quinta-feira, 8 de novembro de 2012

esqueletos e dores - diários de um mieloma - 6



O Sr. mi eloma aam tem um texto novo, o segundo das postagens de hoje. Pegou pesado contra mim, dando-me sugstões para desistir da batalha, do tratamemto, da vida. Ele estã muito irritado com a notável melhora dos sintomas e sinais que venho apresentando, e s danou-se a sublinhar sua natureza crônica e recidivante, deuzindo dái em seu julgamento tomado pela coisas do Reindo da Doença, Desesperança e Morte, que para mim, seria melhor "resolver logo isso", evitando iludir a mim a aos que me amam, e o desperdício de tempo, trabalho, e dinheiro. Parece que mi eloma não consegue entender o valor da vida em sua relação com familaires, amigos, e as coisas culturais, açém da servidão ao outro.

Nos diários de um mieloma múltiplo - 6, ele se refere às Erínias, violentas deusas que os Romanos chamavam de Fúrias, e o bom senso manda chamá-las de Eumênides, "Benevolentes", para com isso não despertarmos sua ira, sempre poderosa e maligna; são encarregadas do Vingança do crime, do Castigo, inclusive a Loucura seria o pagamento cobrado pelas Benevolentes dos assassinos, ladrões, e criminosos graves. Seus nomes são Alecto, Tisífone e Megera,e nasceram das gotas de sangue de Urano (Céu) que impregnaram a Terra quando o deus Crono, (identificado com o Tempo, filho daquele) o castrou sorrateiramante; Afrodite, Vênus, deusa do amor, nasceu do esperma de Urano que caiu no mar.

São deusas primordiais, como as Parcas ou Moiras, mais antigas que Zeus e os deuses do Olimpo, os quais nenhum poder têm sobre elas,

O Sr. mi eloma aam também cita versos de vários poetas em sua folhinha de hoje do diário não diuturno, cuja frequência depende apenas de seus caprichos doentios, sendo que versos de Cazuza, de uma música de Moacyr Franco, de dois poemas de Baudelaire, de Chico Buarque e de Geraldo Vandré, distorcendo-lhes o sentido sempre querendo me convencer a tomar a atitude radical da Desistência Cabal; também cita um veros meu de Quatro Sonetos sobre o Suicídio.

O poema que antecede os diários  tive a graça de escrever ontem e, sendo curtinho, mandei-o primeiro para minhas listas de poesia, tendo o mesmo ali uma acolhida surpreendente, e até poetas que muito admiro tanto pelo talento como pela personalidade me contribuíram para a cessação de minhas dores mais graves, José Félix e Eliana Mora criaram poemas sobre umou outro verso de A Dor, A Vil Dor (está oculta aí as palavras "Adorável Dor"; é outra forma de se referir às Erínias chamando-as de Benevolentes), pois bem, me deixando grávido de um pouco de orgulho e muita gratidão. No poema a palavra Dôrinhas vai no lugar de dorzinhas, personificando as dores vulgares das pessoas histriônicas, pitiáticas, histeriformes, para quem qualquer sensaçãozinha dolorosa ~e motivo de estardalhaço; nada tenho contra as Dôrinhas, até porque uma de minhas primeiras professoras tinha tal nome, e uma palmatória. Sempre devemos respeitar nossos mestres, mas sem afastar-se da poesia jamais.

Por fim, vai um poema de Charles Baudelaire intitulado Dança Macabra, inpirado numa estátua de Ernest Cristophe; o poema refere-se naturalmenta á dança dos esqueletos, só que é diferente: não se dá num cemitério à meia-noite, como de costume, mas sim nos salões requintados dos bailes de Paris. Um esqueleto de mulher, de mulher belíssima, bem vestida e maquiada, uma parisiense elegante, vai a um baile, orgulhosa como uma vivente de sua beleza inebriante, e naturalmente é corteja e dança pra valer. Belos, belíssimos, inigualáveis, são os versos que o poeta sugere que ela diga aos demais participantes do baile; aí o poema abre as asas e nos faz voar.

Um bônus extra curtinho mas perfeito em sua precisão, Dor, é do poeta simbolista porto-alegrense Álvaro Moreyra; ele nasceu em 1988, e morreu no Rio de Janeiro em 1964; foi da Academia Brasileira de Letras.

Sempre grato pelas nobres leituras,

absaam




A DOR, A VIL DOR

A dor
a dourada dor
adoro-a
se duradoura.

Todas as Dorinhas são vulgares.

Prefiro as dores marcantes,
que não conhecíamos dantes,
dores agudas, inauditas, de mau agouro
- filhas da puta: a gente grita, ó tanto choro...

Toda dor que se preza
não deixa dúvida.
Precisa de reza,
exige um antídoto.

Além da química, ou fisioterapia,
a escrota quer música e poesia...

Dura alguns dias, dura semanas
essa dor que não se esquece,
pois, do que muito se padece,
a gente ama.

Os outros que se matem:
prefiro que me tratem!

Se morrer, que graça vai ter?
Quando de novo irei padecer?

Há uma dor que merece um andor.


                   Antônio Adriano de Medeiros
                    João Pessoa, 07 11 2010




Diários de um mieloma múltiplo - 6


Nem me calo, nem deixo de ser um calo no corpo do porco que não quer calar!

Agora deu de dizer que gosta da Dor... Covarde, falso, mentiroso... Então por que foi atrás daqueles... Daqueles que prescrevem para que a Dor prescreva, verme proscrito por Eva?

Encharcado de drogas, tantas, tontas, sonsas, nada santas, ele, penso, pensa que me está vencendo, que eu estou derrotado... Mas ainda estão rolando os dados... Rá, rá, rá! Também sei citar os poetas, Adricão!

Só porque deixou de parecer um aleijado com aquela ridícula bengala de velho pobre... O enigma da Esfinge... - Èdipo, sempre um filho da puta, quem decifrará teu enigma serei eu, e não o inverso. Drácula, já esqueceu de que precisou correr de novo hoje pela manhã para beber do sangue alheio?
Lobisomen que certas noites se espoja insone no leito procurando uma posição confortável quando o cutuco com minhas adagas  no abdômen, no tórax, nas magras patas traseiras, no pescoço... A Morte te observa em tuas contorções, bizarra fealdade, e ás vezes, por prazer, extrai até poesia de tua imunda gosma, flor da insanidade!

- Esse negócio de tirar prazer da dor é coisa de viado, mulher de malandro, ou de certos tarados... Se bem que alguns pederastas, mais saudáveis, o negam...

Eu vou domá-lo, nefast0o jegue sertanejo, já estou a montá-lo, vou esporá-lo, fazê-lo zurrar, se espojar, babar,. até paralisá-lo, parasita do sangue inocente, e depois, serenamente, e de forma nada decente, um dia eu vou matá-lo...

- Sou venenoso e mortal, tu és corpo peão! Eu sou constelação de verdade, eu sou Câncer!

"Cadê você, cadê você, você passou..." O vento que é pai da melodia fará sempre epitáfios assim para meu peixe podre. Porque meu anzol, meu arpão, estará sempre lá em essência, mesmo que teus.... salvadores, rá, rá, consigam fazê-lo sobreviver ao transplante.

Covarde, seja pragmático: se mate! Ia ser tão bonito! Oh, como é poético se matar no verão tropical... "Mais belo, porém, o enforcamento..." Tenha vergonha, mentiroso! Tenha coragem! Seja digno de seus versos, seja maldito de verdade, para que perder tempo e dinheiro se tudo poderia ser resolvido logo, e de forma verdadeiramente poética!

Vaidoso mortal da bizarra figura, teu esqueleto é todo meu. Sou teu par verdadeiro na Dança Macabra, Nanim! Porque você não gosta de mim? Eu já cheguei, querido, vamos dançar logo um bom forró... Só não posso prometer que não pisarei no seu pezinho, no calo que é me é tão caro...

- "O Dor, Ó Dor! O Tempo faz da vida uma carniça, e o terrível inimigo que nos rói as rosas, no sangue que perdemos se enraíza e viça..." Charles Bode Lelé, aquele poeta das flores do mal que morreu vegetal sem poder falar nem escrever - Mãe Moira Má é tão criativa! Como as Benevolentes são justas! - gostava de você, ele era seu Amigo, escreveu tais versos para você alertando-o de que era inútil lutar contra mim... Se mate, Nanim!

Vai ser pior, muito pior, o final cruento trágico, teatral e álgico... Mas se você prefere assim...

- "Ouça um bom conselho que lhe dou de graça: inútil dormir que a dor não passa!..."  Chico Buraco (que vive a entrar e sair no) também gosta de você, amor...

Se mate, Nanim! As Benevolentes são minhas amigas, diletas amigas, e podem chegar, a um simples pedido meu, a alucinação imperativa... Elas vão apreciar muito o seu mal-passado...

- Se mate, Nanim! Se mate, Nanim! Se mate, Nanim!... Se mate Nanim!

Eu confio em você, sei que é poeta de verdade, não é como aqueles outros.... Você sabe: se mate, Nanim!

Mais do que poeta, seja um herói! Afinal, "Quem sabe faz a hora, não espera acontecer",  dizia o Girau do Vão André...

Toda flor bela se espanca pelo vento, espinhos, e bico de beija-flor...

- Tua alma de sonhar anda perdida!

Quem sabe jaz a agora, não espera a dor crescer... Quem é amigo, quem te ama de verdade, quem veio unir-se a ti na madureza, usando os pronomes que quiser - porque um Câncer Poético é sobretudo moderno - fui eu, não foi nenhuma daquelas putinhas que idealizavas, não...Mieloma ama, Mieloma ama aam!

- Se mate, Nanim!

Seu Câncer Poético!



                               mieloma aam
                               João Pessoa. 07.11.2012





DANÇA MACABRA - DE CHARLES BAUDELAIRE


                    A Erneste Cristophe, estatuário


Como um vivente, arrogante de sua nobre estatura
Com o seu grande buquê, seu lenço e suas luvas,
Ela tem a indolência e a desenvoltura
De uma coquete frágil de postura extravagante.

Já se viu alguma vez num baile uma aparência mais delgada?
O seu vestido exagerado, no seu real esplendor,
Se vira abundantemente sobre um pé seco que oprime
Um sapato adornado, belo como uma flor.

O enrugado que joga à beira das clavículas,
Qual arroio lascivo esfregando-se no rochedo
Defende pudicamente das troças ridículas
Os fúnebres encantos que ela sabe ocultar.

Seus olhos profundos são feitos de vazio e trevas,
E o seu crânio, com flores artisticamente penteado,
Oscila apaticamente sobre as suas frágeis vértebras,
Oh, encanto de um nada loucamente enfeitado.

Alguns te tomarão por uma caricatura,
Sem compreender, amantes ébrios da carne,
A elegância sem nome da tua humana armadura.
Tu respondes, grande esqueleto, com todo o meu prazer!

Vens agora turvar, com a tua imponente careta,
A festa da Vida? Ou algum velho desejo,
Incentivando ainda a tua vivente carcaça,
Impulsando-te, ingenuamente, ao Sabá do Prazer?

Com o cantar dos violinos e as chamas das candeias,
Esperas expulsar o teu pesadelo burlão,
E vens implorar à corrente das orgias,
Que refresque o inferno aceso no teu coração?

Inesgotável poço de necessidade e enganos!
Da antiga dor eterno alambique!
Através do retorcido gradeado das tuas costelas
Eu vejo, ainda errante, o insaciável áspide.

Na verdade, temo que a tua coqueteria
Não alcance um preço digno de seus esforços,
Quem, entre esses corações mortais, alcança o embuste?
Os sortilégios do horror só embebedam os fortes!

O abismo dos teus olhos, cheio de horríveis pensamentos,
Exala a vertigem, e os bailarinos prudentes
Não contemplarão sem amargas náuseas
O sorriso eterno dos teus trinta e dois dentes.

Mas, quem nunca apertou em seus braços um esqueleto,
E quem nunca se nutriu de coisas sepulcrais?
Que importa o perfume, o vestido ou o penteado?
Aquele que se enoja demonstra que se crê belo.

Bailadeira sem nariz, irresistível trotadora,
Diz-lhes, pois, a estes belos bailarinos que se fingem ofuscados:
“Arrogantes galãs, apesar da arte do pó-de-arroz e do rouge,
Exalais todos a morte! Oh, esqueletos perfumados!

Antinoos murchos, janotas de rosto suave,
Cadáveres envernizados, lovelaces grisalhos,
O alvoroço universal desta dança macabra
Os arrasta até lugares então desconhecidos!

Do cais frio do Sena ao do Ganges inquieto,
Salta e desmaia agora o rebanho mortal
Ignorando a trombeta do anjo que, do teto,
Soa, sinistra e aberta, um trabuco fatal.

Em todo o clima, baixo todo o sol, a Morte te admira
Nas tuas contorções, risível Humanidade,
E com frequência, como tu, perfumando-se de mirra,
Mistura o seu sarcasmo á tua insanidade."

Charles Baudelaire
Flores do Mal
tradução não citada em http://niilismo.net/forum/viewtopic.php?t=820&sid=58cbcee01fb066c1485c4eed0cbc2a43


                                                               *            *             *


DOR

           Àlvaro Moreyra

     
Fiz noutro tempo (dela se priva
E com saudades o meu prazer)
E com dor fina, decorativa,
Especialmente para eu sofrer...

Tão desvairada, tão delirante,
Que parecia não ter mais fim...
Durou cinco anos. Durou bastante.
Uma alegria não dura assim...


             Álvaro Moreyra
             (1888 - 1964)



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