domingo, 30 de setembro de 2012

Os poemas da semana e a frase do semestre



Toda frase que nos toca no sentido de revelar algo que antes não percebêramos ou algo que já sabíamos mas nunca fora dito por pessoas oficialmente importantes, transforma o enunciador, ainda que no passado tenhamos nutrido para com ele alguma reserva, em um doce mestre. Mas a frase, que digo do semestre porque certamente o jullgamento do mensalão será o assunto mais importante no teatro de gala picadeiro pau-de-arara e taba onde transcorrem os fatos socioculturalmente importantes da cena brasileira quiçá até do ano, disse-a Miro Teixeira, deputando fluminense, hoje na Folha de São Paulo.

Os cursos de Engenharia, Direito e Medicina ainda são, ao lado da vocação religiosa verdadeira, creio eu, aqueles que operam no coração do estudante as mais gratas transformações, e é patético ver nos outros a vibração, a exaltação e a empáfia que decerto também já a tivemos e não admitíamos censura alguma na boa e sonhadora juventude, naqueles momentos grandiosos em que, tomados por uma Verdade subitamente revelada, pairam acima dos mortais comuns, causando inveja e admiração e embasbacamento nos mortais comuns que o cercam como certamente as Musas, nove ou dez, causavam nas belas mulheres na memória ideal do Homem e do Tempo. Me afastei da Academia e mesmo digamos da companhia dos médicos sábios (talvez queira pôr alguma ironia aqui - podem rir de mim!) porque alguma coisa em minha alma cabocla e cangaceira anarquista criada em casa grande à beira de açude de pequena cidade sertaneja, e mimada por quatro irmãs e um irmão extremamente culto - herdeira certamente da Cacimba da Velha primordial de um de Medeiros original, o Sebastião, herdada por Ignácio Baptista de Medeiros, dito Inácio Batista  Velho, ou mesmo do idealizado Possão do Velho Amaro, este idealizado na memória eidética de minha boa, falante e sonhadora Mãe, real e mitológica, pois bem algo em minha alma irrequieta não consegue se controlar nos momentos em que os Mestres se equiparam aos deuses imortais, e subitamente pesca de águas profundas ou pega no ar misterioso e mal oxigenado alguma mensagem trazida por um pássaro da Memória Atávica do Tempos Ideais, e faz aquela observação inesperada que revela aos demais que o pretenso deus é só um mortal comum como nós, até mesmo - me perdoem, por favor, se julgarem pretensão, até mesmo como eu... - e nesses momentos o deus que cai fica com muita raiva (a primeira reação do maniforme contrariado é a irritação, depois a raiva, em seguida a fúria e a agressão, e não raro persiste um rancor crônico; há quem diga que as explosões de agressão e morte em brigas de trânsito vêm do fato de que o cérebro humano experimenta um prazer tão grande ao guiar um carro que, estando a mente intoxicada pela euforia e naturalmente que também pelas substanciazinhas ali ora abundantes, reage também conforme o modelo radical do infeliz (? - Rá, rá, rá!) maníaco no episódio agudo da velha e boa Psicose Maníaco Depressiva). A alma de homens assim, como decerto a minha também, demora a digerir certas coisas, e assim o mais fraco há que arcar com os prejuízos, mas quando isso parece não ter fim porque, como gostam de dizer, "geografia é destino", a alma do sertanejo termina indo se esconder com os calangos nos serrotes dos xique xiques, a seus olhos muito chiques.

A frase de Miro Teixeira é a seguinte:

"Nós sempre soubemos que os juízes e os ministros não são divindades. Pena que eles só descobriram agora."

(Do deputado federal Miro Teixeira, PDT-RJ, sobre os recorrentes desetendimentos entre membros do STF durante o julgamento do mesalão - Folha de São Paulo)


                                                      *            *            *


Falar nos ar das alturas, lembrei que minha condoreira alma sofreu boa peça pregada pelo corpo de bípede maníaco que ora a hospeda, semana que passou. Acredita que de repente meu sangue se tornou inoperante, como se eu tivesse sofrido uma hemorragia e perdido dois terços do rio vermelho que corre em meu corpo e me nutre? Uma fraqueza e uma dor de cabeça eram grandes. Ainda na Paraíba, busquei ajuda de parentes médicos, mas o mesmo, surpresos com o fato de um simples psiquiatra dizer que estava precisando de "uma papa de hemácias", sem antes cosultá-lo com sintomas e exames a respeito, duvidaram peremptoriamente e se negaram a desperdiçar o sangue paraibano com possíveis queixas delirantes, sei lá; e só no dia seguinte, quando eu estava prestes a seguir viagem para Natal em busca do bom sangue potiguar, chegou a sábia autoridade com ameças de internamento urgente pois eu estaria "sem condições de dirigir".

O sangue bom potiguar deu sinais logo na acolhida, e chegou literalmente, no volume necessário, pelas quatro da tarde, após exames necessários, aquele sangue fez um bem tão grande ao meu corpo que o coração todo feliz já na noite do dia seguinte queria fazer estrepolias de trapezista no ar, encantado com a lua; claro que os bons amigos médicos ás vezes se excedem em seus cuidados, e diante da recomendação escrita de ser rapidaemte internado "só para avaliação e exames" por um hematologista me deixou cismado, pois tais especialistas andam muito próximos dos cardiologistas, e, sendo meu coração genética e funcionalmente bastante saudável, prefiro ficar distante de tais profissionais e suas drogas potentes e exames invasivos, pois vá que eu tenha uma emoçao forte e seja diagnosticada uma arritimia e aí... Vae victis!

Resta saber, quem, o quê, que estranho mal, entidade mórbida ou sobrenatural, habita absconso nas sombras profundas de difícil acesso do meu ser tão bem trabalhado por Cronos a partir da poeira primordial das estrelas, um ser que, não sendo sobrenatural, deve ser um monstrinho bem pequenininho mas que costuma crescer e sacanear a casa que o hospedou, fazendo a revolução em nome do povo proletário dos vermes, bactérias e insetos.

Em suma pode ser um câncer ou tuberculose ou coisa assim, e disponho de alguns dias para decifrá-lo com a ajuda de alguém mais sábio e experiente. A Anemia poderia resultar também de uma crônica e grave avitaminose B que teria provocado uma infecção oportunística talvez de origem fúngica, mas outros sinais indicam a possível presença de um daqueles dois agentes da revolução universal do proletariado dos pequenos seres, e tal hipótese, a fúngica oportunística, parece não ser levada muito a sério.

Suspeito ainda, sempre, dos seres sobrenaturais,  da velha Batalha do Bem e do Mal, a tudo assistindo, e  de herméticos mensageiros carregando recados, ordens, bilhetes e despachos dos deuses invisíveis. Quanto a Ele? Não tá nem aí em suas brincadeiras criativas com Ela, e só em último caso tomará alguma partido.

Mas eu não sou digno...

                                                              *          *          *

São quatro poemas, dois poemas livres e dois sonetos. Interessante que os dois sonetos têm o dístico final, os versos 13 e 14 rimam entre si, e cheguei a pensar em inglesá-los, eles que nasceram latinos  e ciosos de suas estrofes perfeitas de tão bem trabalhadas. Nossa, mas como protestaram, eles, os sonetos, quando pensei em inglesá-los por achar a forma dos versinhos todos juntos mais discreta e elegante, depois que conheci a elegância dos sonetos de Jorge Luiz Borges. Deus me livre de irritá-los, Deus me livre de ao menos pensar em mexer naqueles quartetos e tercetos! O meu nome agora é Nunca Mais.

Os dois primeiros falam de insetos e moscas. O primeiro, o Dos Insetos, foi um poema de Nanin que cresceu demais, como o pé de feijão de Joãozinho, assustou o Menino e o Adulto assumiu o prejuízo. Fala sobre si mesmo, dispensa pois demais cometários.

Os dois sonetos têm algo em comum, e juro pelo que é mais Sagrado que só o percebi na hora de comentar: ambos se referem a mulheres mortas em crime passional, que retornam do além, ora para amedrontar o assassino, ora para o deleite daquele que a amava e era retribuído, alguém que não era seu marido. Não gosto de falar sobre isso, mas sempre que a idéia ou ameaça da morte ronda o meu ser, lembro de minha irmã, Dinha, que partiu tão cedo, ela que me botava pra dormir quando bem criança balançando numa rede e cantando "Xô, xô, pavão...",  assassinada em crime passional extremamente cruel em Boa Viagem, em cuja casa então eu morava, por uma ex-amante do marido que se fantasiou de paciente e marcou consulta no último horário do dia de uma festa na casa e... A assassina da dentista era formada em Medicina.

Hoje teve que sair. Tem 30 anos.

Finalmente, assumidamente para um outro tipo de irmã, uma aeda, uma rapsoda, a cantora Cássia Eller, o poema O Dia da Cássia - Dor! É uma ficção poética, vez que a causa oficial da morte de Cássia Eller foi "infarto do miocárdio", inclusive com laudos toxicológios e cardiológicos que confirmam tudo muito bem.

Há um video no youtube onde Cássia, tão jovem, tão bela, canta aquela que foi a música  que despertou em mim o interesse pela Danada, Eleanor Rigby. Há legendas no vídeo. Da voz é desnecessário falar, mas não custa dizer que a pele estava ótima.

Vale a pena ir em http://www.youtube.com/watch?v=3nDk12b4Vq0

Tem também ECT, acústico, em: http://www.youtube.com/watch?v=muS41ZXfijk

absaam




DOS INSETOS


Também dentre a grei do seres diminutos
pairam nuvens de insetos: a indesejada gente
dos barbeiros e das mariposas - jamais serão homens!
Vivem a parasitar a luz verdadeira, desprovidos
que são de luz própria, tristes vagam lumes
de pequenos seres pseudo-luminosos,
de carona com a peçonha das ferroadas,
reles imitações das verdadeiras picaduras
venenosas de que só sabem os répteis sinuosos
e mais sutis porque se misturam com o relevo, deslizantes.

O bater de suas asas irritantes me lembra
um helicóptero de ares belicosos, por isso a mim,
menino desconfiado, um inseto é sempre um animal
suspeito, traiçoeiro pedaço da natureza dos vermes;
querem reduzir tudo a seu pequenino
universo de insignificâncias.

O diabo mau não tem coragem de, ou não pode, mostrar sua face,
usa disfarces diminutos prenhes da falsa cor,
do mimetismo das borboletas que só prestam mortas,
do cantar dos grilos irritantes,
da luz monótona e pantanosa dos vaga-lumes,
da alternância sutil de esperanças e gafanhotos,
da podridão das moscas, tapurus alados,
das doenças e inflamações dos besouros,
coisas de marimbondos, cavalos do cão.

Ai, como é pobre o vampirismo dos pernilongos.

Nada a dizer sobre as pestes homicidas,
sintetizar antítodotos contra pseudópodes
mal empregados os sons, nunca articulados;
mesmo os artrópodes ora pulam na pele de vira-latas,
ora se escondem como aranhas nojentas,
quando não nos pêlos de gatas sebosas.

Tenho minhas reservas contra os bichos.



               Antônio Adriano de Medeiros




ELA


Quando ontem cheguei em casa
ela abraçou-me com seu vôo circular;
acho que me esperava no sofá.
- No ar haveria um cheiro de carne em brasa?

Tão musical o zumbido daquelas asas
insistindo em me acompanhar,
a me lembrar os gemidos, as algazarras
que a falecida fazia nas horas de amar.

Virá da cova rasa a qual ela perfuma,
esta mosca travessa? Será parte de alguma
de suas carnes? Quais? Das que inquietam?

- E toda noite vem uma: decerto me espreitam.
Moscas verdosas que acendem como vaga-lumes
a lembrança dela, a quem matei por ciúmes.


               
                    Antônio Adriano de Medeiros





SONETO DO AMOR IMORTAL


Eu sempre volto triste ao cemitério
onde está enterrado o meu amor.
Naquela cova esconde-se o mistério
que transforma em riso a minha dor.

Ai nosso amor tão grande e proibido
não acabou no crime passional
que um feioso e gorducho marido
julgou seria o seu ponto final.

Plantei naquela cova a erva rara
que à  minha amada era tão cara
- Ela que não era má e nem medonha...

Num trago demorado a alma sonha
unir-se a partículas de Beatriz...
E no resto do dia eu sou feliz.


              Antônio Adriano de Medeiros
              Antologia de Escritas, n 1






O DIA DA CÁSSIA - DOR!


- mera ficção romanceada pretensamente poética -


                                                                                                           à memória de Cássia Eller




- O homem médio abomina, amiga,
aqueles ares aos quais você nascera habituada,
pois não consegue respirar neles e, desconhecendo-os,
não quer permitir que ninguém voe naquelas paragens;
é visceral, pois, tal aversão, tal proibição
dos homens médios, que nem todos são medíocres,
pelo contrário ás vezes, mas alguns esquecem
de que uma proibição tão radical acaba em preconceito
e costuma perturbar o julgameento em momentos preciosos...

Você os desafiava, ares proibidos e homens médios
- melhor dizendo, só os meio-homens -
pois vocé inteira era quase dois, era completa.
Mas decerto em alguns momentos sentia-se muito sozinha
naqueles ares, as viagens foram muitas e longas e vazias.
Você queria livrar-se dela amiga, mas seu sangue
as queria às vezes por demais, e você dividida sofria,
e a angústia cresceu dor forte no peito
naquele dia de ré caída.

Você procurou os homens médios, angustiada,
uns que deviam ser homens inteiros,
mas eles desconheciam os ares proibidos e sua dor,
pois são do tempo em que só tínhamos um coração
e não esse que é bomba e sede de sentimentos.
Os meio-homens, cegos de orgulho, preconceito e ignorância,
iniciaram então manobras caras e complicadas em seu corpo
usando aparelhos invasivos e drogas pesadas para seu coração,
e você morreu.

Talvez bastassem diazepam, água e quem sabe um pouco de mel...

E assim aquela que era caçadora de si mesma
acabou sendo a caça de meio-homens,
paradoxais caçadores amigos do Lobo Mau.

Mas você continuará cantando para todos,
você que sozinha era inteira e até mais,
que sobrava de ser gente,
porque você era dois: Cássia Ele e Cássia Ela.



                 Antônio Adriano de Medeiros