segunda-feira, 24 de setembro de 2012

O Debate do Tucano com o Sapo - primórdios do Zoológico Fantástico

 Após a leitura do civilizado debate abaixo, o leitor perceberá o quão distante os bichos do Zoológico Fantástico estão dos tempos de selvageria acima registrados



O debate que inspirou o poema abaixo acabou gerando os dois melhores Presidentes da recente História do Brasil: foi um debate de Fernando Henrique Cardoso com Luiz Inácio Lula da Silva, e o poema foi escrito já após a eleição, vencida pelo FHC.

É dos primórdios zoológicos, mas aí já estão presentes os ingredientes básicos, o sempre necessário uso de algum chá ou coisa parecida para ter acesso ao mundo dos bichos que falam, o guia que traz a relíquia farmacêutica e me convidará e guiará pelas hostes da Floresta Encantada e anunciará o convite e o evento para o qual fui convidado, e a natural troca de elogios entre os diplomatas selvagens, eu e o guia, dois bichos. Não negarei que também presente está minha insegurança de neófito, ou minha preguiça ancestral,  decerto um pouco de ambas, no fato de ter escrito o poema em sextilhas, deixando a septilha, mais nobre, para o final, e até inventando uma explicação nobre para tal escolha insegura e preguiçosa, a saber que para o final eu deixo uma estrofe "com um verso a mais, de presente ao leitor..." Que nada, é que a sepçtilha dá mais trabalho, tem que rimar o quinto verso com o sexto, antes do sétimo a cada estrofre!

Presentes também estão os preconceitos que tucanos e seguidores do sapo barbudo, a esquerda social democrata e a esquerda mais marxista naquela época mas que hoje já se pode dizer também social-democrata, PSDB e PT, nutriam um pelo outro, a saber: que uma era radical, semiletrada, incompetente, e teria tendência ditatoriais; e que a outra seria herdeira da tradição ladroeira (els que dizem,  eu não!) da política brasileira, servis aos americanos, e que queriam vender o que sobrasse de seus furtos, trambiques e  falcatruas. aos ricos do norte, que seriam também suspeitos, e não um povo que criou a maior democracia do planeta e aquela que foi a economia mais admirável dos últimos sessenta anos no mundo. 

O distinto Sapo e o Professor Tucano por pouco não chegaram às vias de fato em alguns momentos, mas a bichocracia estando já amadurecida fez com que contivessem seus impulsos agressivos, o que merece elogio deste vate. Agora que outras eleições ocorrem, numa democracia tão amadurecida que ninguém mais tem sonhos radicais, e mesmo o povo está algo desinteressado e mesmo de saco cheio de propostas políticas, e no maior palco da democracia brasileira, a saber a cidade de São Paulo, um outro candidato que nem é dos tucanos nem dos seguidores de Sua Excelência o Sapo lidera a pesquisa, vermos que o populismo de Jesus e sua trupe travessa venceu os dogmas marxistas e filosófico-sociais dos intelectuais uspianos e sorbonnistas, dá o que pensar, né Macunaíma? 

Liberemos, pois, os bichos, que os bichos sabem: são os bichos que mandam; nós, quando pudemos, apresentamos uma ideía aqui ou ali e, caso tal idéia caia nas graças deles, dos patrões, dos donos de tudo, dos velhos bichos naturais que gostam de pão e circo, devemos agradecer a graça de tão nobre distinção, embora no íntimo exultemos de alegria por termos dado uma aprimorada na velha e boa vida.


absaam



ZOOLÓGICO FANTÁSTICO



V


O DEBATE DO TUCANO COM O SAPO

Na região amazônica,
na floresta tropical,
acontece cada coisa
que surpreende o mortal:
foi lá que vi, certo dia,
um debate sem igual.

Quem pensa que o animal
é privado de linguagem
e só sabe se expressar
por seu grunhido selvagem,
vai pensar que tô mentindo
ou contando pabulagem.

Sou poeta de coragem
e amo o chão brasileiro,
me meto em qualquer paragem
com meu verso verdadeiro
- quem me guiou na viagem
foi um índio feiticeiro.

Me disse o pajé matreiro
coisas de que duvidei,
falou que bicho falava
e eu não acreditei:
- "Pois então venha comigo,
eu mesmo lhe mostrarei"

Pois o pajé era rei
de uma tribo da floresta
que com plantas se alimenta
e com os bichos vive em festa,
coisas que fazem pensar
que a vida ainda presta.

Uma apreensão funesta
logo então me dominou
na hora que eu tomei
o chá que o pajé mandou,
pois ele virara peixe
depois que àquilo entornou.

E tudo se transformou
depois que provei do chá,
mergulhei no Rio Negro,
era peixe, um Acará,
e descambei rio acima
a floresta a espiar.

Eu vi bicho conversar
e planta fazer agouro,
descobri todo o segredo
de transformar terra em ouro
e que a água do planeta
é nosso maior tesouro.

Mestre compadre besouro,
um tal Cavalo do Cão,
foi quem veio avisar
que ia haver eleição,
e um debate àquela noite
era a maior atração.

Ouvi que a grande nação
lá da floresta encantada
com relação à dos homens
é bem civilizada,
e a bichocracia ali
há tempos foi implantada.

Comemos da farinhada
que nos mandou urubu,
tomamos boa cachaça
com cobra surucucu,
ouvimos a serenata
do maestro cururu.

Disse o sapo: - "Eu sei que tu
fazes verso de improviso,
porém se fores contar
como é nosso paraíso,
alguém decerto achará
que tu perdesse o juízo!"

- "Mestre Sapo, se preciso
eu trago aqui pra provar!
Uma festa igual a esta
não tem em outro lugar...
- Me dê mais uma formiga,
Compadre Tamanduá!"

O sapo barbado está
por ser um sapo ancião,
e era um dos candidatos
disputando a eleição,
pondo-nos a explicar
sua estratégia de ação:

- "O professor é ladrão,
o tal pássaro tucano,
e eu vou mostrar à nação
qual é o seu real plano:
ele quer é nos vender
baratinho a americano!

Nosso solo é soberano,
aqui quem manda é a gente!
Eu vivo n'água e na terra,
por isso sou mais consciente
do que quem vive no ar
e cisma em ser presidente..."

Uma planta inteligente
fez um aparte legal:
- "Mas o professor tucano
tem o voto vegetal:
se derrubarem a floresta,
rio seca, maioral!"

Chegara a hora afinal
do início do debate,
tucano empaletozado
foi pegando o arremate:
- "Que sejamos pragmáticos,
sonhar é coisa pra vate!

Eu vou te dar xeque-mate
agora e da próxima vez,
mas saiba ser elegante,
sapo perdedor freguês:
não queira mudar o jogo
logo no seguinte mês..."

- "Como estão vendo vocês"
(Responde o sapo, irritado)
"ele acha que nós somos
um povinho revoltado;
que nos falta educação,
um magote de iletrado...

- Tucano, bicho safado,
quem muda sempre és tu!
Deixas trajes coloridos
e vens pra cá como anu!...
Assim empaletozado
mais pareces urubu!"

- "Sinto pena, cururu,
ao vê-lo ser tão primário...
Tá menosprezando pássaros,
pobre sapinho ordinário?
Esquece da educação
e só pensa no salário..."

- "Colorido salafrário
que quer vender a nação
e vive mancomunado
com a velha corrupção,
hoje aqui nesse debate
vou te dar uma lição!

És bicho sem coração
e estás vendido ao Mal,
dizes ser um democrata
de esquerda e coisa e tal,
mas és capaz de amanhã
virar neoliberal...

Nem neo, nem liberal:
tu vives de galho em galho;
és parente do macaco,
gostas de baixar o malho;
liberdade para ti
assusta qual espantalho!"

- "Vai pra casa do caralho!...
(- Desculpem, fiquei raivoso:
mas não posso permitir
que este sapo feioso
venha aqui me comparar
a um general odioso!)

- Ô seu batráquio seboso
já de memória perdida,
esqueceu que vocês foram
a esquerda consentida?
No seio da ditadura
sua trupe foi urdida!"

- "Tua retórica vendida
achincalha o trabalhador,
mera massa de manobra,
simples coisa sem valor:
deixaste de ser ateu,
mas queres ser o Senhor!

Tem diploma de doutor,
porém o seu laudo é falso:
ele é guilhotinador,
quer nos pôr no cadafalso:
tucano, lá onde for,
estarei no seu encalço!"

- Só não vá, sapo, descalço:
a política tem espinhos...
Não é essa coisa lírica
que pensam seus barbudinhos:
você só engole insetos,
eu posso engolir sapinhos...

E conheço alguns caminhos
que o seu saber ignora:
só sabe andar e nadar,
vive no tempo de outrora;
porém eu, posso voar
pra Europa a qualquer hora...

A sapa sua senhora
pode até servir pra cama,
mas não pode se adequar
ao papel de uma Dama
educada e erudita
como a nação reclama."

- "Mas vejam como difama
da honesta e boa Jia!...
Só cozida em restaurante
é que o senhor aprecia?
Jia pra Primeira Dama
não serve nem na poesia...

Paca, tatu e cotia
gosta de comer também?
Quanto custa essa floresta,
vai vender por mais de cem?
Cabe mais alguém na turma,
ou não tem pra mais ninguém?"

- “Ah, deixa de nhenhenhem,
raivoso que só protesta!
O que quero é proteger
como ninguém a floresta,
e que os bichos da nação
vivam de trabalho e festa!

A cachorra da mulesta
parece que te mordeu!
Por que vives reclamando
contra o que Deus te deu?
Batráquio tem seu valor,
pássaro também tem o seu."

O feiticeiro me deu
um aviso nessa hora:
ia passar o efeito
da xaropada da flora,
tudo ia se transformar,
precisávamos ir embora.

O bom mestre Caipora
veio então se despedir,
pararam até o debate
quando a gente ia sair,
porém eu não dei um passo
antes do os aplaudir.

De tudo que ali eu vi
jamais me esquecerei,
e já disse ao feiticeiro
que um dia voltarei:
logo que entrar de férias
para a selva partirei!

E lhes digo porque sei,
feiticeiro me contou,
que o Professor Tucano
dali saiu vencedor,
mas que o Sapo Barbado
foi lá homenageado,
pois também tem seu valor.


                    Antônio Adriano de Medeiros
                    ZOOLÓGICO FANTÁSTICO