domingo, 23 de setembro de 2012

poemas de saco cheio e morte



Leitora - Rosa que cativo! - o balaio, o cesto que este mal ajambrado, pequeniníssimo, tênue, tísico, mínimo, raquítico, e paupérrimo Príncipe da Grande Arte traz hoje só tem mercadorias novas, frutos colhidos na semana em meu pomar secreto, além de flores imaginárias ultra-perfumadas, que não quis arrancar de Dona Roseira e Afins os objetos que usariam para se perpetuar, para - Que Loucura! - dá-los a Outra Flor - só para cativá-la ainda mais...

- Eu sou responsável, Éxupéry!

Uma pequena feira, mas de boa mercadoria, pois, sendo o primeiro poema sobre a prenhez do Poeta, que deve ter lá sua forma poética preferida, mas nem por isso seria cego para a sempre rara e tão fértil, encantadora Beleza que têm toda e qualquer Poesia digna de seu sagrado Nome.

Foram onze as cabeças degoladas dos cangaceiros que chegaram a ficar expostas num museu em Salvador, e depois, dizem, foram enterradas por misericórdia e alguma vergonha, que os ingleses e demais europeus requintados parece que só por algum tempo seguraram o espanto e riso de zombaria diante de obras de arte tão estranhas, há muito não expostas como trofeus e medalhas nas casas onde devem exibir sua beleza as Musas, nove ou dez. O cangaceiro Corisco, diga-se de passagem, tão selvagem quanto outros, arrancou mais onze cabeças de soldados e "mandou de presente" para o delegado da chacina em Angicos...

Não, os cabeças que me encheram o saco são outros, de cangaceiros da própria alma, lampiões  e lamparinas de um querosene sujo com que se embriagam e que até que decerto brilham por algum tempo, mas que demonstram procupante dificuldade em perceber que não têm mais pavio para queimar e assim de repente começam a seu auto-sacrificar pelo fogo, incendiando por primeiro a fagulha da Alma...

Finalmente, Dona Morte, ora em mim Bela Adormecida, essa semana abriu os olhos e até que se levantou e deu um passeio pela Casa, examinando aquilo que um dia será seu, que às vezes a gente de repente percebe que ervas daninhas estão crescendo em nosso jardim, e Ela foi lá - não as regou, apenas contemplou-as e até com carinho tocou algumas, mas eu tive coragem e enfrentei a Velha, que deixara em seu muquifo nos porões de meu corpo a Foice e, me dirigindo ao Criador, roguei que adiasse ainda um pouco o triunfo da Viúva Negra, tendo porém a cautela de não irritá-la, fingindo orar ao Pai por eventuais leitores, não por mim mesmo, que prudente nunca é entrar em conflito aberto com Ela, ir desafiar enxuí de abelha raivosa... A Oração Cautelar é uma prece que tem lá a sua melodia, mas, como negar que ali há principalmente o intuito de fazer rir ao leitor antecipando o que um dia acontecerá, mas, claro, sempre levando a sério a possível - Eu Creio! - Intervenção do Pai, que é sobretudo Justo, ou não seria Bom. 

Com a melodia, a hilaridade da Oração Cautelar em alguns momentos se torna incontrolável.

- Entendeu? Eu também não muito, mas a Tua Alma rogo que leia o que segue, preferindo, por pudor, nada rogar ao teu Jardim, Rosa.

É Primavera!



absaam





VENTRE LIVRE


Entre os poetas há sempre
um grave dó.
Ainda que os versos não deem
um só neto,
estarão sempre prenhes
em canto.


           Antônio Adriano de Medeiros
           Natal,  20 09 2012





SACO CHEIO DE CABEÇAS


- Gente, quanta fissura,
quanto desespero
com o mata e cura...

Tenham calma, chega de pajelança!

O melhor tempero
para a alma
ainda é a temperança.


        Antônio Adriano de Medeiros
        Natal  20 09 2012





ORAÇÃO CAUTELAR




Que Deus adie a hora da tua morte!

Que Deus adie a chegada das velas e do caixão!


Que Deus adie o choro das carpideiras,

e a chegada do padre e das freiras

falando em Ressurreição.


Que Deus adie os ataques de choro histérico,

o frio rigor cadavérico

e o Terço em volta de tuas mãos.


Que Deus adie a vinda das moscas gulosas,

o nascimento das rosas

e o cheiro de putrefação.


Que Deus adie aquele profundo sono

em que ficarás em completo abandono

até te dissolveres quase todo sob o chão.


Que Deus adie a chegada das bactérias

e as dentadas das bocas funéreas

sobre o teu sofrido coração.


Que Deus adie a Missa de Sétima Dia,

as visitas de cova, e a alegria

dos herdeiros ao receberem seu quinhão.


Que Deus adie a Nota de Falecimento,

a leitura do Testamento,

o total esquecimento

e o sempre merecido perdão.


Que Deus adie a hora da tua morte!

Que Deus adie a chegada das velas e do caixão!





                Antônio Adriano de Medeiros

                Natal, 21 de setembro de 2012