segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A Náusea e a Bunda - poemas do underground




Hoje a barra tá pesada aqui! Os dois poemas de hoje, novíssimos aliás, possuem versos e remetem a imagens e cenas não recomendáveis  a corações frágeis, a mentes pueris, a pessoas melindrosas...

- Afastem-se!

 A trilha sonora recomendada é do Velvet Underground, música Venus in Furs, onde me inspirei para o último verso do primeiro poema: "different colours made of tears". Dá pra ler ouvindo-a em outra página aberta, é só ir para o link que segue - http://www.youtube.com/watch?v=9nGsUbZpCKM

No primeiro poema são citados meus heterônimos mais comuns, presentes em outros poemas, Tonhão, Antônio  Cão, Tonho da Santa, além do nome como sou comumente chamado, Adriano; resolvi deixar o infante Nanin longe dessas coisas... Mas o poema em si nada tem demais, e  fica até ingênuo perto do que vem depois, do segundo poema...

Sofri grande influência do existencialimso francês em minha juventude, um dos meus escritores prferidos era Sartre, e o romance A Náusea me marcou muito. Os escritos que se tornaram o livro foram encontradas numa estação de trem, ninguém conhece o anti-herói daquelas páginas, o escritor não ficou famoso. A leitura daquele livro deixa o cara com uma visão mais pessimista da vida. Nunca esqueci da frase, da frase ´"A Núsea sou eu!", quando o autor percebe que o quadro de ansiedade e angústia que o ataca de repente nas mais diversas ocasiões (mais ou menos semelhante à "síndrome de pânico", tão em moda hoje em dia) é o que ele tem de mais subjetivo, é seu verdadeiro eu, expressa seus reais sentimentos diante do mundo.

Pois bem, além da Náusea, a Bunda, tão exibida em  minha amada terra, e até, dizem, na representação clássica do coração, que dizem ser uma bunda invertida, pois bem, além da Náusea, a Bunda me foi servida de forma marcante em dois filmes franceses, O Último Tango em Paris, da década de 70, e mais recente em 2002, no controvertidíssimo filme Irréversible, naturalmente Irreversível. Aqui está a descrição do filme, extraída da Wikipedia - "Irréversible (IЯЯƎVƎЯSIBLƎ), ou Irreversível (br/pt), é um filme francês de Gaspar Noé lançado em 2002. Considerado um dos filmes mais controversos e perturbadores daquele ano devido, principalmente a duas cenas extremamente gráficas de estupro e assassinato. Fora isso, a narrativa em ordem cronologica inversa e os ângulos e rotações que a camera faz servindo para separar cada cena, também colaboram para o desconforto dos espectadores."

O poema A Náusea e A Bunda remete ás duas cenas mais fortes daquele filme. Darei, porém, algumas informações talvez não percebidas pela maioria dos leitores. Por que o apelido do psicopata, do tarado e assassino do filme, tão supostamente querido no meio underground homossexual parisiense, é Tênia? Tênia (pronúncia do filme, Teniá, mesmo no filme dublado, respeitando a pronúncia francesa) remete a um parasita hermafrodita gigantesco (para as dimensões do reino dos vermes) que vive nos intentinos dos humanos... A Teníase tem ainda a complicação da Cisticercose, quando o verme, em sua fase larvária, pode parasitar nosso cérebro, chegando-nos através das carnes mal passadas (ou cruas, vá lá!) de porco (Tênia solium), ou de boi (Tênia saginata). Imaginei que no caso do Teniá, em sendo ele um psicopata assassino, seria o caso de um verme de porco.

Digo ainda que, no filme, uma bela jovem, Monica Bellucci, tida como a mais bela e talentosa das atrizes francesas daquela época, numa boite em região ultra-periférica e barra-pesada de Paris, após brigar com o namorado, resolve ir pra casa sozinha. Só que ela não considerou a hora nem o local onde estava e, prestes a atavessar uma aveninda larga, de mão dupla, sem canteiro central. digamos uma Avenida Brasil na sexta à noite as duas da manhã, é aconselhada por uma baixinha cafuza suspeitíssima a descer a uma passarela subterrânea, semelhante a uma galeria do metrô ou mesmo às catacumbas romanas, só que àquela hora muitíssimo mal frequentada... É lá que ela encontra Teniá prestes a estuprar um travesti, mas, ao ver carne de primeira, o Porco muda de idéia e de vítima, atacando aquela a quem julgou ser apenas mais uma putinha neófita á procura de um freguês noturno...

O que se segue, o poema procura narrar à sua maneirar, e me nego a descrever de outra forma. Digo apenas que a vingança do namorado e de amigos da Bela conta o Teniá ocorre numa boite gay  ultra-barra-pesadíssima, e quando o Teniá já está prestes a estuprar o ex-namorado da Bela, cercado por travestis e afins eufóricos, tem sua cabeça esmagada com um extintor de incêndio, empregado pelo amigo daquele que seria mais uma vítima do porco. A torcida de travecos e afins então muda de lado.

O título do poema é A Náusea e A Bunda porque nunca uma cena de cinema me provocou uma sensação tão desagradável, um mal-estar tão grande, como o primeiro chute de Teniá no rosto da Bela cambaleante.

Ah, "joie de vivre", pode ser traduzido por "alegria de vive", e remete à felicidade, ao ideal da vida feliz; Taenia solium é o "nome científico" da tênia do porco. 

O Banquete está servido!

absaam




THE COLOURS OF MY BLUES


Certa noite em que estava perdido
na escuridão,
caminhava, caminhava e caminhava
sem razão.
Mas gostava da viagem.

Não sei por que
- quer seja eu, quer não -
qual Adriano ou Tonhão,
como o heterodoxo Antônio Cão
ou na simplicidade de da Santa Tonho,
sempre gostei de retornar ao
sonho medonho.

E quando desperto,
e quando acordo,
e quando falta...

- Luz?

Todas as cores vestidas de lágrimas.





           Antônio Adriano de Medeiros
           Natal, 07.09.2012










 
                            A NÁUSEA E A BUNDA


                       - Inspirado em cenas do filme Irréversible, com Monica Bellucci -




Ela precia atravessar aquela rua.

No subúrbio barra-pesada
da megalópole parisiense
a meia-noite já ficou bem para trás,
e uma bela e jovem mulher, sozinha,
precisa atravessar uma certa rua.

Do outro lado da rua seu plano de vida
acena
com promessas de joie de vivre.
É só chegar em casa e aguardar
o nascer do sol.

Mas antes ela precisa atravessar aquela rua.

De repente o outro lado
ficou tão distante...
O lugar é esquisito,
desértico e com tipos estranhos,
avenidas muito largas
e cheias de carros,
e de repente ela sente
o medo
de que aquela felicidade cotidiana
lá do outro lado...

- É tão grande assim, a rua?
Ela precisa ser atravessada...

No asfalto há muitos carros, e vermes
no submundo da passarela subterrânea.
Embaixadora das profundezas infernais,
refugo já desprezado
de tanto usado
pelas artes e turbas de Satanás
- latina, bem morena, baixinha e gorducha -
uma bruxa lhe fala
com seus lábios de mil boquetes baratos,
que pode ser muito perigoso atravessar
a rua ali àquela hora...

Os motoristas são barbeiros perigosos
que querem chupar seu
sangue no asfalto.
- Melhor descer à galeria subterrânea
dos vermes pequeninos, intestinos.

A Beleza vai descer às profundezas
às catacumbas dos vermes
nus, seus, intestinos.

A Beleza não atravessará a rua.
- Alguém vai atravessá-la nua.

Tem-na só
a tênia solium.
O verme abunda
na carne do porco.

Quando a garra grotesca do Diabo
apalpa a polpa sedosa
das nádegas de Maria
as labaredas infernais ardem tão alto
que o extintor de incêndio vira tacape.

Quando a serpente satânica
está cheia de veneno
primeiro é preciso esmagar-lhe
o cabeção.

Ela precisava atravessar a rua de pústulas
para a vida na virtude.
As artérias estão todas pútridas
de vício e vírus, veículos e vermes.
A serpente do Mal túrgida,
vesículas, vísceras, veneno.

- Ela foi atravessada nua, ela foi violada no chão.
Primeiro foi arrombada,
depois foi morta com chutes na cara.
Porque era uma puta muito gostozinha,
e o verme se empolgou e chafurdou na lama
intestina dela,
e sangrou, e sangrando assim
teria que ir a um hospital,
e a putinha ia acabar revelando o que não devia,
e o inquérito policial identificaria
inequívocos ovos de Taenia solium,
e assim se chegaria ao porco.


Não há mais o perfume da dama-da-noite.
Das catacumbas do metrô,
das profundezas sombrias da noite marginal
sobe agora uma fragrância
nauseabunda
de fezes, sangue e enxofre,
que se mescla ao cheiro de óleo diesel
e gasolina daquela fatídica rua.

Mas haverá sempre ali
uma rosa esmagada,
sangrando no meio rua.



              Antônio Adriano de Medeiros
              07 a 10 de setembro - 2012