domingo, 5 de junho de 2011

de como o cangaceiro Lampião virou capitão do exército



Aí está mais um cordel de minha modesta lavra. Sempre tive muita curiosidade em saber como foi que Lampião veio a ser Capitão do Exército Brasileiro. Então um dia fui fazer uma rápida pesquisa, e descobri como foi que, em janeiro de 1925, Lampião chegou a Juazeiro do Norte para ser condecorado Capitão do Exército Brasileiro. Tudo fora tramado por Floro Bartolomeu, médico militar, político aliado ao padre Cícero: naquele tempo, a Coluna Prestes andava pelo sertão, degolando padres e divulgando o comunismo, e algo precisava ser feito, e assim Floro, que liderava no Ceará o Batalhão Patriótico de combate á Coluna, sabendo de como os cangaceiros conheciam a caatinga e da fé que Lampião tinha em Padim Ciço, quus trazer o cangaço para o lado do Bem. Deu que poucos dias antes de Lampião chegar a Juazeiro do Norte, Floro adoeceu do coração e precisou ir para o Rio de Janeiro - acabou morrendo - e coube aom padre toda a fama no episódio, pois recebeu sozinho o bando, e cumpriu o combinado, inclusive com as patentes de tenente a Antonio Fereira e Sabino, exigências do capitão Virgulino. Quanto a Maria Bonita ter ido ao Juazeiro também é licença poética: aqueles cangaceiros que perderam a cabeça por amor só se conheceriam na década de 30.

absaam


CANGACEIRO VIROU CAPITÃO QUANDO O DIABO ANDOU NO MUNDO


Certo dia Padim Ciço,
santo vivo no sertão,
foi, mandado pela Forças
defiensora da Nação
qual um anjo mensageiro,
contatar o cangaceiro
chamado de Lampião.

Patente de Capitão
e arma atualizada
eram os trunfos do vigário
para a difícil empreitada:
botar os cabras da peste
contra a Coluna Prestes
numa luta inusitada.

Duas gangues da pesada
andavam pelo sertão
naqueles tempos difíceis
– Parece até que o Cão
havia descido à Terra
insuflando grandes guerras
e o fim do mundo cristão.

Ou que outra explicação
teria uma alma crente
em vendo louvar-se a guerra
do leste ao ocidente,
qual se levar-se à matança
homem, mulher e criança
fosse uma coisa decente?

Lampião ficou contente
quando a notícia ouviu
e logo com todo o bando
pro Juazeiro partiu
– Só um santo verdadeiro
transformava um cangaceiro
em um cordeiro servil!

Mas quem tramou tal ardil
da grande transformação,
não foi, distinto leitor,
Padre Cícero Romão,
mas um aliado seu
– Foi Floro Bartolomeu,
sábio doutor da Nação.

Comandando um batalhão
o doutor e deputado
sabendo que Lampião
era muito devotado
à fé no santo Padim,
pensou: – “Esse cabra ruim
vai ser útil pra danado!”

Ao receber o recado
o bandoleiro, ciente
dos sentimentos humanos
entre o bando delinqüente
quis que mais dois cangaceiros
fossem, como bons guerreiros,
promovidos a Tenente.

Floro achou inteligente
o que pediu Lampião
e mandou um mensageiro
dizendo: – “Meu caro irmão,
eu garanto as três patentes:
pode escolher seus tenentes,
meu distinto Capitão!”

Mas eis que do coração
o Floro Bartolomeu
– Ó patriótica emoção! –
gravemente adoeceu,
e quando ao Juazeiro
adentraram os cangaceiros
tal chegada ele perdeu.

O padre quase não creu
quando lhe foi avisado
que na sua Juazeiro
o bando estava alojado,
e que o grande Lampião
vinha beijar sua mão
e deixar todo o pecado...

De ficar emocionado
o padre tinha razão:
sendo visitante o Prestes
e não o bom Lampião,
sua cabeça rolava
e o santo padre ficava
estatelado no chão...

O Padim Ciço Romão,
o tão famoso vigário,
quando abraçou Lampião
lhe ofertou um rosário,
dizendo: – “Deixe o Pecado!
Venha para o nosso lado
ser de Jesus operário.”

Lampião não era otário
e com tudo concordou.
Então a patente, as armas
e uma farda ganhou;
e de Capitão trajado,
com a família de lado,
para uma foto posou.

Todo o bando se trajou
com a farda oficial
sentindo alegria cívica
e orgulho nacional;
Tonho Firmino e Sabino
pulavam como meninos
– Tenentes eram, afinal!

Para combater o Mal
– Comunismo traiçoeiro! –
o Exército procurou
um grande herói cangaceiro;
abençoando o serviço
vinha o Padim Pade Ciço
– Santo, Padre e Feiticeiro!

Quando o santo cangaceiro
encontrasse Carlos Prestes
uma surra capital
daria no falso mestre,
porque o sertão, leitor,
não admira o doutor,
mas sim o cabra da peste!

Pena que tal faroeste
só existe no cordel;
naquele dia o sertão
botava mais um no céu,
e no inferno outro cão:
“Quando o bom São Lampião
mandou Marx pro beleléu!”

Tal qual o Anjo Infiel
caiu por ser pessimista
eu vi descer pros infernos
o diabo comunista
no lombo da Besta Fera,
e um novo santo que era
São Lampião - exorcista!

Em um cordel anarquista
de profundeza abissal
eu vi a Grande Batalha
opondo o Bem ao Mal
no sertão de Vitalino
com o bom São Virgulino
matando o Diabo a pau!

Do céu se ouve um coral
de anjos – Bendito dia! –
O Sol suspende o calor,
xique-xique acaricia,
e beata não se irrita
quando dizem que a Bonita
é pura como Maria...

Mas isso é só poesia,
a história foi diferente,
pois Lampião abriu mão
de ser nosso Presidente:
nem bem deixou Juazeiro
trocou o santo guerreiro
pelo diabo delinqüente.

Amedrontou muita gente
trajado de oficial,
cobra de duas cabeças
voltadas só para o Mal;
mas o Tempo tem das suas,
acabou perdendo as duas
certa manhã infernal.

E dizem, leitor leal,
estar Lampe consciente
de que em tendo derrotado
a Coluna delinqüente
nem bem se passava um mês
já era a bola da vez
do Estado intransigente.

Sei que perdeu a patente:
pra história oficial
poderia ser herói,
preferiu ser homem mau.
E não foi condecorado,
mas muito bem degolado
como lição de moral.

Vou pôr o ponto final
neste cordel vagabundo
e saio muito feliz
desse tempo tão imundo
que pariu stalinismo,
o cangaço e o nazismo
– Quando o Diabo andou no mundo!



Antônio Adriano de Medeiros

Um comentário:

  1. Antonio Arlindo da Cunha14 de fevereiro de 2018 às 09:23

    Antonio Adriano Medeiros, que síntese cordelista mais bem ajeitada homem, gostei muito e vou além na divulgação, obrigado pela relíquia da cultura sertaneja o nosso nordeste querido.

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