segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

um cordel cinematográfico

foto encontrada em busca no Google. A bela família também quer um filho varão. Meu Deus, não precisa!



Não é qualquer Romão Polansco, nem Felino, Costas Graves, Pedro Alma de Ovo, U de Alien, nem mesmo qualquer Alfredo Rintintin Cócócócó, que estaria capacitado a dirigir com a mesma maestria as cenas eróticas desse poema: são cenas sempre sobrepostas, leitora, e quando a mulher se entrega ao amor adúltero, o marido, em outro lugar, está sempre fazendo algo de alguma forma relacionado àquilo que a boa Das Dores também faz - por isso, digo desse poema que ele é um cordel cinematográfico. Se bem que, convenhamos, chamar um poema desse de cordel é... Mas na verdade é um cordel, só que de qualidade.


A palavra "varão" é aqui usada em dois significados, tanto que o poema poderia também ser chamado de A Multiplicação dos Varões, não só pelo milagre do final - sim, um milagre, leitora! eu repito, um milagre! - mas também porque a palavra "varão" tanto se apresenta como um filho homem desejado, como uma grande vara tão sonhada - e - que alegria, que felicidade! - tanto o desejo como o sonho se realizam, o que coloca o modesto autor entre as boas almas que gostam de finais felizes para todos.

A cena inicial apresnta o herói, Inácio Leite de Pinto, desejoso de um varão macho mas desiludido com a esposa já na quinta gestação de meninas, preso, pois embriagado surrara a mulher no meio da rua. Logo a boa Das Dores vai ao não menos bom delegado Olavo Correia Danta (não sei se o leitor sabe que a Anta é um dos animais mais bem dotados que existem...) contar a história, que Inácio é bom padeiro e bom pai, mas que todos queriam tanto um varão... O dedicado funcionário público, então, toma as medidas cabíveis e... Bom, o poeta conta melhor que o prosador.

Ficarei uns dias sem atualizar o blogue, como faço sempre que um cordel de qualidade fica em exposição.

absaam


O VARÃO TÃO DESEJADO


Inácio Leite de Pinto
já dormiu numa prisão;
foi quando bebeu cachaça
e fez grande confusão:
deixou sua mulher nua,
arrastou pro mei da rua,
e lhe deu um bofetão.

Das Dores da Conceição
chorou muito nesse dia.
Porém na manhã seguinte
foi lá na delegacia
dizer não ser seu marido
vagabundo nem bandido,
pois trabalha em padaria.

Que ultrassonografia,
exame que ela fez,
trouxe como resultado
gestação de quatro mês;
quatro filhas já gerou,
e o exame mostrou
uma menina outra vez!

Antes de tal gravidez
Inácio, homem de fé,
havia feito promessa
implorando a São Tomé
que lhe mandasse um varão;
reforçando a petição
na macumba e candomblé.

Que também pra Lucifé
Inácio quis apelar
pra que enfim um varão
adentrasse no seu lar;
e que do pacto abriu mão
ao saber que o Cão
costuma trapacear...

E que passaram a tentar
toda noite e de manhã,
tanto em papai-e-mamãe,
qual no torno e alazã.
Com Viagra e catuaba
Inácio quase se acaba
pra conseguir seu afã.

E que ao perceber vã
sua luta ficou bravo.
A cachaça o transformou
no próprio Henrique Oitavo:
chamou de Ana Bolena,
Praga da Gota Serena,
e cometeu o agravo.

E assim Doutor Olavo,
que era um bom delegado
com formação humanística,
pois já fora advogado,
mandou em Inácio Pinto
darem uma surra de cinto,
e liberou o coitado,

Das Dores olhou de lado
quando o Doutor revelou
que a esposa de seus bagos
quatro filhos já gerou:
– “Se a senhora é mãe de quatro
talvez para o bom teatro
um par perfeito encontrou...”

Inácio Pinto passou
uma semana trancado
porque a surra de cinto
tinha-o deixado marcado.
Mas quando tudo passou
ele nunca reclamou
do bom doutor delegado.

Nem ficou desconfiado
quando a menina nasceu
e das Dores lhe falou:
– “Atende um pedido meu?
Ele foi tão educado...
Chame o doutor delegado
para ser compadre seu!”

E assim aconteceu
augusta festa de paz.
O padre até invocou
os anjos celestiais.
Todavia Inácio Pinto
não esquecia do cinto,
nem também de Satanás...

Porque Inácio jamais
dentro do seu coração
desistiu de ter em casa
um grande e forte varão,
e estava decidido
a fazer o seu pedido
dessa vez ao próprio Cão.

Montou no seu alazão
quando o dia amanhecia.
Botou a bença às meninas,
se despediu de Maria,
e sumiu pela estrada
levantando a poeirada,
sem dizer pra onde ia.

E quando no sexto dia
não apareceu Inácio
Maria ao delegado
foi pedir que encontrasse-o.
Ao vê-lo leva um tombo;
ele elogia o seu lombo,
Maria responde – “Trace-o!”

A Das Dores não foi fácil:
quando viu, teve um entalo.
Quando o homem se escanchou
mais parecia um cavalo.
Ela botou pra dar coice:
gritou qual briga de foice,
sangrou qual briga de galo.

Mas depois de suportá-lo
pela via natural
ela engoliu uma espada
e tirou leite de pau:
que nem menininha esperta
ela fez a coisa certa
e tomou todo o mingau...

A via antinatural
o doutor quis conhecer,
Na beirada do birô
Maria a se remexer.
Primeiro a mulher babou;
estremeceu, desmaiou...
Ele pensou – “Vai morrer...”

Mas não pôde interromper,
possuído pelo Cão,
mesmo vendo que Maria
já entrara em convulsão
– “A coitada é epiléptica...”
– “Não, doutor, estou elétrica
pois nunca fiz isso, não!”

Nessa hora o alazão
de Inácio relinchou
lá nos Cafundós do Judas,
e feiticeiro falou:
– “Ir pra casa cê já pode,
porque o Distinto Bode
o seu pedido aceitou!”

Delegado grita – “Gol!”,
se retira com afagos.
Porém vendo que Das Dores
ainda quer dar uns tragos
– “Tá suja”, lhe diz Olavo.
Ela responde – “Eu o lavo”,
e engole até os bagos.

Qual quem recebe de magos
presentes especiais
Inácio se ajoelha,
abre seus braços e faz
prece em agradecimento
porque vai ter um rebento
por graça de Satanás.

Com dor na frente e atrás,
gosto de fel na garganta,
e semente que plantou
Olavo Correia Danta,
Maria adentra o seu lar
às filhas a abraçar
com o seu jeito de santa.

Contou que uma jamanta
na rua a atropelou.
Mostrou escoriações,
em seguida se deitou,
mas não sem antes falar:
– “Até se seu pai chegar
cês digam que não estou!”

Com três dias acordou
querendo comer saúva.
Vestiu-se toda de preto
julgando já ser viúva.
No calor do meio-dia
as filhas viram Maria
sentindo cheiro de chuva...

Pela janela uma luva
trouxe mau pressentimento:
era Inácio que voltava
escanchado num jumento,
pois o alazão ficou:
o feiticeiro cobrou
e teve seu pagamento.

Ligeiro que só o vento,
num movimento preciso,
Inácio disse a Maria:
– “Vem amor, que eu preciso!”
Ela disse: – “Eu quero tu!”
Porém quando o viu nu
caiu em frouxos de riso...

– “Tu perdeste teu juízo,
Das Dores da Conceição?
Me diga o que há contigo,
razão de meu coração!”
E lhe respondeu Maria:
– “É riso de alegria,
meu amor, minha paixão!....”

Mas só numa posição
que Das Dores consentiu;
negou-se a ficar de costas
quando Pinto lhe pediu:
– “Cê quer fazer uma aposta?
Que Papai do Céu não gosta
do que me pediste, viu?”

De noite não permitiu.
Inácio ficou zangado,
e Das Dores lhe lembrou
do “cipó do delegado...”
Porém na hora da bóia
ela quis comer jibóia,
Inácio riu pra danado...

Na outra noite o coitado
em sua cama deitou,
não sem tomar catuaba,
mas Das Dores recusou:
–“Quero banana-caixão...”
–“Amor, não em jeito, não:
o mercado já fechou...”

Maria muito chorou,
esperneou e grunhiu.
Inácio, preocupado,
lhe contou porque sumiu:
foi fazer pacto com o Cão.
Ela lhe disse: – “Um varão
já tenho aqui dentro, viu?”

O bom Inácio aplaudiu
mas depois desconfiou.
Maria, toda matreira
disse que ontem sonhou
que dormira com chifrudo
-"um malcheiroso, um rabudo"-
o qual a engravidou.

O bom Pinto respeitou
os caprichos da danada:
pois podiam ser sinais
de que estava amojada,
e havendo gravidez
sexo uma vez por mês
era a quota da casada.

Quando foi de madrugada
algo estranho aconteceu:
a bela, adormecida,
babou e estremeceu.
E gritou: – “Vem, meu cavalo!
Bota tudo, até o talo,
porque este rabo é teu!”

Inácio não entendeu,
mas abraçou a mulher.
E ela assim lhe respondeu:
– “Para trás, Cão, Lucifé!
Eu tava tendo um bom sonho
e me chega esse medonho
que vive no candomblé...”

Inácio disse: – “Ah, é?
E me poderá contá-lo?
Pois você gritou dormindo,
mencionando cavalo
e coisas sexuais...
Ah, eu quero saber mais!
E você vai revelá-lo!”

– “Calma amor, eu tudo falo:
talvez estranho lhe soe,
sonho de mulher buchuda,
já vou contar como foi...
Estrada de sete légua,
um cavalo e uma égua,
e depois chegou um boi...”

– “Ah, de mim cê não caçoe:
e o que tem de bom nisso?”
– “Eles estavam transando
e gostei de ver o viço...
Senti um prazer danado,
e gritei para o montado:
- termine todo o serviço!”

– “Ah, meu bem, então foi isso?
Pois queira me perdoar
que coisas de traição
já andava a ruminar...”
Das Dores pensou – “Seu corno!
Tô com saudade é do torno...”
E pôs-se alto a roncar.

Ela então deu de mostrar
sempre um novo capricho.
Um dia quis andar nua,
no outro, dormir no lixo;
depois pediu pra ser presa,
quis fugir pra Fortaleza
e cismou que fosse um bicho.

Logo correu um cochicho
que foi um deus nos acuda:
Das Dores ou endoidara
ou estaria buchuda.
Armado de cinturão
viu-se Olavo no portão
oferecendo ajuda.

Das Dores, mulher miúda,
ameaçou passar mal
e disse: – “Doutor Olavo,
Inácio anda tão legal...
Já eu estou caprichosa:
dei pra mentir, tão dengosa
que estou merecendo pau...”

Depoimento total
foi dar na delegacia:
evitar nova agressão,
fazer a profilaxia...
Ela deu admissão
e acharam a posição
que ali melhor caberia.

Inácio na padaria
estava amassando o pão.
Das Dores tinha seu corpo
amassado pelo Cão.
O bom freguês sempre paga:
biscoito, coxas, bisnaga,
bolos, suco, salsichão.

Das dores grita: – “É tão bão!
Meu amado, assim eu morro!”
Trepa e rola pelo chão,
sobe até bater no forro.
Ao estranho expediente
eis que acode um tenente
que ouve gritos de “Socorro!”

De susto lhe cai o gorro.
Olavo pede perdão.
Mas o tenente é danado:
quer a sua posição!
E a cristã, consciente,
se ajoelha à sua frente
e faz a sua oração.

E assim não foi em vão
que Inácio promessa fez:
ele queria um varão
e do Cão virou freguês.
Eis que algum tempo depois
não um varão, porém dois
surgem, no oitavo mês.

E assim era uma vez
uma casa sem varão:
Inácio vê um na sala
e outro no corrimão.
Já Das Dores, meu freguês,
além de ter esses três,
tem sempre mais dois à mão.

Que fique pois a lição
àquele que um dia ousar
apelar ao velho Cão
quando algo desejar.
Que fique pois avisado:
ele atende de bom grado,
mas não sem trapacear...



Antônio Adriano de Medeiros