terça-feira, 23 de outubro de 2012

hora de agradecer

 mãe e filha sempre encarnam potencialmete duas mães.


É natural que se agradeça eternamente àquela que lhe deu a vida, nutriu, banhou, trocou de roupa, mandou pra escola, defendeu, deu conselhos... Mas minha Mãe, falecida há cerca de um ano e meio, veio me ensinar também sobre os últimos momentos, inclusive os meus - ela morreu de mieloma múltiplo. Tinha 89 anos e seis meses, a doença, depois de causar fraturas espontâneas em antebraço, que ainda foi corrigido,  acabou causando dores de cabeça terríveis e provocou esmagamento da coluna e medula cervicais. Eu não suportava ver, das enfermeiras dedicadas, duas pediram pra sair, não suportaram o sofrimento da santinha...

Aquele sacrifício, aquele Cordeiro imolado, me fez naturalmente refletir sobre o que poderia me aguardar, mas felizmente chego ao dia que inicio a quimioterapia sem fraturas - o bom Dr. Luis Fábio Botelho antecipou em um dia o início do tratamento mais agressivo, atendendo às minha súplicas, vendo a ansiedade e o histórico pessoal.  Todos têm sido bastante compreensivos com o adoentado, que ás vezes se desespera e trata mal secretárias, enfermeiras - sempre se desculpa depois, e recebe um sorriso compreesivo das humanas.

Mas na hora de agradecer à Mãe, eu preciso agradecer a duas. Minha primeira irmã, derna que eu era pixotôtinho, me adotou como filho, inclusive com regalias educacionais, presentes e outros. A mesma segurou uma barra muito pesada quando quiseram me destruir de 2005 a 2008, mais ou menos, sendo que duas psiquiatras, duas colegas, uma pequena galinha pedrês e uma senhora patona, chegaram a defender o abandono total, a venda de todos os bens, mormente os mais preciosos, e recomendarm urgência, sendo que naturalmente se ofereceram para comprar apartamento e carro. Não foram atendidas em seus intentos.

Para que eventuais pregadores e moralistas fdps não me fiquem atazanando nas listas a respeito de coisas já superadas, digo logo que a coisa só parou quandido um antigo diretor do hospital foi ao órgão competente e declarou em juízo que a causa verdadeira era um conflito com a direção da época, ou seja, um choque de conhecimento, que eu sou Nanim, e não tenho o que aprender com assitentes sociais engajadas, psicólogas psicóticas, subpsiquiatras mercantilistas, direitistas torturadores e esquerdistas afrescalhados e pseudointelectruais.

De forma que, hoje, agradeço, como posso, às minhas maiores benfeitoras, o amor exagerado e inflacionário do qual só fui e sou digno por decisão delas.

A palavra alemã "leitmotiv" (pronúncia laitmotiv) pode ser traduzido como "motivo principal e verdadeiro", "causa basilar", ou "condição sine qua non", condição sem a qual não ocorre determinado fenômeno. Gostei sobremaneira, quando escrevi o soneto, da associação entre leite emotivo e leitmotiv.


Obrigado!


absaam



PEQUENINA IRMÃ DO SOL


                   à memória de Anatilde Araújo de Medeiros


Por quase noventa anos
aquela que foi menina no sertão,
adolescente, moça, mulher, madura, vovó,
se levantava a cada manhã, irmã do Sol,
sempre ávida a nutrir a vida
com suas mãos, suas melífluas mãos fotossintéticas.

Primeiro no Sítio Salgadinho
servindo aos pais, irmãos, primos, tios
e aos felizes e bem vindos visitantes.
Logo a santa luziu numa pequena cidade sertaneja
a nutrir, acarinhar e mimar marido e filhos
e o feliz Nanim, que se julgava o rei da casa.

Ó feijão macassar com manteiga de ouro líquido!
Ó farofa dourada, vinte e quatro quilates!
Ó pães assados à tarde para o café!
Ó queijo de manteiga assado até derreter!
Ó carne de sol gordurosa, saborosa, tão macia!
Ó ambrosíaca galinha caipira com fígado e moela para mim!
Ó rica, embriagadora medula óssea de pés, asas e coxas!
Ó macarrão furadinho de almoços especiais!
Ó sopa de carne e legumes, manjar dos deuses!
Ó copos de leite grosso, açucarado e quente!
Ó tardes inequecíveis moendo a comida de milho!
Ó pamonhas e canjicas do jantar de São João!
Ó douradas manhãs do despertar pra ir á escola!
Ó banhos longínquos na calçadinha do Açude Velho!
Ó alegria no rosto, Zeladora do Coração de Jesus!
Ó fogueiras sempre acesas em minha memória!

Ó pronúncia inesquecível de "Agustim", chamando o meu pai.


                             *         *         *


Mas naquela manhã ela não se levantou irmanada ao Sol.
Voltara à ser terra, agora era irmã da Terra,
se entregara para sempre à sua Natureza de Mãe

O botão de rosa, a flor, o fruto, a árvore
que nutrira e acolhera a tantos sob sua sombra hospitaleira,
e sem ligar para o quantos umbus nós pegássemos
- seus umbus eram infinitos enquanto ela durasse - 
agora voltara a ser apenas uma semente.

Urgia replantá-la em local adequado.

Agradecemos aos céus do sertão
que não foram indeiferentes á chegada da boa semente.

Como choveu naquela manhã!

Obrigado, Senhor!
Obrigado, Senhora!


           Antônio Adriano de Medeiros
           João Pessoa, 24 de outubro de 2012







 MÃE


                      para Maria Deusa de Medeiros


No botão de rosa da boa judia
- deleite de filhos, amantes, perversos -
branca substância que molda e que cria,
estranho segredo de escrever versos.
No coração terno da virgem Maria
sangue que alimenta sexo e sacrifício
- Força que ensina a fazer poesia;
Mãe de amor e ódio, de doença e vício.
O leite emotivo desse botão róseo
se derrama em camas e horas incertas
- abraço que suga de pernas abertas -
embora o bom senso sugira que dose-o.
- O leitmotiv, razão do que sou,
talvez seja mesmo esse antigo amor.


               Antônio Adriano de Medeiros