
Sim, ainda no que toca a pequenos desamparados, segue um outro poema, que também foi da safra 86-89, e teve uma inspiração real, foi um aborto real do qual soube que me inspirou o poema, um pretenso soneto, só que com versos esdrúxulos. O título, Canção de Ninar do Bebê de Rosemary, é o título também de um filme de terror de Polansky, e também da principal música da trilha sonora. è bem fácil achá-la na Net, Google e Youtube têm a musiquinha.
A palavra "hemoptises", vômitos de sangue, delata o médico recém-formado que escrevu o soneto.
O que gosto desse soneto é extremada humanidade do herói do poema, do abortado, que vendo os doentes sofrendo com sua tísica, tenta consolar aqueles que em breve deixarão essa vida, com a idéia de que tal partida talvez não seja assim tão ruim.
Agora fico pensando: será que por trás da aparente bondade do abortado não tem também um pouco de sadismo, de vingança para com os humanos que não o deixaram viver? Em sendo assim, o tal fetinho seria o Cão!
absaam
LULLABY FROM ROSEMARY'S BABY
Devido a uma das inúmeras crises
pulmonares que acometem-me o ser doente,
estive internado, com terríveis hemoptises,
num velho sanatório onde morreu muita gente.
Localizava-se o antigo prédio na pobre periferia
da cidade, junto a um canal prenhe dos detritos mais imundos;
e, toda noite, de lá chegava à nossa enfermaria
o som de uma canção, a consolar os tistes moribundos.
Era a doce voz de um feto de sete meses, abortado
um dia pela infeliz mamãe, e que cantava bem ritmado.
Contava que seu espírito nutrira-se nos esgotos sujos,
entre amebas, bactérias, muitos vermes e alguns caramujos.
E, à sua boa mãe, ele mostrava-se muitíssimo agradecido
pela graça singular de nunca ter nascido.
Antônio Adriano de Medeiros