sábado, 19 de junho de 2010

MISTÉRIOS DE ELÊUSIS


Inicialmente o ritual dos Mistérios de Elêusis encontrava expressão na lenda da deusa Deméter e sua filha Perséfone, raptada por Hades (Plutão), rei do Mundo Inferior, quando colhia flores com suas amigas, as Oceânidas, no vale de Nisa. Depois incluíram Dioniso, com o nome de Iaco. Deméter, ao tomar conhecimento do rapto, ficou tão amargurada que deixou de cuidar das plantações dos homens aos quais havia ensinado a agricultura. Os homens morriam de fome, até que Zeus (Júpiter), que havia permitido a seu irmão Hades raptar Perséfone, resolveu encontrar uma forma de reparar o mal cometido' Decidiu, então, que Perséfone deveria voltar à Terra durante seis meses para visitar sua mãe e Outros seis meses passaria com Hades.
Procuramos, nos títulos de alguns poemas, dar uma espécie de duplo sentido: Deméter dolorosa, Da Mater Dolorosa; Romã por amor inverso, o amor de Hades, deus raivoso; em Bela Que Se Disputa queremos fazer menção ao fato de que Perséfone ficou mal falada por ter sido vista por Ascálafo, seu guardião nos Infernos, com um bago de romã na boca que lhe fora ofertado por Hades; e esta foi a razão pela qual não mais poderia deixar os Infernos: quem comesse algo de lá, jamais poderia sair. Ascálafo foi transformado em coruja por Deméter por ser falador... Ah, tentamos escrever em dodecassílabos.

Bom, eis então nossa versão para os




MISTÉRIOS DE ELÊUSIS







"amor inverso em versos do Odioso..."





I




O RAPTO DE PERSÉFONE


Mistério e rosa era Perséfone, delícia
aos olhos sequiosos do duplitio, deus
que reinava solitário nas profundezas
da Terra entediado com as riquezas, muitas
que possuía: todos os minérios e plantas
e o sempre crescente rebanho dos mortos.
Com justeza alcunhado o Rico – Plutão – era
a um só tempo muito pobre, porque lhe faltava
a carne viva, o perfume ambrosíaco da filha
de Deméter, gema e flor. Eis que certa manhã
a bela saíra a brincar com as suas amigas
Ninfas e com Atena e Diana artes mil
perpetrando: brincavam com flores e plantas.
O Raptor arrebatou-a – Tão perfumada flor! –
quando a jovem ensaiava pegar um narciso:
arrastou-a célere ao abismo da trevas. Ai
de Perséfone: Hades, jardineiro invisível,
colheu a rosa e decifrou-lhe seu mistério.


II



DEMÉTER DOLOROSA



A errar pelo mundo, imunda e insone, anorexa
e hidrófoba qual cadela malsã, ninguém
reconheceria ali Deméter, a Nutriz
símile a Terra, pois agora desértica à busca
da filha em flor. Ai, que da filha ouvira o grito
à hora súplice! Por uma novena dolorosa
ninguém revelara do pérfido Raptor o nome
para que as Queres lhe bebessem o sangue
e das malignas progênie e prole. Todavia,
pelo décimo dia de tântalo a hidrófoba
encontrou uma cadela de verdade, a deusa
Hécate – de quem vêm todas as feiticeiras –
mas ainda assim velado permaneceu o nome
do Raptor, mais odioso entre numes imortais,
que a Bruxa acorrera ao escutar da jovem o clamor
aflito mas não desvendara do Invisível
a odiosa face, ora encoberta por artes vis
da Velha Noite, a quem é dileto o deus trevoso.
Onipresente Sol, olho que a tudo pode ver,
enternecido com a dor da Mãe, revelou
o nome daquele odioso deus a quem o Pai
permitira o rapto da ninfa em vão buscada.
Prostrou-se a Mãe em Elêusis, tomada de dor
profunda, apática, atônita, cataléptica.
E toda a Terra se tornou pedra sem alegria.



III



ROMÃ


E enquanto penava Deméter em desvario,
envilecida e envelhecida à superfície
da Terra, nas entranhas a perseguida Perséfone
exultava, de medo a princípio, mas depois
de gozo ao provar do fruto do amor de Hades
– romã – amor inverso na palavra, ora oculto
por artimanhas do deus maldito (com escusas
a Homero, verdadeiro pai de tantos deuses
de bruma, todos eles desvelados na Língua
das Musas). Que sábia mulher recusaria ser
a exclusiva de um numinoso, ainda que fosse
aquele mais execrável dentre todos os deuses?
Que princesa não iria saber por natureza
que seu destino deve ser: ou se tornar
a rainha no reino de seus pais ou de outrem,
ou ficar para sempre mero objeto decorativo
no reino pátrio, entre as aias, os eunucos
e as velhas da corte, seu espólio repartido
entre sobrinhos e ou filhos de parentes invejosos?
Ela gritou por um reflexo de medo, mas alguém
poderia assegurar que já no instante seguinte
não tenha calado com um beijo do Maldito?
Se o recusou, e por quanto tempo o fez, isso não
queremos discutir porque não é interessante:
queremos saber da boca molhada que gostava
de romã, e dos gemidos, roucos, tantos, loucos,
que alguém ouviu uma vez só, quando foram
mais altos. Ai, que nunca mais Perséfone iria
poder deixar os Infernos, tendo feito aquilo...



IV




EXILIO


Ai, que triste é ser sabedor de um saber
que sabe a dor: assim padecia Deméter,
agora infértil velha sem viço a servir
de simples criada em casa do rei eleusino.
Quem imaginaria fosse aquela velha magra
a outrora fogosa égua em quem Posêidon
gostava de montar brincando de cavalo?
Quem reconheceria ali a exilada deusa
que antes frutificava a Terra e matava a fome
dos homens? Zeus porta-raios, aquele que tudo sabe,
ao ver que as flores murchavam e que as plantas não
frutificavam, mandou convocar Deméter
ao Olimpo, mas ela – a mazela do desgosto
a sufocar-lhe o peito – mandou dizer ao Pai
que nunca regressaria à Pátria sem a ninfa
de beleza em flor, pois que somente Perséfone
em sua juventude guardava o segredo dos ciclos
da Vida. Envelhecida e envergonhada, a Mãe
exilara-se na Terra, carcaça estéril. E, símile
à deusa, a Terra entrou em menopausa. A fome
e a miséria grassaram em campos e cidades.


V



BELA QUE SE DISPUTA


Não nascera Ascálafo ave noturna, mas era
o seu dever ficar acordado a noite inteira
velando a rara presa, mais bela que Helena:
que outra mulher se disputa em três reinos?
A Mãe a queria consigo; Hades a raptou;
e logo se veria o Olimpo a reclamá-la.
E eis que aos Infernos enviou Zeus Pai
emissário de respeito, o deus Hermes,
hábil negociador que sabia dos caminhos,
para que o deus das trevas tomasse tino de que
– fora decisão de Zeus! – Perséfone teria
que deixar para sempre o mundo trevoso e ir
ao encontro da Mãe no Reino Mátrio da Terra,
pois só assim Deméter chorosa voltaria
ao Olimpo, Pátria de todos os deuses eternos
nas alturas do céu. Prontamente anuiu Hades:
por mais odioso que o digam, louco não era
de se contrapor à decisão de Zeus. Mas
quando todos já consideravam inexorável
que Perséfone se safasse das profundezas,
aconteceu o grande escândalo: Ascálafo,
servo fiel do Reino das Sombras, contou
ter visto aquela deusa que tanto se disputa
com um bago de Hades em sua boca – romã,
amor inverso em versos do Odioso. –
A Mátria e a Pátria estremeceram de dor
Profunda: Perséfone estava perdida
para sempre! Doravante os Infernos seriam
o seu reino – Tálamo! – onde ao deus odioso
a quem agora pertencia e aprendera a amar
iria servir as suas sempiternas delícias
por inteira metade de cada ano; os dois
quartos restantes elas reparti-los-ia
entre Terra e Olimpo; naquela a cuidar das plantas,
e neste a gozar da companhia dos seus.


VI


AS DEUSAS


Deusa a Terra nunca foi, nem mulher. Os homens
a amam por temerem seus muitos mistérios
e por precisarem dela para aquele fenômeno
a que chamamos de Vida. Porém, como as mulheres
são deusas tão cheias de encanto e mistério
em cujo gracioso corpo grassa a vida
ávida após ali ser plantada e semeada
a semente do amor, também a romã que tem
plantadas e semeadas primícias na Terra
graciosamente grassa quando respeitados
os mistérios das estações. E porque ainda
a Terra é velha e é menina aí também
ela se assemelha às deusas com menarca,
menopausa e fertilidade. E foi por isso
que os homens escolheram dentre tantos numes
justamente aquelas duas – Deméter e Perséfone –
a serem para sempre chamadas As Deusas:
mais do que quaisquer outras as duas encerram
em seus mitos tão cheios de graça o mistério
da eternidade. Assim a Terra deixou de ser
mera estrela de lama e se tornou nume brilhante
única e exclusivamente por causa das mulheres.


Antônio Adriano de Medeiros

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