sábado, 12 de junho de 2010

A FESTA DE SÂO JOÂO





"A pé-de-bode abriu asa e cantou"

Para R.C.N

Eu vou contar pra vocês
da festa de São João,
a festa mais animada
que existe lá no sertão,
batuque forte no peito
acende fogo no chão.

A coisa do coração
unida à religiosa,
em alegria e fé
é rica e prodigiosa,
e o poema é dedicado
a uma mulher que é Rosa.

É contado em verso e prosa
que quando São João nasceu
logo sua mãe, cumprindo
aquilo que prometeu,
para avisar a Maria
uma fogueira acendeu.

Então a prima entendeu
que um milagre acontecia
pois a idade de Isabel
ter filhos não permitia,
logo depois o milagre
veio pra Virgem Maria.

Há tempos já se sabia
cá no hemisfério austral
que a 23 de junho
chega um vento glacial,
e se fazia a fogueira
após colheita anual.

Nessa festança ancestral
era a vida celebrada,
dançavam a noite inteira,
varavam a madrugada,
celebravam-se matrimônios
nessa noite iluminada.

E foi a festa acoplada
ao calendário cristão
quando os bravos portugueses
chegaram a nosso chão,
Deus e Vida celebrados
na festa de São João.

Por isso lá no sertão
não pode haver festa igual,
o que se passa no céu
de nosso hemisfério austral
é o mesmo que os do Norte
comemoram no Natal.

E o leitor não leve a mal
eu dizer uma besteira,
mas pra mim quem foi menino
e não brincou na fogueira
vendo o céu se iluminar,
perdeu a infância inteira.

E ali é mais verdadeira
a celebração do amor,
a colheita já foi feita
porque o milho deu flor,
o frio aproxima os corpos
à procura de calor.

E a festa tem mais valor
se a cidade é pequena
pois a tradição rural
é a verdade da cena,
do São João comercial
olho assim e tenho pena.

Pois agora a minha pena
vai descrever, em poesia,
o que ficou na memória
do que os olhos viram um dia
nas festas de São João
que fui em Santa Luzia.

O velho Mané de Bia
cantava coco na praça,
descia o Talhado inteiro
para a mistura da raça,
as moças da capital
traziam beleza e graça.

Por pouco não se desgraça
mais de um bom casamento,
houve muita gente boa
que quebrou o juramento
e quis fugir com uma bela,
doido de contentamento.

Matuto deu passamento
quando a tarde chegou
trazendo as muitas musas
que o Olimpo mandou
para encantar seus olhos
com as imagens que sonhou.

O pau lá nunca baixou,
ou seja: nunca houve briga;
decerto alguns molecotes
desses que procuram intriga
se agarraram uns com os outros,
mas pra isso ninguém liga.

Em uma Quadrilha amiga
não me recuso a entrar,
todos os passos da dança
digo que não sei puxar,
mas Casamento Matuto
juro que sei celebrar.

Estando o povo a dançar
chega o grande momento,
os noivos e juiz e padre
dão início ao casamento,
discursos amatutados
falam em chifre e corrimento.

Quem recebe o sacramento
ganha um nome que iluda
e sobrenomes bem dúbios
qual Rêgo, Manso ou Rabuda,
e a noiva sempre é donzela,
embora esteja buchuda.

É grande o deus nos acuda
se alguém se recusar
a celebrar o casório
ou ao menos demorar:
sai bala e puxam peixeira
ali mesmo no altar.

Volta a sanfona a reinar
no animado forró,
dança a bela e o cachaceiro,
a letrada e o brocoió,
muita gente faz promessa
pra sair do caritó.

Só pára o forrobodó
pra se acender a fogueira,
corre logo a molecada
toda animada e faceira
porque sabe que agora
sobem fogos noite inteira.

Tem vulcão e tem roqueira,
tem bomba e tem chuveirinho,
tem belas gotas no céu,
tem bola doida e chumbinho,
e até quem já é velho
fica bem pequenininho.

Eu relembro com carinho
dos amores do sertão,
e se decerto alguém
ler tais versos com emoção,
saiba que nunca esqueci
dos beijos que recebi
nas noites de São João.

Antônio Adriano de Medeiros

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