quarta-feira, 18 de agosto de 2010

A CONFERÊNCIA DOS BICHOS



É ano eleitoral e, mesmo não estando engajado em qualquer campanha e sendo o voto secreto, não posso deixar de lembrar que "quem desconhece a História está fadado a repetir seus erros".

A CONFERÊNCIA DOS BICHOS


Toda a vida apreciei
as coisas da natureza,
porém sempre procurei
evitar a malvadeza:
desde pequeno escolhi
agir com delicadeza.

Se tenho acesso à nobreza
e a todo o reino animal,
é porque já me foi dado
o passaporte de pau
pelo altivo Conde Bode
da Corte do Bacurau.

- O leitor me leva a mal
se eu lhe disser que, hoje em dia,
considero superior
à nossa diplomacia
aquela dos animais
que conheci certo dia?

Já nem preciso de guia
para adentrar nas florestas.
Seja de noite ou de dia,
sou convidado pras festas,
e aos bichos deixo felizes
quando conto suas gestas.

As bactéria funestas
convivem em meus intestinos
em harmonia com as raças
dos seres mais pequeninos
- foi num zoológico fantástico
que cruzamos os destinos.

Corri com bichos meninos
nas montanhas das manhãs,
ouvi em noites chuvosas
as serenatas das rãs,
me agarrei com as oncinhas
como a brincar com as irmãs.

Das belíssimas faisãs
eu sou amigo do peito,
na Corte do Rei Leão
sou tratado com respeito,
e até mesmo a macacada
tem-me achado bom sujeito.

Estou em alto conceito
no reino da bicharada,
e a confiança que vejo
a mim hoje dispensada,
juro a meus amigos bichos
que jamais será frustrada.

Soube que estava marcada
- com bastante antecedência -
de toda a bicharada
que tem sua residência
nas hostes desse país,
uma grande conferência.

Foi com certa impaciência
que aguardei chegar a data,
e então segui pra Minas,
para uma serra na mata.
Já subi o São Francisco
de carona com a Pata.

Como não há gente ingrata
no grande reino animal,
demoramos na viagem
mais que o tempo natural,
pois sempre havia algum bicho
com um lanche e coisa e tal.

E conosco um Pica-pau
seguiu pra reunião,
por isso já fui sabendo
que naquela ocasião
os bichos discutiriam
os destinos da nação.

E logo o Bicho Papão
no caminho a gente viu,
Jegue ia pela margem
porque tem medo do rio,
a gigantesca Jibóia
quase que nos engoliu.

E quem primeiro nos viu
foi Araponga, cantora.
Coruja nos recebeu
com ares de professora,
a Onça olhava pra mim
com olhos de caçadora.

Uma elegante Pastora,
dessas da raça alemã,
prestou-se a me proteger,
tarde, noite e de manhã:
dividiria meu quarto
com grande mestre Acauã.

Do Sapo a esposa, Rã,
com a peruca alourada,
travava com o Veado
uma conversa animada,
quando em traje verde-oliva
adentrou a macacada.

Gorila estava zangada,
Tucano muito nervoso,
Um Arara azul de raiva,
Cachorro também raivoso,
o elegante Pavão
sempre muito vaidoso.

Um Urubu majestoso
- sim, da família real -
criticava à alta voz
o poder batraquial,
dizendo que a nação
com ele ia se dar mal.

Apareceu Bacurau,
Preguiça mandou Bahia,
Sereia veio do Rio,
de Brasília a porcaria,
Tatu, lá do Maranhão,
trouxe um presente pra Jia.

Trajada para a folia,
chegou a pernambucana:
era uma Carangueja
com a sombrinha bacana.
Muito séria a operária,
a Formiga paulistana.

Também veio a Caninana,
o Gato, o Tejuaçu,
a boiada de Goiás,
as grande Éguas do Sul,
e a família todinha
do Maestro Cururu.

Um ricaço Boi Zebu
se chegou do Mato Grosso,
Seriema do Sertão
era só couro e o osso,
Maroca de vez em quando
esticava seu pescoço.

O Sapo está bem mais moço,
disposto e bem animado,
seguido sempre de perto
por Gavião Encarnado,
Mestre Condor lá do Chile
era deles convidado.

Papagaio bem trajado
começa a reunião,
mas as Araras Vermelhas
obstruem a votação,
irritando o poderoso
ministro Dom Gavião.

Eis que falam em cassação,
mas radicais não recuam,
logo chegam os Carcarás
que contra o Sapo atuam,
e alguns cachorros zangados
mostram os dentes e acuam.

Bichos moderados suam
mas não se chega a bom fim,
é preciso que o Sapo
- que estava bem junto a mim -
faça uso da palavra;
e bom Sapo diz assim:

- "Vocês andam achando ruim
nosso modo de ação,
porém nunca antes houve
na história dessa nação
um governo como o nosso,
de um líder pé no chão.

Têm saudades do canhão,
da prisão, da ditadura?
Querem voltar pra cadeia,
mergulhar na noite escura?
Aprovem nossa Reforma,
bichos da cabeça dura!

Eu não sou caricatura,
sou um bicho consciente,
é só votar a Reforma
qu'esse país vai pra frente.
Escutem bem o que digo,
se vocês querem ser gente!"

Finaliza o Presidente,
e começa a votação,
Carcarás e as araras
tentam sempre obstrução;
a tudo que o Sapo quer,
insistem em dizer "Não!"

Grita o Carcará mandão:
- "Esse Sapo é comunista!"
Araras Vermelhas gritam:
- "Sapo virou direitista!"
Araras Azuis discordam:
- "Um perigoso anarquista..."

De oradores a lista
é grande, descomunal.
Desse jeito a tal Reforma
só no Juízo Final,
mas Rei Leão se levanta:
- "Acabem esse Carnaval!

Eu mando baixar o pau,
ô magote revoltoso:
afinal o nosso Sapo
foi grande vitorioso
nas eleições derradeiras,
e é bicho escrupuloso.

Esse Carcará raivoso
sempre mandou na Nação
junto com Arara Azul,
que em verdade é seu irmão,
e as Araras Vermelhas
nunca foram nada não.

Só vivem pra confusão,
pra baderna e bandalheira.
Falam, berram, estrebucham,
porém só fazem besteira:
querem levar o país
ao caos, à quebradeira.

Isso aqui não é mais feira,
é congresso de respeito,
por isso obedeçam a Sapo,
ele que é um bom sujeito.
Advirto à bicharada:
votem a Reforma direito!"

E quando acabam o pleito,
a Reforma é aprovada.
O Sapo abraça o Tucano,
começa alegre noitada.
- Quando eu vejo, tô dançando,
alegremente sambando
no meio da macacada.


Antônio Adriano de Medeiros

4 comentários:

  1. legal, qta imaginação!!rs

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  2. Agradeço a nobre leitura.


    Grato pelo elogio, é um estímulo pra procurar enfim um editor pro meu Zoológico Fantástico, a história do Brasil do ponto de vista animalesco, todo em poemas assim, rimances tipo cordel.

    Abraço,

    Antônio Adriano de Medeiros

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  3. A família , de Antônio Adriano de Medeiros ainda consternadas agradece a moção de pesar,enviada pela câmara de vereadores de Santa Luzia, requerida pelo vereador Milton Lino.

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  4. Cara, achei lindo! Sinceramente, a literatura de Cordel é só reflexão. Você representou bem o momento histórico do nosso país. Sou muito amigo de um cordelista matuto aqui em Alagoas, seu Waldemar Matias. Aqui o governo do Estado publicou um livro pela imprensa oficial com poesias dele. Mas ele tem aquele desejo igual o seu de publicar um livro com ISBN etc. Eu torço por ele mas dos altos dos seus 78 anos ele já não espera tanto... Continue na luta!

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