudo!

O fato é que devido à lamentável existência
dos muitos desgraçados seres inferiores
que não conseguem conviver com o proibido,
nós precisamos permanecer assim na clandestinidade,
atuando meio que nas sombras,
porque sobretudo nós não podemos deixar de vender...

Porque está escrito: "Lembra-te homem,
que és pó, e ao pó retornarás!"

Cara, qualé?




                          Antônio Adriano de Medeiros
                          DOIDOS DE MIM

terça-feira, 21 de agosto de 2012

a matéria do poema








Nesse primeiro poema é referida uma abelha rara, da qual ouvi falar pelos habitantes, familiares de pacientes, da cidade de Jandaíra, na região do agreste do Rio Grande do Norte. É a abelha jandaíra. O que ela tem de especial? Ora, é muito especial: a jandaíra é uma abelha com a rara característica de não ter ferrão e produzir um mel agradibilíssimo. Não é uma boa metáfora para um poema? Pois bem. Tratemos então da Matéria do Poema, e do Copo d'água, soneto que dispensa comentário.

As epígrafes dos poemas, retiradas de composições da música popular brasileira, Gota d'água e Tenho Sede, têm aqui seus links musicais:

http://www.youtube.com/watch?v=YstwFuEE_aA

http://www.youtube.com/watch?v=itGx9XFAOFw


absaam




A MATÉRIA DO POEMA


          "Pode ser a gota d'água!"
               


Todo poema é feito de água,
abstrata água
que abraça e trata a mágoa,
as dores da humana alma.

A minha alma, ré condenada,
renasce límpida, nova, pura,
quando mergulha
num longo poema
com seus versos salva-vidas.

Um pequeno poema é a gota que falta
na boca da alma sedenta
ora torta e quase morta,
alma perdida e desiludida
no deserto da ingratidão.

O soneto é o mais perfeito
copo d´água
para o corpo vazio
da alma cheia de mágoa.

Um longo poema é um lago,
mário lago de água límpida,
mar de água sempre doce
para a pobre alma à deriva,
nau, fragata, que naufragava
no mundo superpovoado de insetos humanos
que expelem ingratidão,
enxame cruel de abelhas
inversas da rara jandaíra
- que só têm ferrão e não dão mel.

Todo poema está cheio d'água,
abstrata e melíflua água
que lava e nutre
as dores da humana alma,
e nos salva do abutre,
do bico adunco que nos fere o coração.

O poema é uma jandaíra d´água.
Não tem ferrão,
só água, melíflua água,
antídoto da ingratidão.



                  Antônio Adriano de Medeiros
                  João Pessoa, 20 de agosto de 2012.





O COPO D' ÁGUA

       
             "Traga-me um copo  d'água, tenho sede..."


Ontem à noite, sentindo estranha sede,
despertava amiúde, desidratado.
Bem dez vezes levantei de minha rede
e do pote copo cheio foi tragado.
Mas a tal sede, com seu espírito de porco
insistia em roubar-me a pobre calma.
Estaria aquela sede no meu corpo,
ou entranhada nas profundezas da alma?
Me levantei, acendi a lamparina
e, armado com caderno e lápis preto,
comecei a compor este soneto.
Logo a sede eis que senti mais pequenina.
E quando enfim vi o poema terminado,
me sentia inteiramente saciado.


                    Antônio Adriano de Medeiros
                    João Pessoa, 21 de agosto de 2012






segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Ficções do ser e dó




Imagem encontrada em busca no Google para "crise de Loucura".



Irônico mesmo é o Tempo, que nos destrói e reconstrói a cada dia dando-nos, enquanto o fio de areia da ampulheta se reflete na torrente sanguínea que jorra em nosso corpo, a doce ilusão da eternidade. Seridó foi a região do sertão onde nasci, região esta partilhada pelos Estados da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Naquele tempo - pelo amor de Deus, a citação lembra a leitura do Evangelho na Santa Missa, mas não tem nada a ver! - pois bem, naquele tempo a gente nascia através de uma cegonha, a cegonha saía entregando os bebês nas casas, e quero crer que uma cegonha meio míope me deixou em Santa Luzia, mas a encomenda era para Caicó... 

Bom, as Ficcções do Ser e Dó rezam sobre o existir e o sofrimento humanos, e naturalmente se reportam a um hospital, no caso um hospital de lunáticos, que é o tipo de serviço de saúde que conheço mais a fundo. Aí se faz um resumo, naturalmente que exagerado, da rotina do serviço, nos dias de hoje, quando uma espécie de batalha ideológica paralela disputa o "mercado da saúde mental", com os idealizados CAPS (centro de atenção psicossocial) disputando pacientes pau a pau com os hospitais, que teriam todos que ser fechados, pelo menos de início, mas à medida que outros técnicos vão aprendendo sobre os momentos do adoecer psicótico, e mesmo o lado subjetivo dos pacientes vai sendo mais respeitado (parece que alguns portadores de transtorno mental, aqueles que trabalham ou que têm algum grau de conhecimento e crítica, não se adaptam á rotina quase diária dos CAPSes, e alguns até reclamam de uma certa "infantilização" que as normas grupais e terapêuticas algo ditatoriais que ali grassam - "O sonho da razão produz monstros", dizia Goya - querem impor em seus dia a dia); também os tipos de doenças mais comuns são citadas, e algumas exigências estranhas como o atendimento em grupo para casos de urgência (parece um pouco estranho que alguém num momento muito especial, difícil e íntimo queira abrir seus conflitos para várias pessoas à sua frente...), e ainda as reações de profissionais diante das dificuldades de um serviço de urgência para problemas de comportamento, mormente psicóticos.

Esse início, creiam-me!, reporta-se ao Acolhimento, onde, grosso modo, uma assistente-social tenta evitar que os pacientes se consultem com um psiquiatra, tentando desviá-los para um psicólogo ou um CAPS onde tem uma equipe psicossocial... É a guerra do mercado!

Pois bem, as Ficções do Ser e Dó podem voltar, com os complementos necessários, mas este a seguir sempre será o original, o Número 1. A briga pelo mercado da saúde mental é basicamente entre os psicossociais e os psiquiatras, não mais uma briga hoje em dia, antes uma confusão de compreensão de causas, efeitos e conduta terapêutica, e certamente excessos há de um lado e do outro. Mas isso aqui é um poema, não é um texto técnico.





absaam



FICÇÕES DO SER E DÓ



À porta de um hospício
uma assistente-social,
semiletrada ré, lincha
pobres almas aflitas,
como a tornar públicas
as suas dores mais íntimas.

A quixotesca figura da Morte
- a magérrima Velha da Foice -
não acolhe - mente!

(O encaminhamento psicossocial
tem mais valor que a receita médica
quando tudo é fictício e mágico.)

- Crack! Crack! Crack!

- São só os estalidos dos insetos
morrendo no telhado
no calor do meio-dia
ou no choque contra a lâmpada,
barbeiros e mariposas
que aceitam viver só um dia ou uma noite,
porque são insetos perfeitos.

São muitos grilos. Os gritos altos
da maníaca são um protesto contra Deus,
que felicidade demais causa dor,
e a época dos santos e milagres é passado:
Ninguém aguenta mais sofrer de tanta alegria!

- "Uma injeção pelo amor de Deus, doutor!
Uma injeção pelo amor de Deus!"

- Já pode?
- Por enquanto, pode!

O portador de esquizofrenia também ri
quando pergunto por que ficou nu
no meio da rua, mas de um riso indiferente,
embora bem motivado:
- Não cinto muito apertado, ele diz.

O Velho Diabo, o fidelíssimo Cão,
em suas sutis metamorfoses,
ora gigantesco, ora minúsculo, mas sempre um bicho feio,
aterroriza o pobre homem
que fora atenuar a sua dor de pobre
com o tranquilizante universal da cachaça,
e agora enxotam-no do lugar que é seu de direito
antes dos quinze dias mínimos,
como mágicos ignorantes que querem deitar um João Teimoso.

Um ou outra doutora, sábia,
queria tudo limpinho, arrumadinho,
todos bem comportadinhos ali na confusão infernal
da casa dos lunáticos, e protesta aos berros
contra o caos instalado... na sua cabeça!

Uma equipe multiprofissional
exige atendimento em grupo
para amedrontar ainda mais as almas aflitas
que sofrem as suas dores intensas
e vergonhosamente tão íntimas...

Quem sabe assim elas desistam de buscar ajuda
e não venham mais incomodar o merecido
repouso dos sábios?

À porta de um hospício
uma assistente-social,
semiletrada ré, lincha
pobres almas aflitas,
como a tornar públicas
as suas dores mais íntimas.

Um coral equino de jovens pseudossábios
ecoa um mantra relinchante
em tudo concordando com a Nova Verdade
anunciada pelas Pitonisas Descerebradas.



                 Antônio Adriano de Medeiros
                 João Pessoa, 19 de agosto de 2012







domingo, 19 de agosto de 2012

Um poema sequelar, coitado, bem pequenininho...


O caos, numa imagem da Net



Esses humanos que circulam pela cidade aí afora, não sei o que eles têm, são muito faladores, muito fofoqueiros, muito fuxiqueiros, quase inconvenientes... Eles não se conformam quando sabem que alguém é poeta, parece! Ficam sempre fazendo comentários meio desairosos em nossa presença, a trair um leve tempero de inveja e maldizer. Tinha um poeta ali da boa Natal que frequentava as listas de poesia que ainda hoje frequento, ainda no fim dos anos 90 e início dos anos 2000, e que toda semana escrevia um soneto sobre "A Morte de Adriano"; aquilo me constrangia um pouco, até que entendi que ele estava qurendo dizer pra todo mundo que eu vivia perigosamente, e ia acabar morrendo precocemente devido a tal forma de vida perigosa. Não vou dizer o nome do pequeno poeta, embora o achasse dos bons, mas o fato é que ele acabou desistindo das listas e do enterro precoce, e hoje se dedica mais a suas atividades de engenheiro. 

Era como se o poeta fosse alguém imaculado, e ele insistisse em encontrar uma mácula, para provar não sei o quê...

Agora são pessoas do dia a dia no trabalho, mulheres principalmente, enfermeiras, auxiliares de enfermagem, médicas, uma ou outra pessoa ligada à direção de algum serviço, que vêm, preocupadas, perguntar se "tá tudo bem com você mesmo?", "você tá mais magro!..." Ou ainda, quando falo de algum poema que postei no blog, de quando é, quando foi escrito, se é coisa recente, algumas, com menos educação e/ou massa cinzenta, são mais diretas: "Eu quero ver uma coisa nova sua!", traindo o sentimento de que o coitado não escreve mais, de que ele - este pobre vate sequelado que se arrasta por tão maltraçadas linhas -  nada mais consegue criar de novo, que sua potência poética e decerto quaisquer outras não existem mais.. Tem uma enfermeira baixinha e lourinha (!) que é demais, fica o tempo todo querendo me dar alguma ajuda, um conselho, fazendo um lamento sobre quem foi e não é mais... Teve uma ex-namorada, já bem cansada de guerra, que, vingativa, ao reencontrar-me vários anos depois, sabedora de uns problemas que tive e ao ver o que julga ser minha pobre carcaça sequelar, esqueceu da sua, e me agradeceu muito pelo fato de eu não ter querido casar consigo nos anos 90...
.
Pois bem, concordando (ou não!) com tais pessoas, amigas certamente bem intencionadas mas que traem ás vezes um pouco de inconveniência ou mesmo de falta de educação, segue hoje um poema sequelar, mas que é uma faca de dois gumes. Sim, porque os pequenos poemas são os mais difíceis de escrever quando têm conteúdo, quando cheios de idéias e imagens, incluindo trocadilhos, tudo isso em pouquíssimas palavras. Mas também, tapa de luva, não deixa de ser um agrado às amigas, mormente àquelas que não conseguirão compreender o poema como um todo, forma e conteúdo relacionada á vida humana, visto ser ele bem pequenininho, e elas ainda poderão dizer - "olhem só o que o coitado escreve hoje em dia, em vez daqueles longos cordéis tão inspirados, daqueles sonetos seriais tão cheios de imagens eróticas, diabólicas, ou surpreendentes em outras formas..." Pois bem, esse poema eu o julgo muito bom, e, melhor ainda, ele surgiu automaticamente, já quase pronto, durante a leitura de outro poema, o belíssimo A Juventude dos Deuses, do poeta Alexei Bueno, em um livro seu que adquiri recnetmente. É um poema forte. O trocadilho citado é de "casa" com "caos", que as mentes menos atentas poderiam não perceber, há ainda uma palavra que está presente de duas formas numa só... e nada mais direi sobre o bichinho tão pobre, tão pequeninho...

Não esqueçam, doutores e doutoras, de que eu não sou poeta, apenas escrevo versos...

absaam



DA VOLTA PARA CASA


A Morte é a Hora da Chamada.
Você responde "ausente"
e volta para o Caos. 


           Antônio Adriano de Medeiros. 

terça-feira, 14 de agosto de 2012

De mensalões e Reino dos Bichos




 "Ainda que não assegurem, necessariamente, a inocência de tal ou qual acusado, numerosas contestações pareceram muito mais convincentes, em pontos importantes, do que as respectivas acusações"

                                  Janio de Freitas, Folha de São Paulo, 12 de agosto de 2012


" (Mensalão) É nordestino querer fazer  qualquer coisa em São Paulo. Eles têm de ficar lá, em Garanhuns, lá no fundo de Pernambuco."

                                  Uma socialaite, mesmo jornal e dia.


"Gente, nós estamos numa sala de aula. A classe toda tá colando. E agora estamos tentando pegar um aluno, aquele barbudo, com a voz rouca, que não tem um dedo, e expulsá-lo da sala. Isso é bullying puro, bullying da elite branca, que aliás também "cola" na prova.

                            Marido de cliente de loja famosa da "elite branca" na cidade de São Paulo, no mesmo local e data.



                                                          *         *          *



Causa espanto, e a meu ver reflete abominável preconceito da elite humana, a repercussão que o famigerado Mensalão tem tido na sociedade e sobretudo na Imprensa de nosso país, em detrimento de fato semelhante que ocorreu na Floresta Encantada, no grande Reino dos Bichos que existe lá - nas profundas misteriosas de nosso Brasil continental! Ou alguém duvida de que existe um Zoológico Fantástico? Aqueles que duvidarem em breve terão um grande surpresa!

Teria sido coincidência quando Leonel de Moura Brizola, no ano de 1986, após o lançamento do malogrado mas enfeitiçador Plano Cruzado, profetizou que a elite brasielira ia ter que engolir o sapo barbudo? Que nada! Ele sabia, ele conhecia a fundo nosso país, e tinha conhecimento de que existe um mundo zoológico paralelo onde tudo de importante que acontece em nosso país espelha e recria fatos símeis (não confudnir com simiescos; quis dizer similares). 

Não sei se apareceu algum Urubu de Gravata querendo provar que os fatos que deram origem ao cordel A Grande Crise no Reino do Prinspe Sapo (sim, porque lá o Sapo Barbudo acabou virando príncipe, depois que uma onça princesa o beijou!), pois bem, não sei se lá se acusou uma conspiração terrível da esquerda satanista para tentar implantar uma ditadura ou perpetuar-se no poder indefinidamente, comprando os ilustres parlamentares daquele Reino com uma espécie de ração monetária mensal, parlamentares que ali se compõem em sua maioria de porcos e ratos - muito diferente, nesse ponto, do que ocorre na humana sociedade, onde a Excelências são sempre pessoas não só respeitáveis como admiráveis - pois bem, não sei se ali na Floresta há seres tão criativos como os há no Planalto, mas, pelo sim, pelo não, venho hoje contar aos meus poucos porém fiéis leitores os lamentáveis fatos que ocorreram no Reino dos Bichos do Zoológico Fantástico após a vitória eleitoral do Sapo Barbado sobre o Mocego Tucano, nos primeiros anos de governo do bonachão príncipe batráquio, quando "forças terríveis", acusaram alguns bichos, tentaram jogá-lo para fora do poder, devido a um fato para alguns outros bichos já recorrente na História do Reino Animal.

Veja com seus belos olhos, querida leitora, e depois julgue, com coração e mente que os sei puros, se as coincidências não são interessantes!

Depois, como bônus, ouça o coco de embolada O Casamento do Bode, de Caximbinho e Geraldo Mousinho, uma prova gratuita e imparcial da existência do Zoológico Fantástico, com frases suspeitíssimas como "quando o cachorro chegou chamou tudo de safado...", e "Compadre Louro tá lá e gosta de soltar piada...", frases que, a meu ver, podem muito bem significar algo a respeito de um dos portagonistas e ao narrador da presente gesta. Onde? 

Ora, em http://www.youtube.com/watch?v=83_mGaoBXdY


absaam



A GRANDE CRISE NO REINO DO PRINSPE SAPO

Quando Sapo virou príncipe
no Reino dos Animais
houve grande cantoria,
cem dias de festivais;
a vida era grande festa,
voltaram à Grande Floresta
os eternos carnavais.

Mesmo bichos canibais
se declararam decentes;
sobre a carne dos iguais
não poriam mais os dentes.
E as moscas varejeiras
da fama de carniceiras
se diziam inocentes.

Vi bicho querer ser gente
depois que Sapo ganhou!
Lavoura de macarrão
um burrico preparou,
e, numa grande festança,
depois de encher a pança,
o Sapo se embriagou.

A Coruja protestou
pros lados do estrangeiro;
por lá um jornal chamou
o Sapo de “cachaceiro”.
Papagaio protestou:
de urubu se trajou
e subiu no picadeiro.

- “ Mestre Sapo é churrasqueiro
e pode comemorar!
Se gostasse de cachaça
a poderia tomar;
mas ele prefere vinho...
E quando escuta um bom pinho,
Sapo gosta de cantar”.

Pra tudo se acalmar
chamaram Dom Gavião
pra ser primeiro-ministro
daquela grande nação;
porém o Jogo do Bicho
quase manda para o lixo
o poderoso chefão.

Eis que um bicho ladrão
na corte do poderoso
queria cobrar propina
na Cachoeira do Gozo,
pra que a sua caneta
liberasse uma roleta
do jogo pernicioso.

Mas o Sapo é engenhoso
e defende o seu menino
demitindo auxiliar
que cometeu desatino;
e assim Dom Gavião
virou de novo o chefão
para cumprir seu destino.

Veio o Jegue Genuíno
ao governo ajudar
carregando noite e dia
cargas d´água sem parar,
a pé ou de caminhão
do litoral ao sertão
jurando a seca findar.

Porém para se tornar
um projeto verdadeiro
não basta só ter vontade:
é necessário dinheiro!
Por isso foi escolhido
pelos bichos do Partido
o Rato pra tesoureiro.

Um dilúvio financeiro
ao governo inundou,
pois o Rato tesoureiro
muito dinheiro encontrou;
e nos dias de folia
Sapo usava a fantasia
da Lula Paz e Amor.

Eu lembro a meu bom leitor
que durante a eleição
velho batráquio passou
por uma transformação:
raivoso Sapo Barbudo
deixou de ser carrancudo,
virou bicho bonachão.

Alguns creram, outros não,
em ser possível mudá-lo.
Porém, de ter duas caras
ousaram a Sapo acusá-lo;
isso deu em bate-boca:
a cachorra correu louca,
e houve briga de galo.

E ouviu-se um grande estalo
como se fosse trovão.
A nação amedrontada
pensou em revolução;
mas logo se acalmava:
era o Sapo que brincava
com o seu novo avião.

Foi no Afeganistão,
depois na Baixa da Égua.
Em um minuto, leitor,
Sapo voava uma légua.
E levou a sua tropa
pra conhecer a Europa,
medindo vinho na régua.

Porém não lhe dava trégua
a selvagem oposição,
acusando desperdício
do dinheiro da nação..
Falou-se em escusos meios,
e achou-se nos correios
a mala do mensalão.

Um raivoso Cachorrão
foi na tribuna e latiu.
A nação preocupou-se
com o que ali ouviu.
Quando perguntaram a Sapo,
ele batucou no papo,
mostrou a língua e sorriu.

Bom leitor o que se viu
foi reação em cadeia.
Um mar de corrupção,
mosca caída na teia.
Mas logo Dom Gavião
Lembrava da “traição
a Jesus na Santa Ceia”...

Porém um cabra de peia
mostrou ser o Cachorrão,
mantendo a sua palavra,
peitando Dom Gavião.
A nação toda se abala
quando ele insiste na mala
que pagava o mensalão.

Bom leitor, preste atenção:
em sendo o cabra empregado
e, nessa sua função,
muito bem remunerado,
é justo, pra trabalhar,
que ele venha a ganhar
o seu salário dobrado?

Pois tal foi denunciado
pelo grande Cachorrão:
dentre a corte congressista
que ganhara a eleição,
alguns não queriam papo:
só votavam com o Sapo
recebendo o mensalão.

Estarreceu-se a nação
ao ouvir tal relato,
e como se confirmou
ser a verdade de fato,
uma semana depois
que Cachorrão o expôs
caiu o Triunvirato.

Gavião, Jegue e o Rato
não queriam ir-se embora,
mas, não suportando o tranco,
todos os três, sem demora,
apesar de seus protestos
e de arroubos funestos,
foram postos para fora.

O Sapo barbudo agora
com outros busca seu norte,
e o modesto poeta
lhe deseja boa sorte,
pois ouviu de uma raposa
que se o Sapo repousa
vai ser ferido de morte.

A tal crise cresce forte
como fogo no monturo,
e confesso: sinto pena
ao ver o Sapo em apuro.
Mas tudo termina bem:
com o Sapo, ou mesmo sem
o tal anfíbio anuro. 

- Distinto leitor, eu juro
que tal fato se passou
no Reino dos Animais
onde vez em quando vou.
Quem acaso duvidar
que pergunte a Sabiá:
foi ele quem me contou!


                 Antônio Adriano de Medeiros










sexta-feira, 3 de agosto de 2012

O Carnaval da Morte (com Helena, a grega, no bônus)


(Rogo-vos perdão mas, mais uma vez, venho importuná-los com os desaranjos do feíssimo Carnaval da Morte! É que descobri, inda há três dias mas sabem que estou sem computador há algum tempo - Garantia Dell e Infobox JP Epitácio Pessoa de nada me valeram, malgrado promessas mil de garantia e pagamento à vista - pois bem, descobri que a Dança Macabra, embora já fosse citada no priemrio soneto, deveria aguardar a limpeza que a partida dos músculos e as metamorfoses viscerais provocadas pelas plantas deveriam fazer para que os distintos esqueletos e esqueletas pudessem então comparecer limpinhos e, na medida do possível, perfumados...

Como compensação à boa leitora que se vê pois mais uma vez obrigada a ser posta em contato com porcarias pestilências sobretudo pessimamente escritas, vai um bônus, HELENA, do poeta Alexei Bueno, poema que encontrei essa semana. Companhia mais que agradável para uma dança macabra - abs, aam).

Pensei até que dessa vez não escaparia! Acometido fui por forte gripe, com as complicações pulmonares comuns a um fumante há 35 anos, e de repente chegaram os calafrios. Primeiro, curti-os, era bom o arrepio, o tremor, até quem sabe uma leve alteração do estado da consciência... Mas o corpo vai enfraquecendo, e tem a tosse terrível, a trovoada tussígena, digamos assim, seguida pela quase apneia, o velho - e insosso! - bolo de catarro a escarrar, a dor de cabeça, a tontura... Enfim me rendi e comecei a usar antibiótico, e de ontem pra hoje, após uma quase hibernação de 12 horas, melhorei!

E lembrei do Carnaval da Morte. Esse poema é uma colcha de retalhos. Primeiro surgiu o poema "Das Danças Macabras", numa noite de estudos lá num quarto em Copacabana, 1988. Eu quase pirava quando conheci a composição de Saint-Saëns, e quis colocar uma letra nela, resgatando o poema de Henri Cazalis que originou aquela música. É o seguinte: num cemitério, á meia-noite, ouvem-se as doze badaladas, e depois passos. De quem são os passos? De Dona Morte. Ela, representada pelo violino, então começa anuncia sua presença convocando os esqueletos a levantarem e dançarem... E aí a coisa fica belíssima! Imaginei qual a razão que poderia deixar tão felizes os esquálidos esqueletos, e eles me responderam, na melodia da música - é a resposta da melodia principal, pode tentar que você ouve - pois bem, os bons e perfumados esqueletos me responderam assim:

- "A liberdade de não ter
que a músculos tiranos obedecer!
Não ser escravo da paixão,
nem depender sempre de um coração."

Você pode ouvir a peça em vários lugares, sendo um deles: 


Depois escrevi  outro poema, com o título de Hipocondria, o qual, com a chegada do Carnaval, virou A Fantasia do Moribundo. Os poemas restantes foram escritos com a finalidade de compor mesmo um Carnaval da Morte: os músculos vês se despedir, as plantas, diplomaticamente, tentam trazer alguma beleza às metamorfoses da putrefação, e por fim - um pouco exagerado, mas foi como pude acabar meu carnaval, o ímpeto pelo movimento da vida renasce no sangue negro do petróleo a movimentar as máquinas,

absaam





          O CARNAVAL DA MORTE 

1

A FANTASIA DO MORIBUNDO 

Agora que de meu ser apodrece a vil matéria
e a alma se preocupa com o Juízo Final,
é bom saber que, alegre, a família bactéria
já organiza no meu corpo o seu último carnaval.

Eu conheço as fantasias que usarei
na festa anárquica da Morte:
de início, inchado, até parecerei mais forte,
robusto... Do sarau funéreo Momo - o próprio rei!

Depois virão os monstros, fantasias mais pobres
qual Zé Remela e a Ala Ursa, enquanto as nobres
Sarcophagas vão tomando conta daquilo que fui.

E então caem cabelos, ossos e unhas, tudo rui...
- Até que a suave melodia da Morte a minha tumba abra,
convidando-me a participar da doce Dança Macabra.



2


A NOSTALGIA DOS MÚSCULOS


Oh, que já vamos! Nosso dever cumprido
foi, matamos boi, e na encruzilhada
despachos a mão sempre ousada
depositou aos deuses de comprido
poder, elas mãos cheias de músculos,
como também as pernas ágeis
e os carnudos lábios de ósculos
sempre e sempre insaciáveis,
e as coxas que guardam segredos
tão preciosos que precisam de medos
a protegê-los de ávidos curiosos...

- Será que ossos não sentirão saudades
das peripécias das outras idades,
de nossos velhos mistérios gozosos?



3


O LIRISMO DAS PLANTAS


      "Oh jardineira, por que estás tão triste?..."


Dormia como uma pedra,
e num recanto de meu sonho
de repente a Rosa medra,
com seu sorriso tristonho.
 - "Ouvi que querias ver-me,
nobre flor da podridão
cobiçada pelo Verme
que vive na Escuridão,
 e aproveitei o espaço da fantasia
só para vir ajudá-lo a fazer a poesia.
Sim, porque nós, silenciosas,
há bem mais tempo cá estamos;
e saiba que cabe às rosas
perfumar o último leito dos humanos."




4



DAS DANÇAS MACABRAS



              Sobre trechos do poema sinfônico Danse Macabre,
              de Camille Saint-Saëns



- Levanta esqueleto!
Tem música, tem dança, tem festa em teu gueto!

Era uma noite fria de inverno,
sapos orquestravam o seu coaxar,
e no cemitério, num calor do Inferno,
eu vi esqueletos, magros, a dançar.

- A liberdade de não ter
que a músculos tiranos obedecer!
Não ser escravo da paixão,
nem depender sempre de um coração.

E o que nos diz esse assobio
que silva trazendo arrepio?

- Ninguém mais se engana
que a vida terrena
mil vezes tirana é,
sem pena.

- Se  você pensa que a Morte
é tão cruel como pintada,
venha hoje à noite a nossa corte
e veja que foi enganada,
foi enganada, foi enganada!

- Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!
- Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha! Ha!





5.



FÊNIX RENASCE NAS CINZAS

E muito tempo passou - não esse tempo
mensurável em nossos calendários -
tempo que flui sem o contratempo
de natais, guerras ou de calvários.

Tempo suficiente pra derreter os ossos
e uni-los a restos de vegetais,
dando outros estados aos destroços,
tanto óleo, como piche, como gás.

E aquele antigo ímpeto pelo movimento
nas folhas e nos músculos guardado,
ora dançando ao sabor do vento
ora desafiando-o qual alucinado,

renasceu como o combustível ideal
a movimentar estranhos vagabundos:
- É a Fênix que movimenta mundos
em aviões e outros seres de metal.


             Antônio Adriano de Medeiros.


BÔNUS - HELENA - ALEXEI BUENO



HELENA

No cômodo onde Menelau vivera
bateram. Nada. Helena estava morta.
A última aia a entrar fechou a porta.
Levaram linho, unguento, âmbar e cera.

Noventa e sete anos. Suas pernas
eram dois secos galhos recurvados.
Seus seios até o umbigo desdobrados
cobriam-lhe três hérnias bem externas.

Na boca sem um dente os lábios frouxos
murchavam, ralo pêlo lhe cobria 
o sexo que de perto parecia
um pergaminho antigo de tons roxos.

Maquiaram-lhe as pálpebras vincadas,
compuseram seus ossos quebradiços,
deram-lhe à boca uns ruobores postiços,
envolveram-na em faixas perfumadas.

Então chamas omnívoras tragaram
a carne que cindiu tantas vontades.
Quando sua sombra idosa entrou no Hades
as sombras dos heróis todas choraram.


Alexei Bueno
Lucernário
POESIA REUNIDA