quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

4 SONETOS SOBRE O SUICÍDIO



I


Há quem veja covardia em tal gesto,

ou reflexo de uma doença mental.

Para além do julgamento moral

se fala em suicídio de protesto.



O nosso belo quadro social

talvez não seja um prato de bom gosto.

Assim sendo, o gesto radical

se torna admíssível, por desgosto.



O tiro na cabeça ou coração

tem efeito bem rápido, infalível.

Mas muito sangue jorra pelo chão,



e o quadro não me fica apetecível.

Tranqüilo é o envenenamento.

Mais belo, porém, o enforcamento.


II


Ao meu nobre futuro suicida

que decida matar-se com veneno

se recomenda um forte raticida,

salvo se o volume for pequeno.



Para entrar no Inferno bem sereno

que o sono seja pois reconfortante:

por isso, antes do gesto supremo,

é bom dez comprimidos de um calmante.



Quando na veia se injeta estimulante

também tem-se um veneno eficaz,

mas com as convulsões deselegantes.



Já às pessoas simples, populares,

restritas à prisão dos tristes lares,

é só trancar-se em casa e abrir o gás.


III


É uma vagina a forca no ar.

Há um beija-flor a quem a rosa é cara:

há tempos que vinha com ela a sonhar,

e agora enfim se entregam à cópula rara.



O falo se ergue, corpo escultural.

A cabeça entra, os corpos balançam.

Uivos e estremeços, ritmo sensual

nos poucos instantes que os amantes dançam.



O amante geme de dor e prazer:

perde a consciência com a língua de fora.

Um ou outro implora, antes de morrer,



que afastem a danada, mas é tarde a hora.

E enquanto no êxtase do fim estremece,

o morto ejacula na baba que desce.

IV


Alguém a quem foi negado

a correnteza da flor,

teve o sangue envenenado

das águas do amargor

merece ser perdoado

- porque foi imensa a dor -

se ficou dependurado

qual relógio que parou.



A quem passa pela estrada,

uma prece, por favor.

A coisa ali pendurada

não deve causar pavor.

Era uma ave encantada

que repente alçou vôo.


Antônio Adriano de Medeiros
2 Antologia Escritas-2004

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