sexta-feira, 9 de setembro de 2011

no hospital dos lunáticos - 1/4


Inicio hoje uma série de quatro poemas que terão como tema o hospício. Serão postos mais ou menos uma vez por semana.

Os dois sonetos a seguir foram baseados em fatos bem reais.

É que os assim chamados loucos de verdade, vale dizer, psicóticos e retardados mentais, são inimputáveis; o que significa que não são passíveis de punição, de pena: claro que quando cometem crimes são obrigados ao tratamento compulsório num manicômio judiciário, mas um tratamento não é uma pena. Isso para a Lei dos homens.

Para a Lei de Deus, porém, a alma pecadora de um louco precisaria de perdão?

Essa a questão do poema a seguir, escrito após uma missa que fui num hospital psiquiátrico público de Natal; portanto, tal poema tem, além da eventual verdade poética, também a verdade secular, ou laica.

Falar em verdade, a palavra "manicômio" aí é colocada em sentido abrangente: manicômios são instituições psiquiátricas de imternamento compulsório e por longos períodos. Manicômio não é sinônimo de hospital psiquiátrico, como confundem alguns: uns por desinformção, outros por blefe político.

Mas há outros poemas onde discutiremos isso melhor.

Cabe, porém, dizer que hoje percebo que, mesmo sendo verdadeiros, tais sonetos, digo, tal poema composto por dois sonetos, é preconceituoso.

Ora, desde 1984 que vivo em hospitais psiquiátricos, e embora seja a psiquiatria uma ciência laica, ela não pode nem deve negar a importância que a Religião tem na vida civilizada. Não se sabe de civilização sem um sistema de crenças. É a "neurose social", como bem disse Freud em "O mal-estar na civilização". Portanto, há certos valores dos quais ninguém está livre. Nem mesmo os assim chamados alienados.




A MISSA DOS LUNÁTICOS

I

Noite negra chegara ao manicômio:
era a hora que fora assinalada
pelo austero e sisudo padre Antônio,
e então foi a santa missa iniciada.
Com sua voz firme e bem pausada
louvou as virtudes da prudência e matrimônio,
e aos inquietos de vida depravada
chamou de criaturas do Demônio.
Mas quando a todos pediu que, em silêncio,
implorassem perdão ao bom Jesus,
sonora gargalhada deu Juvêncio,
apagaram-se as velas, faltou luz.
E como em acesso de tique ou convulsões,
um velho louco gritou mil palavrões.

II

O diretor, no escuro, pediu calma,
mas em seguida começou a latir...
E todos, aflitos, ouviram-no repetir:
- "Ó Satanás, é tua a minha alma!"
Ai, que alguns não superaram os traumas:
a luz voltara, e todos viram ali
o seu doutor como um cão a grunhir;
só a jovem maníaca bateu palmas.
Grande era o espetáculo de depravação:
o padre e a moça da administração
em atos libidinosos com dois castiçais,
louvavam e davam vivas a Satanás...
- Quem mandou o padre ter a idéia indecente
de querer perdoar a quem já é inocente?

Antônio Adriano de Medeiros
Natal, 01 de agosto de 2001.