sexta-feira, 20 de agosto de 2010

DOIDOS, PAIXÃO E ARTE - NANIN, UM PEQUENO ESCRITOR

Imagem retirada de www.infojovem.com.br/agendacultural/biblioteca-viva-abre-suas-portas/


Eu, "agregado infeliz de sangue e cal", tive a alegria de perceber que os Escritos de Nanin enviados hoje têm um elo de ligação: a Loucura (ou "Doidice" como diz o Menino), a Paixão e a Arte têm algo em comum: o homem médio (eu disse apenas "médio"; se o leitor vir aí um "c" a mais, ou ainda um "c", um "r" ou um "e", é interpretação sua) tende a desvalorizar tais "estranhos estados do ser" (coloque "artista criador" no lugar de arte, viu?), pra usar uma expressão de Antonin Artaud, citado em Os Doidos, embora sejam tais experiências limítrofes talvez só permitidas aos Iluminados laicos (sim, o êxtase religioso, dizem, também o é, e talvez seja mais democrático: há quem entre em êxtase rezando, dançando num terreiro de macumba - Xangô, meu pai! - ou ainda incorporando espíritos, mas, sem querer ferir ninguém, acho que usar de tais artifícios é apelação: conheci várias religiôes que prometiam me fazer ascender a estágios mais elevados, mas na verdade percebi que precisava era baixar a um nível de pensamento meio inferior para aceitar seus dogmas; uma exceção, porém: a Cabala Judaica, em sua linha teúrgico-teosófica, a qual só conheço de leitura - mas estou satisfeito, ressalvo: não quero "praticar", obrigado! - me surpreendeu, pelas releituras da Torá - que é o inconsciente do povo judaico - e a necessidade de trocar idéias com alguém mais experiente sobre esse inconsciente - daí, dizem, Freud tirou a Psicanálise).

Que coisa boa você entrar numa espécie de êxtase que não é sexual nem religioso... Deve ser isso o que de mais tipicamente humano existe (mas sem fazer muito alarde nem exigir rituais demais, se não se aproxima da obrigaçõa religiosa).


Nanin teve sorte! Também eu tive o indizível prazer de ver a peça ARTAUD!, com Rubens Correia, no final dos anos 80, lá no porão do Teatro Ipanema, e lembro que saí meio tonto: era médico recèm-formado e estudava psiquiatria, os inimigos número um de Artaud, que foi internado na Era do Eletrochoque e sofreu o diabo... Também inventou de criar o Teatro da Crueldade...

No fim das contas foi algo que me enriqueceu muito (e também ao Menino, como veremos): criei uma autocrítica interessante em relação à profissão que, se me impediu de ficar rico, também me manteve vivo até aqui e me fez diagnosticar o que chamo de "neurose médica", um estranho fenômeno que acomete via de regra tais profissionais - decerto também eu - e que tem, entre outros sintomas, narcisimo exagerado (com tudo que daí pode derivar, e que Silvia Plath, em "Morgue", diz, falando de um médico bem jovem, galanteador e "saudável", que ele chega "masturbando um brilho, só pensando em ser amado" (!); essa coisa de querer obrigar os outros a gostar de você, admirá-lo e respeitá-lo só porque você tem uma profissão "nobre"... Além disso, tem o conservadorismo exagerado (herança também do narcisimo: querer ficar sempre do lado de quem tá no poder, por se identificar com tais pessoa e se julgar querido por elas), uma tendência a sobrevalorar as próprias idéias, um amor patológico pelo dinheiro, uma necessidade de aparentar sempre ser moderno e ter bom gosto... a racionalização é o mecanismo de defesa principal da neurose médica. Foi lendo Jung, sua Teoria da Personalidade, que percebi que, via de regra, o profissional mata o homem, desumaniza a criatura; é essa desumanização do homem-médico que chamo de neurose médica.


Bom, vou parar por aqui, porque Os Doidos tão logo aí pertinho e eu sei onde moro e ondeestou pisando...


Cabe ressalvar que há profissões também "nobres" (ouvi risos?) nas quais a síndrome é mais grave que uma neurose: são aqueles que mentem demais por dever, se pavoneiam literalmente
ad nauseam, cobram muito caro pra mentir, e no fim não fazem quase nada...

Mas o Menino, em Fazer Arte, se superou: há o que chamo de frases opcionais: uma mesma frase pode ser lida de duas ou mais maneiras; vou citar só a primeira do Escrito, pra não dizerem que tô querendo aparecer às custas de uma criança: "Descobri que fazer arte é brincar ainda mais"
.

Bom, como são os primeiros Escritos de Nanin que vão pro meu blog, devo dizer que esse Menino Nanin é, na verdade, um menino a quem dei cria, mas ele não é meu filho, é apenas cria minha. Crê? Ele nasceu, digo, surgiu na lista de poesia lusobrasileira Encontro de Escritas (
www.br.groups.yahoo.com/group/Escritas/ ), no ano de 2002, e em verdade vários bons amigos poetas contribuíram para o surgimento e o crescimento desse pequeno escritor, o Menino Nanin, mas eu sou Mãe e Pai dele sem que ele seja meu Filho, e assim está explicado quem é Nanin, e que ninguém seja doido de duvidar da Trindade.

Falar em doido, Nanin, em Os Doidos, fala de algumas pessoas que certamente conheceu numa cidade do sertão da Paraíba, Santa Luzia, patrimônios públicos da comunidade, instituições humanas que ele quis homenagear.

Devo aavisar a uma eventual leitora que apareça por aqui que esses Escritos de Nanin são já de uma fase em que o Menino estava bem crescido, adolescente, crescido não só na idade, mas também na escrita. E que Nanin é uma criança que escreve para adultos, pretensioso... Algo me diz que terminará sendo médico.



Com um abraço,

Antônio Adriano de Medeiros


OS DOIDOS

Os doidos são pessoas que, dizem, perderam o juízo.

O juízo é uma bola que a gente tem dentro da cabeça
e que ora cresce, ora diminui, assim como a lua,
e os doidos fingem ter sua lua minguante na cabeça,
mas na verdade eles vivem na lua cheia,
prisioneiros que são da procela de seus sentimentos.

O juízo existe pra que a gente aja com honestidade,
que é apenas a capacidade de ser verdadeiro e bom.

Simples assim? Não muito...

O juízo e a honestidade nem sempre andam juntos,
mas deveriam andar. Os doidos, me parece, são muito
honestos, e quando em contato com pessoas desonestas
fingem perder o juízo pra não perderem a delicadeza.
Andam maltrapilhos, exagerados, quase nus às vezes,
e falam coisas sem sentido só pra convencer os outros
que estes são mais importantes que eles, mas não são,
não: os loucos são a reserva de humanidade que nos resta.

Tem coisas que só um Menino pode dizer, por isso eu digo
que é muito perigoso esse negócio de algumas pessoas poderem
decidir quem tem ou não juízo, porque papai diz
que a vida é um comércio e, penso eu que sou Menino,
que as pessoas podem, se tiverem raiva de alguém
ou se alguém estiver atrapalhando seus negócios,
inventar que esse alguém perdeu o juízo...

Porque quando dizem que alguém perdeu o juízo
tomam tudo dele, às vezes as próprias pessoas que dizem.

Imaginem se alguém estiver atrapalhando o comércio
das pessoas que decidem quem é doido, e essas pessoas
que decidem quem é doido claro que não vão gostar
do alguém (não pessoa), e podem se reunir, três ou quatro,
e escreverem algo dizendo que o alguém é doido...

Não é perigoso?

A palavra Doido vem de Doído, é um sofrer que finge
apatia por delicadeza, qualquer pessoa hoje sabe disso,
mas isso só pode ter sido dito por outro doido,
porque só os os doidos criam, os que não são
doidos só fazem repetir ou querer explicar as coisas
que os doidos inventam, eles não têm coragem
ou talvez sua imaginação seja bem pequenininha,
porque o pensamento deles não é casa de passarim.

Já notou que todo artista de verdade é meio doido?

Muliquim era um doido que todo mundo tinha medo,
mas me tratava bem só porque eu chamava ele
de senhor; Xixica Doida, coitada, era uma doida
burra e tirava a roupa quando os outros meninos
a insultavam na rua, mas eu só fiz olhar pra ela
uma vez e ela se vestiu, envergonhada com meu olhar;
João Doido vivia calado e parecia raivoso, mas
um dia eu fui conversar com ele e descobri que
ele era um filósofo muito inteligente; Macho Cano,
que endoideceu cantando o forró "Machucando, Sim",
era um doido verdadeiramente lunático, tinha fases
que ficava alegre demais, outras raivoso, decerto
algumas triste, mas tinha tempo que deixava de fingir
que era doido e passava a fingir que era normal.
Celestino fingia ser doido mas era um poeta que inventava
palavras muito interessantes, mas vez em quando dizia
coisas bonitas também com palavras já usadas, e um dia
ele estava com raiva dos santos (Santos era o sobrenome
dele) e, quando lhe perguntei a razão de tanta revolta,
ele disse que não precisava do nome Santos, porque
- "Nanin, anjos somos nós!" Tinha razão.

Normal é ser anão de sentimentos, é fazer tudo
igualzinho ao que os outros fazem. O doido mais doido
que eu já vi foi um velho num teatro, um doido da gema,
ou seja um doido até no nome: seu nome por certo
era pra ser Arthur, mas ele se chamava de Artô,
acho que porque ele fez muita arte, artou demais,
Antoín Artô, o doido mais arteiro que já vi. Ele disse
uma vez algo que as pessoas não têm coragem
de dizer, falando de certas profissões respeitáveis:
que era quase impossível ser um médico
e uma pessoa honesta ao mesmo tempo...

Já notei que ele poderia ter alguma razão,
mas toda regra tem exceção, e você pode tentar, viu?

Ah, vou parando por aqui, esse escrito tá muito longo,
e meio solto, parece até meio doido, mas deve
ser assim mesmo, pra poder ser verdadeiro.

Nanin


A PAIXÃO

A primeira vez que eu ouvi essa palavra,
Paixão, foi da boca de Cristina,
aquela boca tão bonita que ela tem,
conversando lá com Rosa e outras amigas.
Falavam baixinho, cochichando, mas ouvi
escondido fingindo não ouvir nada.
Diziam que a paixão era uma coisa
que cegava as pessoas, ou as obrigava
a fazer coisas impensadas, como uma doença.

Aí fui pensar e descobri que eu já tinha
sido acometido também por aquela doença
algumas vezes, mas em mim era diferente:
ao invés de cegar, me fazia ver mais,
pois tinha a impressão de ver a minha preferida,
aquela que causara a doença,
aparecendo em todos os lugares
para logo desaparecer, digo, se trasnformar
em outra, quando eu olhava direito.

A paixão não cega, na verdade engana
porque deixa o mundo mais bonito,
e a gente até acorda mais cedo e disposto,
com mais vontade de viver.
Ao mesmo tempo em que é uma doença
ela é também um remédio,
o que confirma que remédio mata e cura...

Há pessoas que morrem ou matam de paixão.
Morrer é deixar de existir aos nossos olhos,
ir pra outro lugar bem longe onde ninguém vê,
mas deixando aqui os retratos e a saudade.
Matar é fazer morrer alguém, coisa
que não bonita mas todo mundo tem vontade
de fazer de vez em quando, mas depois passa
e a gente pode até vir a gostar de quem teve raiva,
e assim a gente vai crescendo.

As Danadas sabem fazer
a gente se apaixonar por elas.
Primeiro é o rosto, o rostinho bonito,
que finge ficar triste se contrariadas,
que abre no sorriso um mundo multicor,
que nos deixa muito preocupados
se a gente fizer ou disser o que não gostam
porque o rosto deve ser sempre sorridente,
que tem nariz, cabelos, lábios e promessas,
e que nos molham com boca e olhos,
lubrificantes que são do motor da vida.

Tem outros melhores? Eu não conheço!

Notei que é sinal de burrice matar ou morrer
pela paixão, porque ela só finge ser uma doença
mas é a favor da vida, ela que a nutre
com a agua que escorre da boca e dos olhos.
A vida é como uma planta.
Daí que as pessoas que morrem de paixão
podem até ser respeitáveis, mas nunca aquelas
que matam: eis a diferença entre gente e bicho.

Agora só falta dizer que se a paixão vem
pelos olhos, é no toque da pele que reside
toda a magia, pois a amada fica sendo nossa.
Mas ela tem que deixar, viu?

(Não diga a ninguém, mas descobri
que elas sempre deixam, é só saber chegar.)

Nanin

FAZER ARTE

Descobri que fazer arte é brincar ainda, mas
já com certo conhecimento de como são
as brincadeiras, inventando os próprios brinquedos.

Você pode traçar um risco, inventar
uma história, ou dançar, cantar, gritar,
sair correndo, pode até grunhir impropérios,
mas deve fazê-lo minimamente para
entendidos. Não obrigatoriamente os que sabem,
mas os que desejam saber, precisamente.

Admiras porventura um farrapo humano?

- Sim, mas não minto ao ponto de dizer
que toda arte é admirável, é preciso talvez
uma certa classe, mesmo na miséria mais
absoluta, aprendi com a amiguinha Antoinette,
personagem principal de um quadro pintado
ao som de cabeças que caem, riscando o chão
numa dança de todas as cores, latidos, uivos;
é correr com gato e cachorro, olhando pra trás
pra ver o astro que esse céu doura,
do próprio corpo uma sombra sutil.

Imagem muda, pra poder melhor falar aos sentimentos.

Por tudo isso é que, mesmo penso e sufocado
como soem ser os seres pequenos e doentes
entre os gigantes tribais, ainda respira, rei,
o ar das alturas, pois lá do alto sei-o,
e não sem muita certeza porque sou Menino,
que talvez toda arte se estruture qual poesia.

- És cultura verdadeira, se estrutura de palavras.

Nanin


Com a modestíssima contribuição de Antônio Adriano de Medeiros

2 comentários:

  1. http://www.youtube.com/watch?v=k3IbaRsvqds
    leo ferre thank you satan

    e íntegra:http://congressoemfoco.uol.com.br/coluna.asp?cod_canal=14&cod_publicacao=33604&filha=1

    ...Por tudo, e mais ainda:
    Pela solidão dos reis
    E pelo riso na cara das caveiras dos mortos
    O jeito de driblar a lei
    E que não me ponham o dedo em riste
    Pois eu canto por teu bem
    Nesse mundo onde as focinheiras
    Não são feitas só para os cães

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  2. Orf,

    Resta-me essa oportunidade de ser anfitrião de um espaço virtual e, em assim sendo, me erforço pra receber com a devida distinção aqueles que por aqui passam, principalmente os que, de bom gosto e civilizados, sabem do "jamais les mains vides": trazem algum presente, uma lembrancinha ou raridade.

    Preciso agradecer, - Thank You, Satan! - por reencontrar aqui seu bom gosto musical inigualável, e as dicas de leitura sobre quem sabe escrever de verdade em nosso português medroso e tangido do gado vendado e vendido barato tupiniquim.

    De tanto viver cercado por hipócritas covardes filhosdaputa boçais pseudossábios pseudossantos falso moralistas e macacos robôs que ganham muito bem pra repetir "ética, ética, ética..." ad nauseam, a gente periga se acovardar e regredir... Pegaram pesado, três macaquinhos (isso é um elogio, são deuses no Oriente) e o pirata vaqueiro caolho...

    Só agora é que tô notando que posso contar, o negócio (que palavra!) tá demorando demais...

    Agradeço por me apresentar a escrita de Marcelo Mirisola.

    O blues com Leo Ferré já é bom demais, mas com o Dionysos o arranjo da música é incomparável... Já ouvi-vi umas dez vezes no Youtube.

    Falar em Música, que sempre é boa, sabe aquele violonista? Sim, o amigo Urso Polar... Pois quebraram dois tamboretes na cabeça dele nm cabaré de periferia de certa cidade sertaneja da heróica Paraíba... Já fui lá agradecer, Sábado passado.

    Morreu não.

    Sabe que de repente notei que um blog, além de agradável, pode ser útil?

    Obrigado,

    Abraço,

    Antônio Adriano de Medeiros

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