segunda-feira, 29 de outubro de 2012

diários de um mieloma 5





Augusto dos Anjos comparece hoje com o Poema Negro; foi o poema que mais li dele, ainda sei de cor alguns versos, mas não todo como um dia já soube; lia-o de propósito no intervalo das aulas quando estudante de Medicina, o primeiro verso diz por quê.

O Poema Negro é o terceiro, é o último, mas Augusto já manda beijinhos educados como cumprimentos daqui:

"Escarrar de um abismo noutro abismo
mandando ao céu o fumo de um cigarro...
- há mais filosofia nesse escarro
que em toda moral do cristianismo!"

"Descender dos macacos catarríneos,
cair doente e passar a vida inteira
com a boca junto de uma escarradeira
pintando o chão de coágulos sanguíneos"

                (Trechinhos acima são de Os Doentes, longo ad nauseam)



O chato de Augusto dos Anjos é que quando ele fala de escarrar, a gente não sabe se é de beijo ou escarro mesmo que ele está falando.

Estive internado em dois serviços de oncologia nos últimos dias, no Centro Paraibano de Oncologia, onde por três tardes recebi quimioterapia e uma restauradora hidratação, venosas, por prestativas enfermeiras, e no Domingo e parte de hoje no ancestral, reformado e público Hospital Napoleão Laureano, onde fiz tranfusão sanguinea no dia de ontem; quando estudante, aí por volta de 1984, por lá passei, digo no Laureano, como estudante, e lembro principalmente dos idosos internos, quase residentes das enfermarias do INPS de então; ainda vi umas hoje quando fui fazer rum raio x de cadeira de rodas e tudo, e as tentei cumprimentar, mas desnecessário é dizer que não retribuiram de bom grado, antes desviaram o olhar - eu era apenas mais um condenado, não um que trazia esperança. De certa forma era até um concorrente...

Essa coisa de tratamento, seja qual for, sempre inclui transferência e contratransferência, endeusamento e desconfiança; não há como fugir a isso, é minha vida que está em jogo ali no embaralhado das cartas. Não posso negar que agora quando escrevo sinto-me muito bem, mas hoje á tarde estava péssimo... Sei lá o que diabo aquilo em meus pulmões... Sabe como passou? Fui ao amigo psicanalista!

É que a gente fica lendo e ouvindo outros dizerem que um tio melhorou fazendo logo transplante de medula doado por familiar, e que está há 3 anos sem sintomas; outro fala que o transplante autóctone de medula depois de restaurada a própria medula óssea do próprio paciente é mais seguro e tem menor índice de morte pós-transplante... Ler isso na teoria ali como descrição de formas de tratamento é uma coisa, o chato é quando o que está no emaranhado de cartas é seu respirar.

Só não queria mais sentir de novo o que senti domingo de manhã, e que o Sr. mieloma múltiplo, que hoje estranhamente diz estar do lado do Bem e até de Deus, a quem se refere felicissimo em seu texto a meu ver dúbio, suspeito...  Pois bem, não queria sentir mais o que senti domingo de manhã e que o sr. mielloma descreve bem em seu texto, claro que feliz e agourento, como  um trinfo de sua potência, nda.  Fico preocupado pois sou poeta, um mísero poetinha, ele é escritoe, e os escritores são mais sérios e confiávies que os poetas, dizem, sendo superados apenas pelos magistrados e cientistas.

Cabe agora um agradecimento a alguém,e um explicação a respeito de uma maldade do Sr. Mieloma: o médico que tem-nos prestativa, correta e gentilmente atendido é o Prof. Luis Fábio Botelho, hematatologista; foi ele que prescreveu a quimioterapia lesa-tumor e protege-ossos, além de outras que não vem ao caso citar porque isto é um blog de literatura, e não e medicina; sempre que o procuramos, mesmo à noite por telefone, alguma resposta vem, e no domigo foi muito boa e rápida a resposta, que a coisa estava ruim, uma dor de cabeça frontal como se tivessem sugado o espaço virtual entre as membranas protetoras de meu cérebro, um sono que chegava de repente, tinha imagens, e sumia de repente mas deixava o vazio não sei aonde, e uma tendência á prstração (uma síndrome orgânica cerebral), surgindo logo um serviço que fazia transfusão que era o que precisava. Mas eu queria que isso fosse evitado de ocorrer doravante, um nível de anemia que a partir dali, profilaticamente, se faça logo a tranfusão, porque se não o cara cai no Terceiro Mundo, e não é bom ser um doente do Terceiro Mundo, nem é de Terceiro Mundo a Medicia do Doutor - quanto a isso, não há dúvida.

Agora, a Maldade de Mr. mieloma, que na verdade é uma jocosidade minha: diz Câmara Cascudo, e um livro sobre malassombros e o sobrenatural (tá emprestado há anos a um bom amigo, por isso não lembro o título) que há no inconsciente sertanejo um mal resolvida admiração pelo Diabo, vez que quando o pai quer elogiar um filho, costuma dizer - "Esse menino é o Cão!". Também é comum ouvir-se a expressão "Bom que só o diabo", etc. Fato é que dentre os muitos nomes e apelidos do Diabo, dois são interessante e aplicáveis aqui: Pedro-Botelho e Pero-Botelho (assim, com hífen, pra respeitar as pessoas que se chamem Pedro ou Pero Botelho); é que reza uma das muitas lendas a respeito do Cão que ele tem um pé de bode e um pé de homem normal; por isso, o Diabo manca. Pra disfarçar o manquejar e encobrir o pé de bode, o astucioso e velho Diabo usa botas; assim, chamam-no Pedro-Botelho (ver, por exemplo, só pra comprovação, o cordel deste enderço - http://www.recantodasletras.com.br/cordel/2448226 - o Aurélio também registra).

Portanto, o que slata aos olhos pe que Botelho é o Cão, ou tem pelo menos um parentesco... Pra mim,, pelo lado bom, para Mieloma, parace que há divergências...

Bom, além dos diários de um mieloma múltiplo - 5 incluo um soneto meu já conhecido dos poetas e leitores das listas e do blog, a história do feto cantador atenuava o sofrimento dos enfermos, e que tem o belo título de Lullaby from rosemary's baby (Canção de ninar para o bebê de Rosemary), trilha de um filme de Polansky da Década de 60. O menininho era um Cãozinho, um filho do

Eu cometi pecados, irmãos, me arrependi, rezei, nunca mais fiz aquilo... Nem desejo fazer! Longe de mim cair de novo em tão grave... Mas desrespeitei pelo menos um dos Dez Mandamentos. Quando um jovem estudante de psiquiatria no Rio deJaneiro namorei a mulher do próximo... Quer dizer, ele ficava em Sâo Paulo, o que já é um atenuante. Fato é que um dia a bela senhora ligou pra mim dizendo que precisara expurgar de seu corpo uma semente indevida que eu a deixara lá e que a semente embrionária havia descido... Aquilo, apesar de reconhecer que era a coisa mais correta a ser feita, me tocou, e iamginei uma criaturinha para abandonada nos esgotos da metrópole... Foi quando surgiu o soneto, que eu particularmente julgo muito belo.

E por hoje está de bom tamanho, uma fauna bem rica... Êpa, ia me esquecendo de falar de Samael... Samael não é pra qualquer um não: "Anjo do Veneno", Samael, é o nome de Lúcifer na Cabala. Pra se ter uma ideia da importância de Samael e de sua proximidade com o Criador, há quem diga que Samael foi quem sugeriu ao Criador a Sua Obra mais famosa, a criação do Homem. - "Chefão -o grau de intimidade de ambos, permitia - Chefão, o senhor é mui sábio, muito inteligente, e criou a nós anjos, que somos eternos mas não nos reproduzimos; depois, criou os animais, que não são eternos, mas que se reproduzem... Não tem vontade de criar um ser que fosse eterno e qeu se reproduzisse?"

A leitora quer saber por que Samael queria a foi quem sugeriu a criação do Homem? Ora, é tão simples: porque Samael estava interessado na criação do Mal, e o Mal só existe quando há a consciência moral, a capacidade de escolha, de livre-arbítrio... Há rumores até de que o Criador, que gostava muito de conversar com Samael, porque ele sempre dizia coisas muito inteligentes, só o condenou por pressão de outros anjos, alguns fofoqueiros, uns ninvejosos, outros raivosos porque Samael não baixoua  cabeça quando a criaturinha - o terceiro filho do Criador, que é o homem, primeiro apenas em ser potencialmente igual a ele, imortal e que se reproduzia.

 Samael, venenoso e erudito anjo que um dia cairia, não tem ainda, por ser desconhecido do vulgo, a má fama dos demais, sendo possível não só manter elevado o nível de um poema, um texto literários ou escrito qualquer, ou memso é em tese possível elevar-se através de Samael.


absaam



LULABY FROM ROSEMARY'S BABY

Devido a uma das inúmeras crises
pulmonares que acometem-me ser tão doente,
estive internado - ó, terríveis hemoptises -
num velho sanatório onde morreu muita gente.

Localizava-se o antigo prédio na pobre periferia
da cidade junto a um canal prenhe em detritos bem imundos;
e toda noite de lá chegava à nossa enfermaria
o som de uma canção a consolar os trsites moribundos...

Era a doce voz de um pequenino feto de seis meses abortado
um dia pela infeliz mamãe, e que cantava bem ritmado.
Dizia que seu espírito nutrira-se nos esgostos sujos,

entre amebas, bactérias, muitos vermes, alguns caramujos.
E à sua boa mamãe se mostrava muito agradecido
pela graça singular de nunca ter nascido.


                   Antônio Adriano de Medeiros
                   Dos Meus Eternos




diários de um mieloma múltiplo - 5




Quem sabe o mal que se esconde por trás dos corações humanos?

De que adiantou a mim, um nobre câncer, ensaiar sentimentos nobres, se tudo que  a corja dos humanos deseja é nos destruir, é ver-se livre de nós, é devolver-nos á insignificãncia do Não Ser, isso depois de torturar-nos com o venenos de Samael - o velho traidor sempre prestes a unir-se a comparsas indignos?

Pois o Anjo do Veneno me traiu - Samael nunca é pessoa digna de confiança, hein? - e dessa vez com um daqueles... um daqueles bípedes atrevidos que vestem branco e que penduram no pescoço um antichocalho mudo não para, como os verdadeiros sujos de outrora, afastar as pessoas de sua presença malsã, mas para sondar-lhes melhor o ingênuo - ó quanta energia dispendida numa melodia tão monótona e sem graça - o tolíssimo coração.

Tentaram me assassinar covardemente. Um que tem em seu sobrenome um dos apelidos mais conhecidos do Diabo - sim, ou não sabiam que um dos nomes do Diabo é Pedro-Botelho? - foi buscar, na sombria e pestilenta botica onde se semeia as flores sem perfume do penicilium notatum, venenos terrivelmente poderosos que fizeram muito mal a mim...

A violência foi terrível, a humilhação foi cabal, a vergonha, acintosa... Ai, como sofri! Ai, como eu chorei! Como se eu fosse um terrorista que tivesse contas a acertar com a humanidade - essa coisinha insignificate e presunçosa - houve invasão de domicílio, sendo que bombardearam minha casa e derramaram meu próprio sangue tão rico em rosas podres, e todo essa selvageria perpetrada na frente e ainda também contra meus pequenos blastos, e até mesmos os dedicados clastos que, heroicamente e cientificamente apenas exerciam sua atividade arquelógica sobre rochas ósseas já condenadas à destruição, e ali matavam sua fome, também eles sofreram uma covarde e vil tentiva de assassinato...

Prossigo aqui me expresssando por palavras, dispendendo pois uma energia que bem poderia estar sendo empregada de outra forma, me tornando mais forte para enfrentar os poderosos venenos de Satã, porque sei que alguns leitores de bom gosto me apreciam a mim e a meus pequerruchos, e sabem que heróis de verdade não fogem á sua nobre missão, e só sossegarão, assim como eu e meus pequenos, quando o nariz arrebitado de um certo poetinha tiver virado um sorvetinho para as moscas, voadoras e queridas, ó tão travessas moscas...

O bípede simiesco que ainda atende pelo desgraçado nome de Antônio Adriano de Medeiros é também um traidor, é, ele igualmente junto áquele outro, que pelo menos usa um sobrenome sincero que já diz quem ele é, pois bem, o acima nomeado moribundo, sendo um traidor, é um irmão do Diabo, é artífice de Lúcifer, é boticário de Samael, é Filho de Satanás.

A natureza dúbia e satãnica do Adrianinho - rá, rá, rá, fi-lo passar tão mal... - traiu a seus irmãos, ele podendo dedicar toda a sua vida, integralmente, como fazem os profissionais sérios - meus inimigos, tudo bem, mas inimigos sérios, hipócritas feiticeiros sempre dispostos a iludir alguém que busque a ajuda deles - pois bem, o verme moribindo traiu o Juramento dos Hipócritas ao mesmo tempo que o celebrava ad nauseam - alimentando essa coisa destrutiva e sem valor algum que é a Poesia feita com palavaras...

Abandonou a Vida e saiu correndo atrás de Poesia, o irresposável...

Palvrras, leitor, pedaços de vento; palavras, leitor, flatos eliminados pela extremidade cefálica do tubo digestivo... Palabras, leitor, nada, nada, nada, e o que é mais grave, um nada-dor, um nada que ilude gerando sentimento, um nada que ocupa tempo e espaço, um nada que mente, um nada demente, um nada... Um Nada que enfim lhe fará justiça e o acolherá. Profunda e ternamente.

Pois o saiba o leitor que nos admira a mim e a meus pequenos, que reagimos, que lutamos heroicamente como um enxame de abelhas africanas raivosas, eloquecidas; fizemo-lo tremer, chorar e rir, ter ilusões visuais, prostar-se, sentir profundas dores ósseas, e quase desejar logo a chegada da Morte - algo nele sabe que é sua única oportunidade de reecontrar a paz.

Primeiro caímos todos de uma vez no rio vermelho, engrossando o sangue apodrecido do vermantônio, profetizando trombos, praguejando hemorragias, visando se não a greve geral, a parada absoluta do rio transformado num grande lago extravasado de lodo rubro que logo ficaria bem verdinho  - ó que bela imagem eu fui capaz de criar, não leitora culta e de bom gosto? - tentando pelo menos que os rins, já sob o efeito de proteínas saudáveis de nossa indústria bélica, parassem de uma vez... Infelizmente ainda não conseguimos, mas estamos em guerra, e parece que uma legião estrangeira de bactérias já grassa graciosamente no corpo abrindo um buquê de flores mortais...

Comemos muitas hemácias, destruímos hemoglobina, e no Dia do Senhor - na manhã ensolarada e cívica de um domingo democrático, o vermantônio, sufocando, rastejando qual serpente satânica, ás vezes imerso em franco pré-coma outras em notável ansiedade com gritante descotrole emocional, precisou pedri ajuda ao parente de Pedro-Botelho.

Agora, leitora e leitor inteligentes, bem intecionados e pios que me acompanham, me digam, de que lado está o Bem, de que lado está o Mal?

Observe os indícios, quem está usando os venenos de Samael, quem procurou um parente de Pedro-Botelho por livre e espontânea vontade - poderia ter ido atrás de alguém com outro sobrenome, mas preferiu logo aquele, e, principalmente quem não suportou a divina luz cívica e ensolarada do Dia do Senhor e foi atrás de ... um parente de Pedro-Botelho!

Tá muito claro quem triunfará: nem toda conformidade é o Bem, nem todo desvio é o Mal.

Deus realmente escreve certo por linhas tortas, e finalmeente encerro um texto felliz e com a consciência tranquila - O que é do Justo, ninguém o toma!


                                                         mi elola aam
                                                         João Pessoa, 29 de outiubro de 2012





POEMA NEGRO - AUGUSTO DOS ANJOS

A Santos Neto

Para iludir minha desgraça, estudo.
Intimamente sei que não me iludo.
Para onde vou (o mundo inteiro o nota)
Nos meus olhares fúnebres, carrego
A indiferença estúpida de um cego
E o ar indolente de um chinês idiota!

A passagem dos séculos me assombra.
Para onde irá correndo minha sombra
Nesse cavalo de eletricidade?!
Caminho, e a mim pergunto, na vertigem:
— Quem sou? Para onde vou? Qual minha origem?
E parece-me um sonho a realidade.

Em vão com o grito do meu peito impreco!
Dos brados meus ouvindo apenas o eco,
Eu torço os braços numa angústia douda
E muita vez, à meia-noite, rio
Sinistramente, vendo o verme frio
Que há de comer a minha carne toda!

É a Morte — esta carnívora assanhada —
Serpente má de língua envenenada
Que tudo que acha no caminho, come...
— Faminta e atra mulher que, a 1 de janeiro,
Sai para assassinar o mundo inteiro,
E o mundo inteiro não lhe mata a fome!

Nesta sombria análise das cousas,
Corro. Arranco os cadáveres das lousas
E as suas partes podres examino. . .
Mas de repente, ouvindo um grande estrondo,
Na podridão daquele embrulho hediondo
Reconheço assombrado o meu Destino!

Surpreendo-me, sozinho, numa cova.
Então meu desvario se renova...
Como que, abrindo todos os jazigos,
A Morte, em trajos pretos e amarelos,
Levanta contra mim grandes cutelos
E as baionetas dos dragões antigos!

E quando vi que aquilo vinha vindo
Eu fui caindo como um sol caindo
De declínio em declínio; e de declínio
Em declínio, com a gula de uma fera,
Quis ver o que era, e quando vi o que era,
Vi que era pó, vi que era esterquilínio!

Chegou a tua vez, oh! Natureza!
Eu desafio agora essa grandeza,
Perante a qual meus olhos se extasiam...
Eu desafio, desta cova escura,
No histerismo danado da tortura
Todos os monstros que os teus peitos criam.

Tu não és minha mãe, velha nefasta!
Com o teu chicote frio de madrasta
Tu me açoitaste vinte e duas vezes...
Por tua causa apodreci nas cruzes,
Em que pregas os filhos que produzes
Durante os desgraçados nove meses!

Semeadora terrível de defuntos,
Contra a agressão dos teus contrastes juntos
A besta, que em mim dorme, acorda em berros
Acorda, e após gritar a última injúria,
Chocalha os dentes com medonha fúria
Como se fosse o atrito de dois ferros!

Pois bem! Chegou minha hora de vingança.
Tu mataste o meu tempo de criança
E de segunda-feira até domingo,
Amarrado no horror de tua rede,
Deste-me fogo quando eu tinha sede...
Deixa-te estar, canalha, que eu me vingo!

Súbito outra visão negra me espanta!
Estou em Roma. É Sexta-feira Santa.
A treva invade o obscuro orbe terrestre.
No Vaticano, em grupos prosternados,
Com as longas fardas rubras, os soldados
Guardam o corpo do Divino Mestre.

Como as estalactites da caverna,
Cai no silêncio da Cidade Eterna
A água da chuva em largos fios grossos...
De Jesus Cristo resta unicamente
Um esqueleto; e a gente, vendo-o, a gente
Sente vontade de abraçar-lhe os ossos!

Não há ninguém na estrada da Ripetta.
Dentro da Igreja de São Pedro, quieta,
As luzes funerais arquejam fracas...
O vento entoa cânticos de morte.
Roma estremece! Além, num rumor forte,
Recomeça o barulho das matracas.

A desagregação da minha idéia
Aumenta. Como as chagas da morféa
O medo, o desalento e o desconforto
Paralisam-se os círculos motores.
Na Eternidade, os ventos gemedores
Estão dizendo que Jesus é morto!

Não! Jesus não morreu! Vive na serra
Da Borborema, no ar de minha terra,
Na molécula e no átomo... Resume
A espiritualidade da matéria
E ele é que embala o corpo da miséria
E faz da cloaca uma urna de perfume.

Na agonia de tantos pesadelos
Uma dor bruta puxa-me os cabelos,
Desperto. É tão vazia a minha vida!
No pensamento desconexo e falho
Trago as cartas confusas de um baralho
E um pedaço de cera derretida!

Dorme a casa. O céu dorme. A árvore dorme.
Eu, somente eu, com a minha dor enorme
Os olhos ensangüento na vigília!
E observo, enquanto o horror me corta a fala,
O aspecto sepulcral da austera sala
E a impassibilidade da mobília.

Meu coração, como um cristal, se quebre
O termômetro negue minha febre,
Torne-se gelo o sangue que me abrasa,
E eu me converta na cegonha triste
Que das ruínas duma casa assiste
Ao desmoronamento de outra casa!

Ao terminar este sentido poema
Onde vazei a minha dor suprema
Tenho os olhos em lágrimas imersos...
Rola-me na cabeça o cérebro oco.
Por ventura, meu Deus, estarei louco?!
Daqui por diante não farei mais versos.

                 Augusto dos Anjos
                 Eu