segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

com a diaba no corpo


Emprega-se, mui devidamente, o termo "tempestade emocional" ao extremo exagero de emoções demonstrado num episódio maníaco do Transtorno Afetivo Bipolar (TAB): ali se chora, se gargalha, se grita e se desespera... Mas o que inspirou o cordel abaixo foi o que também se poderia chamar "tempestade sexual" de mesma síndrome, vista mais em mulheres jovens, embora universal àquelas pessoas (os portadores da referida síndrome psicótica aguda). As mulheres mais idosas também ficam excitadíssimas, é que não demonstram muito, há que se interrogar sobre; também os homens, galanteadores, se dizendo atletas sexuais, quase robôs erotômanos, conseguem se portar de forma menos bandeirosa que as jovens incautas.

Interessante é a busca por explicações que tanto familiares como pessoas próximas procuram dar para o fenômeno, que aqui também procuramos ilustrar como tendo sido um "trabalho" feito por uma espécie de catimbozeira... Na verdade, trata-se talvez de algo ligado ao relógio bioquímico cerebral de certas pessoas. Na verdade, a expressão "praga sexual" tem um duplo-sentido aí: tanto serve pra um eventual sortilégio, como pra explicar a contaminação sexual que a jovem "endiabrada" provoca nos homens de sua comunidade.

Outra coisa, também insinuada no cordel, é que algumas pessoas, acredito que nem todas por má-fé, mas a maioria sem dúvida, se aproveitam da situação para, numa interpretação psicanalhítica selvagem, "tratar" a pessoa com o referido episódio psicótico atendendendo à demanda sexual da mesma... O tratamento verdadeiro é químico e de apoio e proteção, sendo-nos desconhecido outro.

absaam



UMA PRAGA SEXUAL

Praga da gota serena
quando não cega aleija.
Catimbó pra ter valor
leva o tempero da inveja,
e poeta de segunda
os veros versos sobeja.

Quando o sertão abreja
c'uma chuva de três dia
marreco no céu voeja,
faz serenatas a jia,
e vaqueiro aboiador
bota pra fazer poesia.

Quanto pega a cantoria
dá trabalho a terminar:
histórias do fim do mundo
novelo vai revelar
se o cego velho na feira
bota pra improvisar.

O leitor ouviu falar
em Chico de Bagafu?
Ou já usou um colar,
semente de mulungu?
Já viu gente se irritar
e mandar tomar no cu?

Me meti num sururu
lá na casa do Capeta.
Fui com Maestro Chiquito
- excelência da corneta
que já tocou na orquestra
do Velho Bode Perneta.

Girando qual carrapeta
menina querendo dar.
Cheia de paixão na alma,
o corpo inteiro a viçar:
se passar perto de mim
eu não posso dispensar.

A beleza de um olhar
em um rosto feminino
encanta que nem cristal
- olho d'água cristalino -
veio de lágrima, desejo,
força matriz do destino.

Quando Zefa de Rufino
deu cria à menina Rosa
choveu por bem 7 dia
lá no sertão de Viçosa;
por 3 semanas de feira
matuto foi todo prosa.

Cresceu a menina rosa
desabrochando o botão
da beleza que guardava
na forma com precisão:
seu semblante a quem o via
disparava o coração.

Ouvi dizer, no sertão,
que uma certa Benedita
- feia, gorducha e idosa -
chamava Rosa "A Maldita",
nela buscando vingar-se
da sua triste desdita.

Boneca de Afrodita
ela espetou pra Xangô;
acendeu seis vela preta,
uma galinha sangrou,
e a alma de Rosinha
ao Diabo encomendou.

Algum tempo se passou
antes da Revelação;
todos respeitavam Rosa,
lhe tinham muita afeição:
ninguém ali suspeitava
que tinha parte com Cão.

Apois foi na procissão
que Rosinha endoideceu.
Tomou cruz de mão de padre
e a todo mundo benzeu;
abriu os braço e gritou:
- "Aqui quem manda sou eu!"

Quando Rosa enlouqueceu
passou a noite a amar:
deu a matuto e letrado
e ao doutor do lugar.
Engravidou do vigário
de uma vila à beira-mar.

E mandaram me chamar
para uma internação.
Lá reinava a bacanal
- ímpetos, louca paixão -;
quem enrabava Rosinha
agora era o sacristão.

Ouvi a explicação
que sábio doutor me deu:
- "Teve uma revelação
aqui na casa de Deus:
o amor na comunhão
serviu a pobres plebeus;

mesmo os juramentos meus
ela jogou sobre o piso;
dou o meu depoimento
e assumo o prejuízo:
a beleza do seu corpo
desnudou meu desjuízo." -

Pra levá-la foi preciso
reforço policial.
Ouvi muitos palavrões
em protesto radical;
um brutamontes matuto
lá quis me quebrar no pau.

Eu consegui afinal
internar a tal Rosinha;
depois de bem medicada
ela ficou boazinha.
Está bem, a estudar
- vive insistindo em me dar,
mas não como a taradinha.

Antônio Adriano de Medeiros