sábado, 20 de fevereiro de 2010

ODE À MALDIÇÃO




- em seis sonetos -

Para Eliane Stoducto e Maria Seixas


1. INTROITUS

Dentro do meu peito existe
errado, pois do seu lado direito,
cercado de ossos, triste,
um coração mais que imperfeito,

semelhante a um cemitério
onde reina a solidão.
O seu batuque é funéreo,
tic-tac podridão.

Ele vai marcando as horas
de uma vida amargurada,
pois a minha humana ossada

só teve tristes outroras:
rosas podres, amores falsos, persistente traição...
- Eis da vida de um verme a perfeita tradução!


2. NASCIMENTO

Fevereiro: é natural ser este mês mais propício?
- Tem festa de Carnaval, muitos palhaços no mundo...
Pois aí deu-se o natal do maldito vagabundo
que já chegou bem cercado pela orgia e o vício.

Foi na terça-feira, gorda, em terríveis contorções,
que uma mãe sertaneja quis parir sua desgraça:
entre dores terríveis e decerto alucinações,
pôs no mundo uma mácula, vergonha de sua raça!

Eu sempre fui caprichoso e escolhi para nascer
a inquieta meia-noite de foliões a gemer:
entregues à devassidão, eram também condenados,

cometiam na orgia os mais devassos pecados:
pois naquela meia-noite de meu maldito natal,
já chegara a Quarta-feira, não era mais Carnaval.


3. DA INFLUÊNCIA DO MEIO NA GÊNESE DE UM MALDITO

Sei que trago na genética, na alma, no coração
a natureza imunda dos seres mais desprezíveis.
Porém, conhecendo o homem, sei que a constituição
não é único determinante: há influência terríveis

de onde nasce e onde cresce, de onde vive cada ser.
Pois eu digo, sem medo e com sinceridade,
que sempre fui condenado nesta vida a conviver
com a pior das estirpes da tal mediocridade.

A turba mais obscura que o velho Deus brincalhão
podia jogar no mundo – Deve me pedir perdão! -
cerca-me de noite de de dia, a cobrar cumplicidade.

Eu tento ser educado, mas já tenho uma certa idade...
- Eu já não agüento mais!
Não creditem a maldição apenas a Satanás!


4. MALDIÇÃO, ÚNICA OPÇÃO

Pois bem, todo poeta tem um certo orgulho
e infeliz do poeta que adotar por opção
conviver cordialmente com o entulho
do que chamam de coisas do coração.

Eu desprezo os seres vis - analfabetos, doutores -
(pois a mediocridade antes de tudo é democrática)
e o faço assim mesmo, da forma mais antipática,
pois sou fiel a meus genes, a meu sangue, meus humores.

Eu detesto essa gentalha a se alimentar de moral!
Eu gosto mesmo é dos loucos e do que é anormal!
- Escuta, Zé Ninguém, agora meu desabafo:

Nada me causa mais asco que esse teu podre bafo;
e se me fosse dado escolher a morte ou ser teu amigo,
iria pro cadafalso, mas não ficava contigo!





BÔNUS MALDITO


5. DA MALDIÇÃO POÉTICA

Cansado da poesia que louva o amor,
eis que um dia tornei-me maldito:
não é preciso ser médico para saber que o tumor
também faz parte do homem, e nele nasce inscrito.

Eu quero ser odiado por minha poética,
pois que tal é mais poético que o seu oposto.
O meu Ulisses jamais retornará a Ítaca,
encantado com fetiçarias de péssimo gosto.

O que quero é muito, mas nem que tivesse tudo
poderia deixar de invejar os eternos soberanos
da verdadeira maldição... Ah, não me iludo,

eles são os toxicômanos e os suicidas:
Só eles desenganaram-se pra sempre com os humanos,
e encontraram outro sentido para dar às suas vidas.


6. SONETO DO POETA SUCIDA

Aos meus egrégios carcereiros e juízes,
não vou deixar simples bilhete ou mera carta:
decerto ficarão bem mais felizes
com um soneto que lhes deixe quando parta.

Pois vou esgrimir com arte a métrica rara,
extraindo matemática da gramática soberana,
pra falar de todo tédio que até hoje me causara
conviver com o hálito podre da sociedade humana.

Não parto feliz nem triste, resignado talvez.
Confesso já estar cansado dessa vida que levava:
a cada final de dia só a insônia me abraçava.

Como consolo, mortais, prometo a todos vocês
que ao lhes chegar a vez de abandonar o existir amargo,
meu esqueleto irá recebêlos - com seu sorriso mais largo!

Antônio Adriano de Medeiros
(idealizado em Caicó - RN, 16 a 19 de julho de 1997)

(*) as poetisas da dedicatória me ajudaram com seus palpites a aprimorar os sonetos do Bõnus, em 1999 e 2000.

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