segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Risco

imagens google


RISCO

"Risque meu nome de seu caderno..."

A folha em branco está
desinfetada de versos.

Nenhum som dos de palavras.

As sílabas sibilam solilóquios
dissociados.
O ritmo ri de mim.
A rima azeda, e a métrica
se despedaça.

O versos se repelem,
alérgicos entre si.

Só cabe ao poeta correr
o risco.


Antônio Adriano de Medeiros
fev 2011


O versinho citado é de Risque - Ary Barroso

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O que é um poema?


UM ACINTE

"Como é bom poder tocar um instrumento"
Caetano Velloso


Meu poema é,
meu poema não é.

Palavra viva na sepultura,
um belo quadro, uma partitura,
um canto mudo.

Não tem imagens, é só moldura.

Um quase nada
onde cabe tudo.

Um poema é um instrumento
para tocar o sentimento
de quem o lê.

O poema nunca é triste,
porque existe
você.

A quintessência da arte
é ter o requinte
de ser um acinte
in verso.


Antônio Adriano de Medeiros
fev - 2011

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

A Guia da Paz


A águia talvez seja o animal mais usado em efígies de poder, bandeiras e símbolos de guerra, a paz ficando sempre com uma inofensiva pomba, prima talvez daquilo que representa o que a ideologia cristã chama de Espírito Santo, o que desce até o homem - aprendi que tem outra ideologia que fala não de uma Trindade, mas sim de uma Quaterna, sendo o Criador duplo, Macho e Fêmea, depois o tal Filho (a Perfeição, o homem só chega até aqui), e Aquilo que desce para permitir a ascenção da criatura humana -. Embora a grande pomba seja capaz em seus vôos de cobrir grandes distancias e voltar, seu vôo é sempre baixo, nunca alcançando altitudes condoreiras, e acredito que a Poesia não esteja satisfeita com vôos baixos. Por outra lado Mãe Águia, embora mate inimigos, creio me disse recentemente que estava enjoada e enojada dos homens da guerra, e queria também ser símbolo da Grande Paz, da Paz da Águia.

O que a Águia da Poesia me disse também - e é essa a idéia do presente soneto - foi que fazer poesia não deve ser meramente um ato fisiológico, como comer, transar, ou outros atos que as normas sociais impõem serem feitos longe dos olhos. Ou seja, que a Poesia deve ser uma das formas pelas quais o homem deve esforçar-se para atingir a tal da Perfeição.


ÁGUIA DA PAZ

A águia inda com dor saiu do ninho
num võo solitário para o alto,
mas lá em baixo viu, com sobressalto,
um poema no meio do caminho
oculto estre pedras espinhos.
Armando o seu golpe infalível,
com fome, precisão, e com carinho,
foi buscar sua caça imperecível.
Logo o Diabo, velho feiticeiro,
faz surgirem falsas miragens vivas
de caças rechonchudas, nutritivas.
Mas, em um golpe rápido e certeiro,
a águia desce com perfeita calma
e colhe o alimento para a alma.

Antônio Adriano de Medeiros
fev - 2011

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Poesia em traje de gala

thejewishbride, imagens do Google

O Soneto (do italiano sonetto, pequena canção, ou, ao pé da letra, pequeno som, sonzinho) classicamente tem catorza versos; o soneto latino, ou italiano, desenvolvido por Petrarca, tem dois quartetos e dois tercetos; o soneto inglês, desenvolvido por William Shakespeare, tem doze versos e um distico, ou pra quem prefira três quartetos e um dístico; há ainda quem fale de um soneto monostrófico, de uma estrofe única, mas não vejo diferença de tal soneto com relação ao inglês quando o mesmo termina em um dístico, pois Shakespeare não separava os quartetos.

O Soneto pode ainda ter mais versos, de um a três, chamados tais versos de estrambote, falando-se então do soneto estrambótico.

Devido aos excessos formais do Parnasianismo, modernistas e pós-modernista, alguns respeitáveis, criticaram e zombaram do Soneto, e a anárquicos acéfalos e porraloucas em geral chegaram a decretar a "Morte do Soneto" (!). Mas, no Brasil, poetas do nível de Manuel Bandeira e Vinicius de Morais cultuaram os catorze. Talvez tenha sido Augusto dos Anjos o poeta brasileiro que mais escreveu sonetos respeitáveis.

Geralmente a quantidade de sílabas poéticas dos versos de um soneto é dez ou doze, mas isto já não é assim tão obrigatório.

O Bardo, "o Poeta", é como alguns se referem a William Shakespeare.

TRAJE DE GALA

Seria no mínimo deselegante
que se mostrasse, inda que bela, nua
a Poesia, ou fosse para a rua
trajando feias vestes aberrantes.
Só mesmo um verso muito ignorante
ou parvo, ou vil, ou louco, ou de mau gosto
para ocupar o seu tão nobre posto
mal vestido ou sujo - extravagante!
Cabe ao poeta - Estranha criatura! -
que a versos quer vestir com precisão
aperfeiçoar-se na alta costura
com régua, tinta, traço e coração.
E o traje de gala quem o fez
foi o Bardo, com o soneto inglês.

Antônio Adriano de Medeiros
fev - 2011

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Da divisão dos Infernos


Eventuais leitores,


é com grande emoção que narro hoje como se deu a Divisão dos Infernos, nos primórdios do cristianismo. Como sabe o leitor culto, os Infernos eram governados, segundo a tradição ocidental (grega) de Antes de Cristo, por Hades e Perséfone (ou Plutão e Prosérpina, para os romanos), e para lá iam todos os mortos: os bons para os Campos Elíseos, e os maus, para o Tártaro. Com a Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, quando o Homem pôde virar Filho de Deus, não mais poderia ir pros Infernos e sim pra morada dos deuses, nesse caso o Paraíso ou o Céu, muito acima do Olimpo, onde reina Deus Pai hoje, ainda segundo a tradição ocidental legada por gregos e romanos.

Mas não pensem que Plutão e a então Rainha dos Infernos aceitaram a coisa pacificamente. Vejam como se deu a partilha, de meu modesto ponto de vista, lendo o poema abaixo.

Ao que tudo indica foi coisa tramada pelos gregos e que os romanos (por ordem de Constantino, dito o Grande), envolvendo uma antiga crença judaica, esta já herdada (mas aprimorada) de egípcios e sumérios. Por isso que uma princesa egípcia, decerto zangada porque a participação da mitologia de seu reino foi praticamente ignorada, veio me contar...

A saga dos cristianismo, religião "populista" e que tem uma mensagem fácil para as massas (já pensou se chegar prum assassino ou um zé ninguém e dizer que ele é filho de Deus e que será perdoado se se converter ou "aceitar" Jesus?) nos faz perceber a importância de escrever: os sumérios (dizem que o Cântico dos Cânticos é sem duvida originário desse povo) quase nada deixaram escrito, os egípcios tinham um alfabeto muito complexo e uma mitologia animalesca muito difundida (coitado de Akhenaton!), e os judeus, inteligentes e pragmáticos ("Bons ladrões" no sentido do Mistério do Gólgota), tiveram o mérito de registrar tudo em seu livrinho, que depois outos quiseram conspurcar e até acabar com ele no fogo para que o livrinho ficasse todo com o cristianismo medieval; virou moda ter um livrinho (Maomé depois ecreveu um seu) e um Deus único se mostrou mais interessante para o Poder do Rei (um representava o Outro, e por aí vai) e para o Estado em si (O Estado vira Deus, infalível no fim das contas - Acho que em Jó, Deus diz "Só a mim pertence a vingança, só eu hei de retribuir", e o Estado diz que "A violência é monopólio do Estado").

Agora, apesar de saber e dizer essas coisas, continuo sendo católico, gosto de ir à Missa com padres que eu respeito, e ainda acho a minha religião uma das melhores (respeito também os presbiterianos, judeus, e batistas; com os espítitas, gosto de algumas coisas, mais da teoria - faz bem acreditar naquilo - mas a prática.... Deixa pra lá. Do islamismo e de outras religiões, não falo porque conheço pouco). Devo dizer ainda que gosto e aprecio sobretudo da Cabala teosófica; de ler, bem entendido.

Sei que é chato e mesmo falta de educação se meter nas crenças alheias, mas o fiz profilaticamente: quero dizer que não tentem me converter, porque não vão conseguir. Meu senso crítico é muito desenvolvido pra que eu possa me tornar fanático de qualquer seita, credo, religião, sistema, ideologia ou partido político.

Ou seja, Deus, como o Delírio, é coisa muito pessoal. Cada um tem o seu, na verdade, e só serve a quem O descobre e acredita Nele. Deus talvez seja um delírio que pode ser compartilhado e tornar-se construtivo.


Agora, depois dessa injtrodução quase erudita, vou decepcionar o leitor com fantasia poética num simples cordel...

Me perdoem!

abs, AAM

DA DIVISÃO DOS INFERNOS


Os seres mais pequeninos
são poderosos, leitor,
e que herdarão o mundo
garantiu Nosso Senhor,
por isso fui informado
sendo modesto escritor.

Eu carregava um andor
numa grande procissão
cantando uma ladainha
lá nas terras do sertão,
quando alguém se chegou
e beijou a minha mão.

Batucou meu coração,
a emoção me fez presa,
porque quem se aproximou
era a flor da natureza:
uma elegante mulher,
- encantadora beleza.

Me disse que foi princesa
lá nas terras do Egito,
seu corpo mumificado
enterrado no granito,
e que veio me contar
o relatado no escrito.

Eu fiquei muito aflito
pois tenho medo de alma;
ela viu ruborizar-me
e me disse pra ter calma.
Quando a procissão findou
ela também bateu palma.

Seu nome disse ser Jalma
a estranha criatura,
e que viera direto
lá da sua sepultura
só porque admirava
a minha literatura.

A princesa me fez jura
- com aqueles olhos ternos -
que sua estirpe real
julga os escribas fraternos,
e que viera contar
da divisão dos Infernos.

Disse que os tempos eternos
alteram as estações,
mudam a face do planeta
provocando as erosões,
e que as moradas dos deuses
também sofre alterações.

Me contou das mutações
depois da Ressurreição,
que Jesus se uniu ao Pai
na sublime ocasião,
e que o reino dos mortos
sofreu modificação.

Porque reinava Plutão
sobre as almas dos mortais:
o Tártaro recebia
os que pecavam demais,
e par'os Campos Elíseos
iam os dignos de paz.

Mas depois que Satanás,
- Lucifé, o tal de Cão -
desceu a mando do Pai,
fez-se nova divisão:
quem foi bom sobe pro céu,
quem foi ruim desce pro chão.

E me contou que Plutão
armou grande resistência,
porque o reino dos mortos
tinha a sua presidência,
e ele não aceitava
mudança de residência.

O Diabo, com insistência,
chegou zombando de Zeus,
disse que o chefe agora
se tornara um tal de Deus,
e que Plutão se mandasse
com os seus deuses ateus.

Mas Plutão juntou os seus
e teve início a batalha;
aos novos donos do céu
ele chamou de "canalha";
dizem que foi nesse dia
que se criou a navalha.

O Cão disse ser de palha
a antiga construção.
Então um raio caiu
e retumbou um trovão,
o Diabo pegou o fogo,
acendeu um charutão.

E soprou um furacão
que rachou tal mundo ao meio;
desgarrou-se o Paraíso,
Purgatório também veio.
Plutão deu-lhe um murro grande,
por isso que o Diabo é feio.

Pois Lucifé tinha asseio,
era um anjo educado,
mas da surra que levou
ele ficou transformado:
traumatismo craniano
deixa o cabra adoidaiado.

E quando estava prostrado,
Lúcifer caído no chão,
a Rainha dos Infernos
chegou com um pau na mão
- Se não fosse a Besta Fera,
teria matado o Cão!

É diversa do machão
a tal briga de mulher:
uma escanchadada na outra,
ora deitada, ora em pé;
enquanto a Rainha azunha,
a Besta dá pontapé.

Até mesmo Salomé
tentou seduzir Plutão
com a dança que tombou
a cabeça de Sanjuão,
porque se armara de foice
o cambaleante Cão.

Mas nessa ocasião
chegou o Falso Profeta:
uma negociação
era a saída correta;
os diabos pararam a briga
- ô audiência seleta!

Eis então que o profeta
falou par'os contendores:
- "Agradeço a atenção,
sou um servo dos senhores:
se não pararem tal briga,
só vão sobrar dissabores.

Eu não vou fazer louvores
a Jesus de Nazaré,
mas ele foi coroado
e Deus agora já é:
por que o Nobre Plutão
não se une a Lucifé?"

O Diabo jurou ter fé
em Radamanto e Minos,
e Plutão agradeceu
o elogio aos "meninos";
e nas igrejas do Cão
ouviram-se tocar sinos.

As fêmeas selam os destinos
abraçadas a Rainha;
logo sereias cantaram
uma bela ladainha.
Rainha disse pra Besta
- "Tu serás amiga minha!"

Mas Plutão traz picuinha:
- "Que corte mais salafrária!
Vocês nunca foram elite
mas mera corja ordinária:
eu aceito a união,
mas sem a reforma agrária!"

A Besta, que fora pária
- nada tivera na vida -
ganhando um terço das almas
se mostrava agradecida,
e disse que aceitava
mesmo a terra dividida.

Plutão chamou de "bandida"
e lhe fez uma careta,
mas nessa hora, no céu,
um anjo tocou trombeta:
descem milhões de demônios
para ajudar o Capeta.

Plutão viu a coisa preta
e o pacto aceitou.
A união dos demônios
com sangue se celebrou,
mas a Deus fizeram cena:
Exigiram Madalena,
porém Jesus não deixou.

De novo o clima esquentou,
mas eis que Satanás diz:
- "Há que ter-se alguma regra:
se Ele agora é Juiz,
nós somos seus empregados...
pois sejamos educados
aceitando o que Pai quis."

Mesmo os deuses mais vis
possuem dignidade,
e assim foi acordada
a infernal unidade,
pra receber pecadores
e infligir duras dores
por toda a eternidade.

Porém Plutão tem maldade
porque era um deus pagão,
e disse que aceitava
eesa maldita união,
mas com Netuno e Zeus
tramariam contra Deus
pra reaver seu quinhão.

E foi assim que o Cão,
que era um anjo fiel,
por influência do grego
se transformou em incréu,
E desde então o Inferno
vive em combate eterno
contra a corte lá do céu.

A princesa pôs um véu
e de mim se despediu.
Perguntei de qual dos reinos
ela desceu, ou subiu:
me chamando de "Pimpolho",
para mim piscou um olho,
e, sem responder, partiu.


Antônio Adriano de Medeiros

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Alto Verão



AMOR DE VERÂO

Cegos pelo amor,
nem notaram lá no céu
o olhar da lua.

Goza a praia. O mar
lambe relva e escarpas,
demorando em grutas.

Naufragam um no outro
e insepultos renascem
ao vai e vem das ondas.

No êxtase final
ao mar devolvem, exaustos,
as secreções de sal.


Antônio Adriano de Medeiros