quarta-feira, 16 de março de 2011

Reflexões sobre o Tempo


O bom de se escrever sobre mitologia grega e sobre os grandes poemas dos gregos é que a gente aprende muito. Ora, pois não é que descobri que Crono e Tempo não são a mesma palavra, mas apenas se aproximam? Foi um trocadilho que aproximou o deus castrador do pai e que engolia os filhos, do Tempo; as palavras em grego são bem semelhantes, só muda uma letra.

Claro que um poema como a Tegonia de Hesíodo é irretocável, é uma pedra fundamental da humanidade, e não se pode querer encontrar ali "verdades científicas" que hoje sabemos. Apenas brinco com as Meninas na roda, porque gosto de vê-las cantar e dançar, bem de longe, encantando agora a dois mortais, um tão pequeno diante do outro como certamnete era o pastor diante do Tempo, deus.

Está incompleto ainda, com três partes, o poema Reflexões sobre o Tempo.

E devo dizer a quem ainda não é habituado a poemas no estilo grego clássico, que os poemas se escrevem assim, sem rimas, e com procurando dar aos versos dez ou doze sílabas poéticas (a última, se for átona, não conta; pode-se descontar umas átonas tamvbém no meio dos versos).

Malgrado o escrito tenha relação com momento existencial meu, resolvi separá-lo do que julguara ser seu preâmbulo, o poema "Sá as Mães são Eternas", pra não ficar este poema abaixo um poema franksteiniano, ou seja, com estilos e forma diferentes.

Ao chegarmos à quarta parte do poema, ao final se percebe que elementos estranhos à Teogonia hesiódica começam a aparecer, outros deuses, ou supostos deuses.

Esqueci de dizer antes que os poemas de Homero eram rimados (a rima tinha a finalidade de facilitar a memorização, e vale lembrar que Ilíada e Odisséia - como também a Teogonia de Hesíodo - são anteriores à escrita). Na tradução para o português (e outras línguas) a rima tornou-se desnecessária, que o importante era a tradução literal dos belos versos de Homero ou Hesíodo. Por isso a tradição de poemas "gregos" ser sem rima em bom português.


REFLEXÕES SOBRE O TEMPO

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Não teria sido por maldade. As Musas
não são más, elas apenas são melífluas,
- além de sábias e tão encantadoras -
e quando o velho pastor se aproximou
- Hesíodo, cumpre dizer, era seu nome -
as filhas de Memória decidiram dar
aquilo que ele também tanto desejava
tão somente porque aquele velhote
agiu com delicadeza: pois que ele fingiu
que não desejava delas a carne tenra.
Reconhecendo seu lugar o pastor
ganhou das meninas não só a afeição,
mas sobretudo aquele prazer inefável
de poder contemplá-las e ouvir seu canto.
E assim como o simples pastor foi gentil
ao fingir que não lhes desejava a tenra carne,
igualmente as princesas olímpicas o foram
ao decidirem mentir para aquele homem.

II

Sim, porque assim como não se deve
falar de corda na casa de um enforcado,
igualmente seria deveras indelicado
sobrepujar o valor do Tempo frente
a alguém já entrado em anos. E as Musas
- moças finas e educadas - primavam
em seu melífluo canto, sobretudo pela
delicadeza. Outrossim, ninguém vá
- Por favor, leitora, tenha piedade de mim! -
imaginar que, neste simples arremedo
que é meu canto, se esteja a insinuar
que as princesas de Zeus e de Memória
não passavam de meninas caprichosas
dadas ao tão desagradável e feio hábito
da mentira contumaz. As Musas sempre
foram moças muito sinceras. Ora, se até
mesmo elas alertaram o velho pastor!
Pois não foi o próprio Hesíodo quem
nos contou que elas mesmas já no início
de seu tão melífluo, sábio e salutar canto,
o avisaram, tão sinceras que eram, de que
"mentiras sabemos dizer símies aos fatos"?


III

Quem de origem nobre não respeitaria
seus antepassados e naturalmente não
procuraria conhecê-los bem a fundo?
Ora, como poderiam as tão instruídas Musas
desconhecer que o seu próprio avô, Crono,
o ardiloso, era na verdade um disfarce
que o infatigável e antiquíssimo Tempo
- deus de natureza tão complexa que nem
mesmo Mnemósine, que julga tudo saber,
pôde instruir as filhas sobre sua origem -
pois bem, um disfarce que o único dos deuses
a quem, sem medo de se cometer um erro,
podemos dar o grave epíteto de Eterno,
usou para poder se apresentar assim
sem humilhar ninguém entre tantos deuses
menores? Sim, porque se houve um princípio,
este princípio foi o Tempo, e quando as Musas
disseram a Hesíodo que por primeiro nasceu
Caos, apenas procuraram ser gentis
para com o mortal, primeiro para que ele
tivesse a impressão de que antes de seu
grande poema não havia nada, e Hesíodo
assim poderia também até se incluir
entre os deuses criadores, e ainda depois
para que o mortal não se sentisse melindrado
ao constatar que o maior dos deuses era
justamente aquele que muito em breve
iria devorá-lo. De forma que podemos dizer
que aquelas netas saíram ao avô.

IV

Que Céu e Terra ainda copulam ninguém,
tendo juízo, ousaria duvidar. Porém
não mais qual nos primórdios do mundo,
quando o faziam de forma ininterrupta
e bastante violenta para a deusa, a qual
além de viver grávida o tempo todo,
quase morria de uma congestão, pois Céu
ainda a fazia ocultar nas estranhas
os filhos paridos, assim os privando da luz.
Sem outra saída ela deu a foice a Crono
para castrar o pai. Foi um golpe bem preciso,
e o velho nume desmaiou de medo - e dor -
ao ver um pedaço de seu enorme membro
boiando sobre as águas do mar. Todavia
Crono, malgrado o que dizem, foi muito
misericordioso com o seu velho pai
e não o castrou, apenas circuncidou-o
- o que foi a um só tempo uma medida
tanto educativa como também de higiene.
Desde então a rica prole de Terra e Céu
não mais gerou monstros nem gigantes, porém
deuses algumas criaturas ainda julgam
ser. A controvérsia a respeito é muito séria,
e verdadeiras guerras têm sido travadas
envolvendo legiões de Terra e Céu.
No centro da questão está o Tempo, deus
que parece zombar de quem se julga eterno.


(continua...)

Antônio Adriano de Medeiros
mar- 2011

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